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domingo, 11 de dezembro de 2011

NATAL SEM ERVA MATE

(foto Google Imagens)




Final de ano, sinônimo de confraternizações. É a vez da curtição e das lembranças de símbolos da infância. Seria omissão voluntária deixar de escrever sobre a época. Estou em Porto Alegre, são vinte horas e o calor de trinta e quatro graus encharca a camisa. Mesmo assim, como todo gaúcho que se preze, esquento água para chimarrão. A chaleira chia e abro um pacote de erva mate nova, recém-comprada no supermercado, que exala o cheiro de Natal da infância. Como? Paro e analiso. Porque a lembrança?
Recordo de Uruguaiana, onde residi entre os dois aos sete anos. A ansiedade era reprimida pelo Natal que iniciava apenas em vinte de dezembro. Hoje a data começa em princípio de novembro, de tal forma que quando chega a véspera de Natal, as crianças estão cansadas de Papai Noel. Em minha casa, quem assumia as tarefas relativas a chegada do bom velhinho, era a vó, que preparava a árvore para receber presentes cortando um pinheirinho nos matos perto da General Câmara. Enfeitava a base da árvore com presépio, manjedoura e miniaturas compradas em Libres de José, Maria, Reis Magos, ovelhas, burricos fincados no pasto verde de mentirinha, feito com erva mate. Tudo era feito às vésperas, depois que eu dormisse, pois “criança deve conservar o encantamento de Papai Noel”, dizia.
No dia seguinte, a surpresa. Em um canto da sala, a arrumação cuidadosa, com presentes embaixo da árvore. O cheiro forte da erva mate por dentro de casa, invadia todas os aposentos apesar das paredes de alvenaria de cerca de trinta centímetros de espessura. O forte odor circundava a árvore, os lagos artificiais formados por espelhos e o pasto oferecido às vacas de porcelana.
Quando mudei para Porto Alegre, após a separação dos pais, com oito anos, sentia o mesmo cheiro do Natal na árvore da tia Tedi, irmã da mãe que, assim como a vó, esmerava em conservar a tradição de aconchego de presentes embaixo do pinheirinho enfeitado com bolas multicoloridas e presépio.
Este referencial de cheiro de erva mate nos pés das árvores de Natal, esqueci ao longo dos anos. Em Brasília onde passei a residir, casado e com filhos, o hábito de montar presépios foi preservado em finais de anos. Mas o uso do pozinho verde para compor a paisagem do aparato natalino, nunca mais usei.
Usar mate como pasto dos animais de presépios gaúchos, aguçava a imaginação da gurizada, que ligava o odor aos presentes de Natal. Hoje, não encontro ninguém nos rincões gaúchos que permaneça com este hábito. Quem sabe no interior do estado! Em Porto Alegre, parece perdido entre as parafernálias eletrônicas, luzes, árvores artificiais e sacolas de presentes de grifes.
Em almoço na Tristeza, bairro onde morei até quinze anos e onde reencontro amigos, conversei sobre mais este nobre uso do mate. Foi quando alguém comentou que parou de usar quando os filhos, na correria de abrir presentes, espalharam o pó pela sala, sujando tudo.
Hoje, os pais não querem saber de sujeiras, Papai Noel fala inglês, toma coca-cola, uísque escocês e champanhe francesa. E os animais tradicionais em volta do presépio, não precisam de pasto, pois comem ração sabores arroz, salmão, frango. Os presentes, outrora roupas ou brinquedos fabricados a mão, hoje são eletrônicos sofisticados como Ipod, ifone, joysteacks, celulares multifuncionais e jogos cada vez mais violentos.
E a alegria, a ceia, o reencontro da família? Dependem do valor investido na festa.
Feliz Natal a todos.

domingo, 27 de novembro de 2011

MANAUS ONTEM E HOJE

(Teatro Amazonas- arquivo pessoal)









O sobrevôo sobre a cidade e a leve inclinação da asa esquerda, alinhando a aterrissagem, evidenciou a diferença da Manaus de agora com há de trinta anos. Em oitenta estive a trabalho na cidade e a zona franca fervilhava de turistas atrás de novidades importadas a preços módicos. Naquele ano, viajei por três ocasiões. Em cada uma, permaneci por períodos de trinta dias banhado pelo calor dos trópicos.
Em finais de semana procurava aprender danças típicas e assim, meio por acaso, conheci o forró nordestino. Fui cativado imediatamente. Lembro do quanto transpirei ao som de Morena Tropicana animado por shows ao vivo na potente e melodiosa voz de Alceu Valença. Muitas noites de forró dancei com Moema, charmosa índia amazonense que me iniciou pacientemente nos primeiros passos da dança. Ainda hoje ao ouvir forró, não resisto e balanço até o sol raiar.
Retornar a Manaus representava mais do que simples passeio. Era o reencontro com a cidade que desabrochou da floresta como a mangueira que cresceu no meio da selva. Para Malu, representava rever a filha jornalista, que fixou residência e trabalha na Rádio Amazonas.
O mormaço se instalou na passarela de desembarque e reportou o mal estar daqueles tempos. Certo dia ao beber tacacá no centro da cidade, sentei na calçada. Ameaçava desabar por queda de pressão. Tacacá é bebida calórica, fervente que, servida à temperatura ambiente de quase quarenta graus, derruba turistas desavisados. Na verdade, Manaus carecia de estrutura para enfrentar o mormaço intenso dia e noite. Agora, a situação é outra. Em todos os lugares há aparelhos de ar condicionado e ventiladores. Até em bancas de revista.
A diversidade de restaurantes e bares chamou a atenção de Malu. Em lugares pitorescos dentro da mata acolhedora, as margens da estrada ou em praças de alimentação ao ar livre que recebem o povo manauara e turistas com exótico encanto. A variedade de opções nos cardápios aguça o apetite com os pratos a base de peixe das cidades ribeirinhas. A culinária manauara é de pescados, deliciosamente preparados. Pratos como lombo de Pirarucu e Tambaqui na brasa, melhores peixes da região, competem com as carnes vermelhas em qualidade. O pirarucu é conhecido como o bacalhau brasileiro e a fama faz jus. Ao provar, remeti a cidade do Porto em Portugal. O vinho importado, pela proximidade com outros países, tem bom preço, mesmo em restaurantes sofisticados.
O trânsito? Uma loucura! Copiando as grandes metrópoles, o número de carros excede a capacidade das avenidas largas e sinalizadas, que em nada lembram a dos anos oitenta, cortada por ruas estreitas e esburacadas.
Em passeio no centro da cidade, no conjunto de ruas que formavam a famosa zona franca, lembrei os aromas que exalavam das lojas de artigos importados. O odor de material plástico, da tinta dos tecidos indianos, dos biombos, dos baús da China e nas famosas fragrâncias dos perfumes franceses. Muito percorri o comércio atrás de novidades para três filhos indóceis aguardando presentes em Brasília. Na infância, tive um amigo que possuía o ferrorama, brinquedo caro, fora de alcance. As mãos coçavam para tocar os vagões e assumir o controle do comboio, mas o amigo zeloso só permitia a observação. Pois foi o presente dado aos filhos, que mais curti. Comprei, mas só liberava se brincassem comigo. Era a oportunidade de resgatar a infância e o comando do brinquedo.
Com a zona franca desativada, as ruas que abrigavam as enormes lojas de artigos importados, foram substituídas por camelôs em barracas amontoadas pelas calçadas, vendendo produtos de procedência duvidosa.
Em compensação, Manaus recebeu inúmeras fábricas favorecidas pela política de impostos. Instaladas em ritmo veloz, colocam no mercado os produtos “Made in Manaus”, custando cerca de vinte por cento menos que no restante do país.
O teatro Amazonas, decorado com a arte européia, esbanja a riqueza do estado, obtida da extração da borracha natural das seringueiras. Os atores das peças que atuavam no teatro eram franceses ou italianos. Para a apresentação, navegavam três meses, apresentavam-se por um mês e retornavam em mais três meses pelo oceano Atlântico. Permaneciam, portanto, cerca de sete meses longe de casa. O cachê, quatro vezes superior ao praticado no país de origem, era justificado pelo medo da contaminação por malária. Na pintura do teto da sala de descanso dos atores, executada em tela, na Itália, outra curiosidade. Ao ser trazida ao Brasil foi escoltada pelo artista que acompanhou a colagem no teatro. Depois do trabalho concluído, ao retornar a cidade natal, morreu de malária. Se soubesse o quanto custaria a tela, penso que não a executaria. Um turista preocupado, perguntou a guia se entre visitantes acontecera algum caso semelhante. Ela ignorou a indagação e passou a outra sala onde narrou: “Até então, as mulheres da realeza usavam nove anáguas engomadas para armar as roupas e valorizar quadris e seios passando a impressão de boas parideiras e amamentadoras. A inteligente esposa de Napoleão III, para substituir a quantidade de panos, projetou uma armação de ferro e mandou confeccionar pela fábrica de espetos francesa Peugeot. O artefato foi aprovado pela nobreza e o fabricante recebeu tantas encomendas que foi salvo da falência. Aproveitou o bom momento e investiu em fabricação de guarda-chuvas, bicicletas e automóveis. Além de causar bom efeito visual nas mulheres, o produto facilitou a higiene das partes íntimas, melhorando a saúde das usuárias.”
Turismo obrigatório aconteceu na novíssima ponte sobre o Rio Negro, que une a pequena Iranduba à Manaus. Inaugurada a cerca de um mês, durante as festividades de aniversário da capital, tem cerca de três quilômetros e meio de extensão. Orgulho dos manauaras serviu para encurtar caminho entre as cidades. Após a ponte, a rodovia é cercada por mata nativa que exala o odor da vegetação exuberante. A umidade dificulta a respiração dos brasilienses acostumados com a seca do cerrado. Árvores altas com copas fechadas e no pé com vegetação espessa, dificultam o acesso. Ao entrar dez metros mata adentro, mergulhará na escuridão dificultando o retorno.
Por estrada de terra esburacada chega-se a beira do rio Negro, onde o cais flutuante evidenciou que o rio nas cheias, deve ser respeitado. Iranduba é a cidade com maior quantidade de hotéis de selva, pena que com diárias inacessíveis ao turista médio brasileiro, sendo fortemente visitados por turistas estrangeiros.
Na chegada ao cais de Iranduba encontramos o prefeito de Manaquiri que, antes de embarcar ao destino, falou sobre a construção de mais uma nova ponte na região. A ligação a Fonte Boa, visa integrar a região sul do estado. A conversa só acabou com a noite que esparramou um manto negro sobre o rio, libertando os mosquitos que adoram sangue de turista. O prefeito se despediu, embarcou na voadeira e afastou-se da margem velozmente para vencer os cento e quarenta quilômetros até Manaquiri.
Pitoresco foi a revisita a Ponta Negra, cujas transformações foram profundas. O trajeto por lamaçal, de difícil acesso, foi substituído por larga avenida de duas pistas. O tambaqui, curtido num piquenique ao pé da mata, preparado em folha de bananeira e cozido em braseiro de chão, desta vez comi temperado com sal grosso, em restaurante refrigerado. As árvores nativas a beira do Rio Negro, sob as quais caminhei colhendo murici, foram substituídas por prédios de luxo. Hoje a orla do rio é comparável a beira mar das principais cidades brasileiras. Edifícios habitados por parcela da classe média alta, dividindo águas com frequentadores menos abastados.
Manaus é das cidades que mais crescem no Brasil e é considerada como a capital brasileira que mais evoluiu em qualidade de vida nos últimos dez anos. Não é a toa que é das doze capitais que sediará jogos da Copa do mundo 2014.
A chegada ao aeroporto foi em cima da hora. Malu e eu despachamos a bagagem, subimos ao avião e, exauridos, sentamos. À medida que o avião subia, a mata transformava em imenso tapete espesso e verde. Fechei os olhos e adormeci. Vez por outra acordava, abria os olhos e percebia as clareiras das áreas desmatadas pelas mãos do maior depredador do planeta. Voltava a dormir embalado pelo ronco das turbinas e pelos soluços contidos de Malu com saudades da filha.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

ADEUS, HOTEL ALVORADA

(Foto arquivo pessoal)




















(Foto Agência Brasil)




















Cheguei a Brasília em três de janeiro de 1974. Por obra do destino, fui contratado ainda em Porto Alegre, sem pistolão, fique claro. A contratação incluía residência oficial, carro com combustível e refeições, mas o imóvel estava em reforma e hospedei-me no hotel por quarenta e cinco dias. Na memória, a imagem do oitavo andar de onde, aos finais de semana, admirava a Esplanada dos Ministérios, o Congresso Nacional e o pouco movimento da Rodoviária.
Atualmente, ao passar pelo viaduto da W3 norte, sentido W3 sul, mostrava o prédio aos filhos, netas e amigos:
- Este é o hotel Alvorada, minha primeira residência no Distrito Federal.
A única bagagem era a mala com roupas, diploma e documentos pessoais. Hospedar na suíte do Alvorada marcou o início da carreira, a primeira residência solo e a conquista da independência econômica. Chamava atenção a fartura do desjejum, verdadeiro café colonial com frutas de todos os tipos, variedades de pães e especiarias. Sinto até hoje o delicioso cheiro de café que exalava naquele ambiente, iluminado pela luz amarela do sol plantado no céu límpido de Brasília, como nunca vira igual. Depois, pleno de energia, seguia a pé aos estúdios da Rádio Nacional, no Edifício Antônio Venâncio da Silva, Setor Comercial Sul.
A ganância acabou com o referencial de meu endereço número um.
Dois meses antes, comentara a um amigo sobre o edifício, e falamos sobre a vantagem de Brasília ser tombada pelo Patrimônio Histórico, preservando a memória. Doce ilusão!
Fato interessante ocorreu na primeira semana de hospedagem. Esquecera o pijama em Porto Alegre e obriguei-me a comprar outro. Receoso que desaparecesse, escondi. Na noite seguinte, após uma deliciosa ducha, procurei e nada. Guardei-o tão bem que sumiu. Liguei para a portaria, e solicitei que a camareira procurasse. Dois dias após, encontrei na suíte um pacote e um bilhete de desculpas. Ganhara pijama novo para substituir o perdido. Ao final da temporada, no fechamento das diárias, encontrei o desaparecido dobrado no fundo da mala. Procurei o gerente e, envergonhado, expliquei o ocorrido. Queria ressarcir o débito, mas insistiu que aceitasse como cortesia da casa.
Agora, só recordação. Bastou um estrondo e dez segundos depois, o prédio virou cinzas. Desabou indefeso. Os hotéis Alvorada e Das Nações existem agora apenas na imaginação.
Três dias depois reuni forças para visitar o local. Fiz algumas fotos do enorme entulho mal cheiroso e triste e disfarcei a emoção que me dominava profundamente.
- Há poucos dias havia um prédio aqui e agora, nada – falei brincando a um motorista de táxi.
- É verdade – falou, baixando a cabeça.
Em Portugal no ano de 1755, um terremoto de magnitude nove seguido de tsunami, destruiu Lisboa. Os portugueses, por valor à história, reconstruíram os monumentos destruídos, com fidelidade.
Os construtores brasileiros declararam que farão prédios modernos no lugar dos hotéis obsoletos. Programarão derrubar outros? Obedecerão ao gabarito? Qual o futuro dos monumentos de Brasília? Teremos cedido à ganância dos construtores que apagam o passado e fazem o novo numa infinita construção e reconstrução? Onde está a fonte luminosa dos anos setenta?
Se Brasília, capital moderna, cede a estas pressões, o que será das demais cidades? Os Maias, os Astecas e os Incas foram dizimados, mas, sem implosão, permaneceram preservadas as ruínas como relíquias às novas gerações.Dos Hotéis Alvorada e Nações, nem ruínas, apenas cinzas a serem removidas ao lixão da estrutural. Foram cremados no Dia dos Mortos.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A FOFOCA

(foto google imagem)


Existem os donos da verdade. Os que se julgam acima dos demais e, nesta condição, dispostos a criticar, culpar, julgar e condenar. Capazes de tudo para crescer e aparecer. Até colocam palavras na boca dos outros.
Chegam disfarçados. Perigosos são aqueles que chegam na condição de conhecidos e se acham no direito de definir o certo e errado. Na concepção deles, estão acima de qualquer suspeita. Julgam-se infalíveis. Analisam a vida do outro e sabem tudo profundamente.
Outras vezes aparecem na pele de ex-marido ou de ex-mulher e nesta condição, aparecem na condição de expert em relacionamentos e defeitos. Dos outros, claro. E quando amigos ou conhecidos dos ex, piorou. Por saber detalhes saborosos daquela relação, rompida muitas vezes há tempos, são plenos de informações comprometedoras.
Pena que sempre há os dispostos a ouvir. Sem estes, não teriam platéia para divulgação e montar pontes de informações, vulgarmente chamadas fofocas.
Um amigo foi vítima de um caso destes e achei interessante contar. Faço referência às pessoas envolvidas, com nomes fictícios.
Luis Carlos tem cinquenta e poucos anos, divorciado, gosta de cinema, teatro, escreve com texto até razoável, lê muito e é servidor num órgão público federal. Certo dia esperava na fila para comprar ingresso a um filme no Parkshopping, quando reconheceu um ex-colega de trabalho do qual há muito se afastara.
Descobriram-se ambos descasados e, como Luis Carlos e Diógenes, se conheciam da época de casados com outras mulheres, a conversa correu sobre as agruras da vida a dois, das dificuldades das relações e de como as separações influenciam os familiares dos ex-companheiros.
Em determinado momento, Diógenes desandou a falar da família da ex-mulher do Luis a qual conhecia. E falou tudo que veio a cabeça, desabafou mazelas passadas, as festas em família regadas a chopp e churrascos e teceu comentários maldosos sobre a vida dos membros, só sabidas por quem convivera por longa data.
Luis Carlos assustou de tanto falatório. Desculpou-se que o cinema começaria em instantes e entraria cedo, apesar da poltrona numerada, mesmo sabendo que o tempo que faltava era bastante.
- Um mês depois - falou-me Luis Carlos - recebi um recado da minha ex-mulher para que parasse as fofocas sobre a família. Espantei-me e após muito pensar, descobri o motivo. O Diógenes, que também é amigo dela, falou tudo o que conversamos no encontro do cinema. Com apenas um detalhe: me referenciou como autor das observações.
Diógenes falara da família da ex-mulher de Carlos, atribuindo a este o falatório.
Existem tratados sobre este tipo de comportamento. Falei ao Carlos que mais cedo ou mais tarde as coisas se encaixarim. “Que no andar da carroça as abóboras se acomodam.”
Luis Carlos espantou com o fato da ex-mulher acreditar nas conversas.
- Emprestar ouvido a fofocas é contribuir com a poluição sonora que habita a audição. E fechou o assunto:
- É uma mulher madura e deveria ter assuntos mais importantes para cuidar na vida do que ouvir fofocas de ex-marido de amigas.

domingo, 23 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL - FINAL

Shopping COLOMBO-Lisboa (arquivo pessoal)


Tudo que começa, termina e assim acabou a aventura de visitar Portugal, conhecer a estrutura de transportes, os pratos saborosos, os vinhos, as maneirices dos habitantes e os turistas. Encontramos gente de todas as partes do mundo que visitavam o país, de gente hospitaleira e forma peculiar de ser e falar. E conhecemos muitos brasileiros que por motivo ou outro trocaram o país natal para residir na Europa.
Ani (Daniani), paulista com cerca de 30 anos, estava na fila quando Malu e eu comprávamos passagens para retornar a Lisboa. Iria também. O tempo era curto e o balconista aconselhou tomar taxi para, na estação Coimbra-2, embarcar no trem - bala rumo a capital, nosso último destino no país. Ao ver dois conterrâneos atrapalhados, Ani propôs rachar o taxi, solução bem brasileira para economizar a corrida.
Natural de São Paulo, moradora da Áustria, a moça participara do Congresso de saúde do qual Malu fez a conferência em Coimbra. Por curiosidade perguntei como foi parar no país tão distante, de língua difícil como o alemão. Ani disse que foi mistura, “coisas do coração com destino.” E contou. Morava em São Paulo, cursava enfermagem e vivia com os pais que certo dia ofereceram a residência para intercâmbio. Abriram possibilidade a um estudante estrangeiro residir no Brasil enquanto cursasse universidade paulista. Assim, chegou à casa um jovem engenheiro civil austríaco para residir durante o mestrado. Foi amor a primeira vista. Ao retornar, deixou o coração no Brasil, bem cuidado por Ani. Como a longa distância tornara-se um martírio, casaram-se e foram para a Áustria.
Se correrias para identificar vagão de trem e embarcar é angustiante, imaginem somado a malas, mochilas e sacolas. Pois Ani ajudou acomodar tudo no maleiro e a nós, nas poltronas. A ajuda foi importante e aliviou o estresse estampado nos rostos devido a bagagem, a trens velozes, e embarques nos labirintos das estações. Ajudou inclusive o desembarque em Lisboa. E mais, nos convidou para visitar a Áustria. Espero que leia este texto e envie e-mail para contato.
Almoçamos carregados com malas e demais apetrechos no shopping Vasco da Gama, as margens do rio Tejo acompanhados por gaivotas que brincavam de escorregar no telhado de vidro do restaurante. Fomos servidos por jovem paranaense, casada com catarinense. Há muitos brasileiros em Portugal, oh, raios!
No caminho para o hotel, o taxista desfiou um rosário de queixas. Falou do limite de produção do país ditado pela Comunidade Econômica Européia; de Portugal ter de comprar tudo de fora; que as companhias de obras de rua fazem buracos no asfalto e depois os fecham com preguiça. E enalteceu o Brasil falando ser auto-sustentável, desde o petróleo até aço, ferro, comida. A conclusão da conversa é que o país do vizinho é sempre melhor que o da gente.
Chegando ao hotel, contratei empresa de turismo para os passeios por Lisboa no dia seguinte e fomos para o metrô. Descemos no Shopping Colombo, vizinho ao colossal estádio do Benfica. Imaginei a região em dia de clássico.
Às vésperas do retorno ao Brasil, passeamos em ônibus de excursão, explorado por uma das duas únicas empresas prestadoras do serviço na capital portuguesa. Parece até monopólio, mas achei o preço de 30 euros por pessoa, justo, pois inclui passeios durante 24 horas a passageiros que podem descer e tomar os ônibus em qualquer ponto. Inclui ainda as linhas em operação na cidade com os mesmos passes.
Conhecemos monumentos históricos como o forte de Belém, o Museu Arqueológico, o Mosteiro de São Jerônimo e os monumentos erguidos aos grandes descobridores. Portugueses homenageados no país com enormes estátuas como Vasco da Gama, Infante Dom Henrique, Cristóvão Colombo e por aí vai.
No centro de Lisboa, o almoço constou de sardinhas fritas e a digestão aconteceu caminhando entre monumentos e demonstrações de artistas que imitavam estátuas vivas, como o soldado armado, o cavaleiro sedutor e o recordista do Guiness Boock que se equilibrava no ar. Procurei a explicação e um garçom de restaurante que ali permanecia desde cedo, desmistificou o equilibrista. Confidenciou que havia armação de ferro muito bem elaborada a segurá-lo.
Portugal estava desvendado. Visitá-lo em outra ocasião estará sempre nos planos. Malu e eu voltamos exauridos de cansaço, mas satisfeitos em praticar turismo por conta própria, permanecendo sem atropelos o tempo necessário em cada local visitado. Portugal é matriz da história brasileira. Queiramos ou não estamos atrelados àquele país.
Como diz um amigo meu, “viaje com alguém e descobrirá os defeitos e virtudes da pessoa”. Pois Malu e eu fizemos bom par. Toda programação foi executada a dois, sem que pesasse para nenhum em particular. A relação de viagem a tornou uma aventura instigante, exploratória e econômica em todos os sentidos.
Para os viajantes os votos de que o (a) parceiro (a) ou companheiro (a), também goste e tenha bom humor para enfrentar situações por vezes muito adversas.
Aos leitores e amigos que acompanharam as peripécias, resumidas em cinco partes, agradeço e espero continuar recebendo suas visitas ao blog, acompanhando as publicações semanais.

sábado, 15 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – QUARTA PARTE

(Pontes de Porto - arquivo pessoal)

Há quatro dias em Portugal, após visitar Coimbra, Fátima e Aveiro, a cidade do Porto intensificou a percepção das semelhanças existentes entre aquele país e o Brasil. Descendo as ladeiras rumo à cidade baixa, em meio a ruelas estreitas, entre moradias, observava as roupas penduradas nos varais em frente aos sobrados. No centro histórico de Salvador, pude observar este mesmo quadro. Peguei-me inúmeras vezes a racionalizar que estava fora do Brasil. A semelhança entre cidades dos dois países, iniciou-se em Coimbra, onde lembrei Porto Alegre, meu torrão natal, construída em 1772 por casais portugueses açorianos. A partir daí, passei a reconhecer ruas semelhantes à Rua da Praia. Malu comentou só agora entender o costume brasileiro de colocar pedras portuguesas nas ruas. Na livraria Lello encontrou livros que exibem a graça dos desenhos nas calçadas. Lá como cá e por influência destes colonizadores, as calçadas causam impacto pela beleza.
Cheguei a pensar que perderia a oportunidade de conhecer Porto, última cidade a visitar antes do retorno a Lisboa. O dia amanheceu com nuvens escuras prenunciando aguaceiro. A temperatura de treze graus também não ajudava, e despertamos em torno de nove horas. Mas Malu e eu estávamos decididos. Após o desjejum reforçado no hotel, compramos duas mochilas para melhor acomodar os pertences de mão e tomamos o trem bala. Em uma hora estávamos em Porto.
Ao chegar à cidade o dia frio e a chuva fina pareciam atrapalhar os planos.
Li que o melhor acesso ao centro era o metrô, o mais moderno do país. Seguimos para a estação, onde um jovem brasileiro de Governador Valadares, morador de Portugal, indicou onde comprar passagem. Só faltava encontrar o embarque no labirinto da estação da segunda cidade de Portugal e entender onde desembarcar. Buscava a rua Santa Catarina.
Malu resolveu abordar uma senhora de uns setenta anos, dona Dinamérica. Esta senhora, acompanhada da irmã, explicou que deveríamos descer na estação Bolhões, mesmo caminho delas, bastava segui-las. O cuidado dela se manifestava a todo momento ao olhar para trás, certificando-se que a seguíamos. Além de indicar a estação, desceu conosco, alegando que compraria crédito para o telemóvel, denominação do celular.
A rua Santa Catarina é extensa e após caminhar algumas quadras, procuramos local onde almoçar. Ao perceber o shopping Via Catarina, reconheci o lugar ideal para refeição rápida. Seguimos à praça da alimentação, igual às outras do mundo. A diferença entre as lojas que conhecemos, são as grifes, marcas européias afastadas do Brasil pela arraigada cultura às novidades americanas. O almoço no restaurante da venezuelana Guadalupe foi o tradicional e conhecido frango com salada pois confesso que Malu e eu não tivemos coragem de comer Tripas à Moda do Porto, prato típico da cidade, indicado pela gerente do hotel. Quem sabe da próxima vez, experimentamos. A dona, sempre com bom humor, ao ver o garçom dançar fado em meio às mesas, disse adorar o povo português, “pela gaiatice e sorriso fácil.”
À tarde dedicamos visita aos monumentos, igrejas, museus e, como não poderia deixar de ser, a livraria Lello, local ímpar pela arquitetura e cuidado na conservação de obras históricas. No passeio por entre as estantes percebi a fama da casa. Folheei livros das conquistas portuguesas e conheci parte das orientações dadas aos navegadores, incluindo Cabral ao partir para conquistar terras brasileiras. Mas o tempo era curto e logo saímos. Malu pagou os livros em euros, a livraria não recebe cheques nem de Portugal, não aceita cartão e não emite nota fiscal, nem recibo de vendas. Senti-me em casa.
A cidade do Porto é banhada pelo Rio Douro, que abriga inúmeras pontes e um teleférico e é por isto conhecida como Cidade das Pontes, cada qual mais bonita. Uma delas possibilita a entrada e saída dos trens à cidade, a grande altura.
Para chegar à margem do Rio Douro seguimos um caminho em ziguezague de ruas estreitas e prédios antigos que lembram as favelas do Rio de Janeiro. Roupas estendidas nos varais das janelas e prédios coloridos emprestam um aspecto mundano e ao mesmo tempo cultural. A região é tombada pela UNESCO e mostra a preocupação pela memória da primeira capital de Portugal e ponto de partida dos grandes navegadores. O povo se orgulha de Infante Don Henrique, um dos filhos mais ilustres.
Ao avistarmos o Rio Douro, lembrei de Porto Alegre e fiquei pensando na nostalgia que os fundadores açorianos experimentaram quando, as margens do rio Guaíba, fixaram a pedra fundamental da capital. Penso que olhar o rio gaúcho, os remetia ao distante quinhão natal, hoje distante nove horas de avião, na época, quarenta e cinco dias em caravelas. Realmente estafante, mas melhor espaço do que entre os bancos da classe econômica.
Malu e eu margeamos o Rio Douro e avistamos um prédio monumental do outro lado, no topo do morro. De construção antiga numa das pontas e na continuidade com muros altos, que não pareciam da mesma obra. Aguçou a curiosidade e aproximei de dois portugueses que discutiam em altos brados defendendo os times do coração. Antes que pudessem reclamar da intromissão, tasquei a pergunta sobre os prédios. Um deles me olhou vermelho, irado da discussão e mirando nos meus olhos, de frente para o antagonista, falou, “aquilo é o Mosteiro da Serra do Pilar, oh! raios”. Ainda insatisfeito, perguntei, “e os muros altos?” e a resposta “um quartel”. Pronto, estava respondido, agradeci e complementei “podem continuar a discussão”. Não testemunhei, mas percebi que a pergunta não aplacou a contenda.
Sair da cidade baixa para a alta foi penoso, estávamos exaustos de caminhar e a subida íngreme, obrigou descansar diversas vezes. Numa das paradas entrei num café e tomei um espresso. Aproveitamos para refletir sobre a angústia de estar longe da terra natal e como afeta pessoas em turismo solitário. Pior quando em país de língua diferente.
Neste dia descobri que azeite de oliva português é forte mesmo. Bom remédio para prisão de ventre.
Talvez o retorno da viagem tenha sido o mais tranquilo do período turístico em Portugal. O cansaço nos prostrou na poltrona do trem-bala e dormirmos ao chacoalhar da carruagem.
Na estação Coimbra – 2, local de baldeação obrigatória entre comboios, embalados pelos acontecimentos de cada dia, cantarolei uma valsa e Malu e eu dançamos assistidos por passageiros curiosos que talvez pensassem “de onde será o casal?”.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – TERCEIRA PARTE

(arquivo pessoal)


Conhecer Aveiro foi uma aventura a parte. A cidade tem charme e não é a toa que é conhecida como “A Veneza Portuguesa”. Isto porque, a partir de um centro geométrico, é cortada por canais navegáveis que deságuam no mar.
Um passeio ao estrangeiro inclui a convivência com o povo, conhecer costumes e saborear os pratos de cada lugar. Procuro assim, narrar em detalhes acontecimentos que culminaram com mais esta aventura portuguesa. O projeto era conhecer a cidade, passeando de barco.
Na estação Coimbra-2, onde comprei as passagens para Aveiro, Malu perguntou pelos pontos turísticos a uma moça do guichê. Teve como resposta um nome que nos intrigou: Aveiro é a cidade da RIA.
Abro parêntese para explicações. RIO é a corrente de água que se origina de nascente. RIA é quando não existe nascente, a água é formada pelo braço do mar que adentra a terra. Na definição dos portugueses, a RIA é o resultado do recuo do mar, com a formação de cordões litorais que, a partir do séc. XVI formaram uma laguna. A RIA constitui um dos mais importantes e belos acidentes hidrográficos da costa portuguesa. Fecho o parêntese.
Algo muito interessante acontecia ao descer nas estações das cidades que visitávamos. Tínhamos dificuldade em identificar o lado onde estava a cidade. Imagino pela falta de hábito em andar de trem. Em Aveiro, após identificar o caminho a seguir, descemos pela rua principal rumo a RIA. No caminho, por várias vezes entramos em restaurantes para almoçar, pois o mais forte sentimento era o de fome. No entanto, sabíamos de outras jornadas, que não se come ao primeiro impulso e resolvemos priorizar um restaurante com bom cardápio.
No caminho, diante da demora em divisar a orla, perguntei a um balconista de banca de revista, onde estaria o rio (até então, ignorava que era RIA) recebi a resposta com a lógica portuguesa “vá em frente, mas com cuidado, pois poderá cair dentro dele e afogar”. Tinha razão, a orla onde está o cais apareceu uns vinte passos a nossa frente. Fizemos o reconhecimento do local onde iniciaríamos o passeio de barco e zarpamos atrás de restaurante.
Na praça central da cidade, em frente a um velho casarão do século XV, encontramos o local e, assessorados pelo garçom, pedimos bacalhau a Lagarero acompanhado de vinho tinto alentejano. Almoçamos devagar saboreando a refeição, o vinho e a música espanhola. Após o cafezinho, saímos satisfeitos para a navegação na RIA.
No cais, barcos de turismo não descansam no ir e vir dos canais, abarrotados de turistas. Tomamos assento no da vez, com um grupo de espanhóis idosos e alegres e sentamos bem na frente. Na fila para os passeios, reparei em excursões de várias partes da Europa, predominantemente de espanhóis, italianos e alemães, além dos próprios portugueses que são os que mais movimentam o turismo no país.
No circuito, de mais ou menos duas horas, cruzamos por todos os canais, e conhecemos a cidade navegando, num passeio romântico, narrado pela guia em italiano, espanhol e português. Como era portuguesa, tínhamos a vantagem de entender as informações e as respostas aos questionamentos. A guia narrava tudo e deteve-se nas salinas, um dos principais meios econômicos de Aveiro, apesar da extração ser artesanal. A certa altura do passeio desconcentrei da narrativa da guia que tagarelava em três idiomas e reparei um casal que namorava a beira da RIA, sentados num banco de madeira. Alguns passageiros, como eu, notamos a mão do rapaz a descer displicente para o traseiro da moça. Gritei “cuidado com a mão” e eles olharam rindo. Os passageiros gargalharam. Isto mereceu um comentário de Malu, que é carioca: “a linguagem da gozação é universal mesmo”.
Ao final do passeio, paramos para experimentar ovos moles, um doce delicioso da região. E aí conheci mais um pouco da cortesia portuguesa. Um idoso simples, de simpatia ímpar, se acercou, sentou-se à mesa e puxou assunto. Perguntou de onde éramos. Mas sem ouvir a resposta, falou de si. Disse ser natural de Aveiro, e trabalhara até aposentar, na Áustria. Contou a história de lutas e desconfortos passados fora da terra natal. Ficara solteiro e entendi que voltara a seu país, aposentado, para descansar junto aos parentes após a luta pela vida com glórias e fracassos. As marcas da batalha avivaram o olhar, mas marcaram seu rosto e os cantos de sua boca incapacitando-o de sorrir. Ao final, quis pagar a conta, o que julguei desconfortável aceitar. Quando me flagrou tentando pagar diretamente no caixa se ofendeu e recuei, agradecendo e aceitando a oferta. Realmente fiquei espantado, principalmente por ser desconhecido. Malu e eu refletimos que o fato ocorrera de forma casual. Talvez por tratar-se de pessoa simples que recebeu atenção de turistas. Explicação plausível até certo ponto, afinal o povo europeu anda com recursos financeiros escassos. Melhor acreditar que nos julgou merecedores.
Fomos para a estação ainda sob o impacto do acontecimento.
O retorno foi a jato. Tomamos um trem-bala e, na velocidade de duzentos e cinquenta quilômetros por hora dormi até Coimbra. Chegamos a tempo de pegar a sopa na padaria ao lado do hotel e assistir a mais um jogo do Benfica.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – SEGUNDA PARTE





(Arquivo pessoal)


Todo dia o amanhecer em Portugal me obrigava a exercitar a consciência e localizar onde estava. A arquitetura de Coimbra, cidade onde dormíamos, guarda semelhanças com Salvador e Rio de Janeiro, conferindo que os portugueses aplicaram nas duas cidades brasileiras, ambas ex-capitais, a arquitetura que conheciam. Quem sabe para aplacar a nostalgia da terra natal. Se hoje, com potente meio de transporte, nos sentimos distantes, imagino em meados dos séculos XVI, XVII.
O passeio a Fátima aconteceu em um misto de curiosidade e obrigação. Amigos que souberam da programação de viagem, falavam com entusiasmo sobre o santuário fazendo comentários tipo “ir a Portugal e não visitar o Santuário de Fátima é morrer na praia”. Ora, pois, pois, então iremos. E mereceu um capítulo a parte pela magia e grandiosidade do local. Nem necessitou um dia inteiro e as impressões são relevantes de narrar.
Antes de tomar o ônibus para Fátima, Malu e eu almoçamos em Coimbra privilegiando frutos do mar. Pescada amarela, com salada e batata cozida, acompanhado de vinho do Porto, que nos deixou com uma ponta de preguiça. Observei que nas refeições não é costume servir arroz com a comida. Como não sou adepto do alimento, não senti falta. Após o almoço, seguimos para a rodoviária, onde esperava o que mais chamou atenção em solo português quando o assunto é transporte: ônibus confortável que contribuiu para a soneca depois do almoço. Dormir bem neste percurso de pouco mais de uma hora, garantiu que chegássemos novos em folha e, como a rodoviária é perto do santuário, nos deslocamos a pé, fazendo fotos da vegetação, semelhante à brasileira do sul.
Íamos distraídos quando, por detrás de árvores centenárias, surge o colossal prédio do complexo. Era o templo principal que nos impressiona pela grandeza. Os portugueses capricharam, com razão, a visita ao Santuário é responsável por dez por cento de todo turismo que acontece no país. Em 2005, chegaram a mais de 4 milhões de peregrinos. O templo da Santíssima Trindade, construção mais recente do complexo de templos tem capacidade para nove mil pessoas sentadas.
À frente da porta de duas toneladas, a grandiosidade do pátio central remete a miniatura de nosso significado como seres humanos. O número de pessoas que visitavam o complexo conosco, era significante, mas não preenchia o espaço a disposição. Mesmo neste enorme pátio, o silêncio era quebrado apenas pelos sussurros de orações na missa que acontecia na Capela das Aparições. Os peregrinos, gente de todas as classes sociais e de todos os países do mundo, estavam ali por diversos motivos. A maioria por motivações religiosas. Mas mesmo os que lá comparecem por outras finalidades, acabam se envolvendo em alguma atividade do ritual litúrgico, como assistir missa, sussurrar orações, andar ajoelhado penitência na passarela dos sacrifícios, colocar velas no castiçal ou depositar moeda de 50 centavos de euro na fenda do balcão de uma vitrine para acender uma vela elétrica, entre as centenas que ali estão instaladas.

Um prédio ao fundo, atrás da bastilha, abriga uma bateria de banheiros, bem cuidado e com papéis a disposição. Saliento por não estar acostumado com estes confortos no Brasil.
Em determinado momento, ao passarmos embaixo de um pinheiro, uma pinha desprendeu-se do galho e caiu com estrondo. Nunca vira uma daquele tamanho. Ficamos inertes por alguns instantes, admirando-a, mas logo Malu deu a idéia “vamos levar para o Brasil”. Apanhei-a do chão e se tornou nosso souvenir de Fátima. Não somos adeptos a comprar lembranças de pontos turísticos a preços exorbitantes.
Após cumprir a tradição de acender uma vela num tanque, começamos a nos afastar vagarosamente do templo, pois anoitecia e lá cerra suas portas as sete horas. Acompanhamos com o olhar alguém que, ajoelhado, fazia penitência dolorida arrastando com dificuldade os joelhos na pista dos sacrifícios. Ficamos longo tempo em silêncio, caminhando de mãos dadas, perdidos em reflexões sobre a fé humana e, seu significado, manifestações, símbolos e crenças.
Lanchamos perto do santuário, um doce chamado Feijão, feito com ovos moles. O passeio não ultrapassou três horas e logo estávamos retornando a rodoviária.
As oito da noite tomamos o ônibus e voltamos para Coimbra. Fátima foi ficando para trás com todo seu esplendor e significado litúrgico. Colossal monumento erguido ao povo crédulo que procura significado para a morte e sentido para a vida.
Antes de dormir entramos num pequeno restaurante, aconchegante, intimista, decorado com quadros do século XVIII. O dono, um senhor de meia idade, atendia pessoalmente seus clientes, que, pelo porte do local, não poderiam passar de vinte por vez. A apresentação do cardápio decorado com bom gosto. Atrás do balcão uma senhora que parecia sua mulher, esmerava orientando dois cozinheiros. Quase imperceptível, uma música francesa pairava docemente transformando o ambiente em algo preguiçoso. Pedi duas porções de caldo com grão de bico e legumes e, enquanto esperava, conversávamos sobre os acontecimentos do dia e seu significado. Na mesa ao lado uma moça de uns vinte e poucos anos, lia um livro com título francês. Tentei ler o autor, mas não consegui. As demais mesas estavam todas ocupadas. As conversas eram reservadas e contidas, e havia um limite de som aceitável entre os clientes. Passados trinta minutos, um jovem aparentando mais de trinta anos, entrou e se aproximou da moça do livro. Ela levantou para recebê-lo. Cumprimentaram-se com carinho e sentaram um de frente ao outro. Tentaram falar em português. Não deu certo. Em alemão não conseguiram ir muito longe. Acertaram o diálogo em francês. O sussurro dos dois, o vinho branco que pediram, o prato a base de lula, tornou a atmosfera romântica naquele canto do restaurante. Fomos contagiados e nos recolhemos cedo ao hotel. A noite fria em Portugal pode ser bem aconchegante.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – PRIMEIRA PARTE



( Foto : arquivo pessoal)







Quando planejei viajar, tinha expectativas preconcebidas. A primeira delas seria a de encontrar um povo taciturno, fechado e preocupado com o futuro. Esperava ouvir falar da economia à bancarrota, o povo triste e desacostumado a altos e baixos financeiros, sem entender a gravidade da situação. Julgava-me privilegiado por morar em país de grandes dimensões, com diversidade de clima e miscigenação de povos. Convivência com descendentes de portugueses, italianos, alemães, franceses e por aí vai.
Logo ao descer no aeroporto, engoli meus preconceitos e na fila, ordenada para carimbar os passaportes, verifiquei a primeira diferença. Não havia furão. Uma senhora de uns sessenta anos, que tentava passar a frente alegando que procurava alguém, descoberta na mentira, foi convidada a passar ao final. A fila enorme, ordeiramente andava direcionada por fitas. Dois funcionários garantiam a ordem e a rapidez de modo que, apesar de grande, nunca parasse. Lá na frente, dez guichês da alfândega, atendiam rapidamente.
Constatei que desembarcara num país de primeiro mundo e que a diferença de idade dos povos marcava a evolução. Como conheço a Argentina e o Uruguai apenas e muito do Brasil, considero poucas alternativas para comparação, mas neste momento tive consciência do que encontraria pela frente.
E assim iniciei a aventura portuguesa, reparando nas diferenças e relacionando à cultura brasileira, arraigado na minha descendência italiana.
O planejamento da viagem a Coimbra esteve atrelado à apresentação
de um trabalho, pela namorada, na Conferência Iberoamericana - Europa de Educação em Enfermagem que ocorreu no período de 18 a 24 de setembro.
Entrar no Velho Continente por Portugal fazia parte de objetivos pessoais para ganhar experiência européia. Começar por país de língua irmã acrescenta valores para almejar novos horizontes. Nos demais países, pretendo fazer uso da língua espanhola, minha segunda língua, da qual faço um treinamento intensivo.
Como o período era curto, de 17 a 25 de setembro, o objetivo foi permanecer em Portugal e conhecer o povo, convivendo no dia a dia. Deixei de lado vários palpites de visitar outros países como Espanha ou Itália, pois faria coleção de fotos, mas pouca curtição, como acontece com as excursões.
No aeroporto nos esperava o ônibus do Congresso terceirizado para o Transfer de Lisboa até os hotéis indicados em Coimbra a cerca de 200 quilômetros da capital. Lá seria a sede das Conferências e das atividades turísticas programadas. O hotel escolhido, propiciou boa mobilidade. É localizado entre a estação de trem Coimbra - Parque e a rodoviária. O Confort Inn Almedina nos serviu plenamente neste aspecto.
Apesar de chegar ao hotel às 15h, após enfrentar 9 horas de avião de Brasília até Lisboa, esperar seis horas para o Transfer lotar com congressistas e mais três horas de viagem entre as cidades, foi largar a bagagem no hotel e sair para a primeira exploração em solo português. O hotel está perto do rio Mondego, o único rio português que nasce e acaba dentro de solo português. Descobrimos no primeiro dia, A Sé Velha de Coimbra, construção do século XII, portanto bem antes do descobrimento do Brasil, mandada executar pelo primeiro Rei de Portugal. Nesta Bastilha, o rei confiava aos monges que rezassem para que ele e seus guerreiros se saíssem bem nas batalhas empreendidas. Uma verdadeira fortaleza, como eram construídas as igrejas da época e talvez a única que não foi desfigurada pela ação de restaurações.
Por perto, muitas ruelas e vários becos que acabavam em espaços maiores aproveitados por barzinhos, cafeterias ou pastelarias. Outros com pequenos comércios como mercearias, tabacarias, açougues, lojas especializadas em todo tido de carne de porco, peixes, roupas, enfim todo tipo de comércio, davam um ar provinciano, mas aconchegante e intimista.
Andamos por estes espaços até cerca de dezenove horas, e, após breve sono de uma hora para recompor, fomos lanchar numa pastelaria e padaria onde finalmente experimentei o delicioso vinho português, o primeiro da série que durante estes dias, nos acompanharam como manjar a parte dos almoços, jantares e lanches.
Um enorme telão na pastelaria, repleta de torcedores, exibia um jogo de Benfica e Acadêmica, com vitória do Benfica por 4 a 1. A cada gol, gestos fanáticos dos torcedores, mas contidos, nem de longe lembravam os do Brasil.
Pude reparar nestes primeiros contatos que o português não explica muito às coisas, preferindo que tiremos as conclusões sobre o que queremos perguntar, antes de apresentar a questão. É comum no Brasil perguntarmos as coisas e esperarmos a resposta do outro, e depois irmos perguntando em cima daquilo que queremos saber. O informante português insiste que esmiucemos a pergunta. Por exemplo, narro o que aconteceu comigo numa estação de comboio (trem):
- Quanto custa a passagem para Lisboa? – pergunto ao atendente.
- Não sei – responde o rapaz.
- Como assim? – pergunto eu.
- Quantas pessoas são? Qual o horário? – Me responde, perguntando inquieto.
- Mas o que o horário tem a ver?
- O senhor me diz o horário que digo qual comboio faz este trajeto. Sem isto não tenho como lhe dar o preço. – Simples assim.
No Brasil, o atendente responderia com os preços dos vários tipos de trens e o cliente perguntaria até chegar a resposta que deseja.

A partir de Coimbra, de trem ou ônibus, conhecemos Aveiro, Fátima e a cidade do Porto, que farão parte das narrativas próximas.

Para terminar, selecionei um texto de um poeta português:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos” (Fernando Pessoa).

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

NUDEZ DECOROSA

(Google Imagens)





Ainda morava em São Paulo, quando recebi o convite para passar o final de semana com Alfredo e Laura no sitio da família. Iriam reunir colegas para um bate-papo sobre experiências de consultório. Fomos em seis casais dos quais três levaram filhos adolescentes.
Éramos professores na mesma universidade e montávamos palestras para psicanalistas. Apesar do contato puramente profissional, falava do sítio e afirmava que “quando os quartos de hóspedes estiverem prontos, programarei um final de semana para conhecerem”.
O convite não poderia ter ocorrido em melhor hora. Zuleica e eu tínhamos o Felipe de apenas dois anos e precisávamos descansar após um ano cumprindo agenda superlotada, voltada basicamente a atendimentos sociais.
Localizadas no interior serrano do estado, as terras tinham acesso por meio de estrada de chão batido de cinco quilômetros. A casa fora construída no topo de um morro, com ampla varanda envidraçada e linda vista de uma lagoa artificial com lancha de passeio, piscina em forma de L, haras com cavalariças para muitos cavalos e, ao fundo, o sopé de um morro com mata nativa. Lembrar este cenário transmite sensação de tranquilidade, bem distante dos dias enlouquecedores na paulicéia.
Combináramos encontrar no posto da Polícia Rodoviária, de onde saímos em comitiva. Chegamos por volta de três da tarde e Alfredo esperava com uma jarra de suco de graviola bem gelado. Alegremente, indicou a área reservada ao estacionamento com sombra de um mangueiral.
Descemos a bagagem e fomos encaminhados aos aposentos para nos instalarmos. Após breves momentos de descanso nos dirigimos à varanda onde esperava o anfitrião, com o livro de sonhos de Freud embaixo do braço. Psicanalista como nós, certamente discutiríamos assuntos desta área de conhecimento.
Alguém perguntou pela esposa.
“Laura foi à vila”, respondeu alegremente com forte sotaque paulistano do interior. Permaneceu sentado em posição de yoga, as mãos apoiadas nos joelhos, dedos indicador e polegar fechados nas pontas, “daqui a pouco chegará”, completou a resposta.
Realmente correspondia a tudo que falara. O local era magnífico. Mais aconchegante do que imaginávamos.
Falávamos sobre as dificuldades com o próprio corpo. De como este desassossego interfere no social, causando sintomatologias diversas como sudorese, taquicardia ou até casos mais graves como fobias sociais e síndrome do pânico.
Ouvia os comentários mas me deliciava com a paisagem. Observava um cavalo Manga Larga que trotava em círculo, preso a um adestrador. A elegância e desprendimento do animal contrastavam com a conversa.
Ao longe, um carro levantava poeira densa na estrada de terra. Rapidamente se aproximou e percebi ser dirigido por uma mulher que estacionou na mesma sombra dos outros.
Desceu do carro e acompanhei-a, imaginado quem seria, até chegar a nós. Teria uns sessenta anos e demonstrava jovialidade. Quando a percebeu, Alfredo levantou e correu ao encontro. Trocaram algumas palavras, apanhou as sacolas de compras da mulher e vieram de mãos dadas até nós.
“Pessoal, esta é Laura.“ A mulher cumprimentou a todos com largo sorriso. “Muito prazer. Um beijo a todos.” Esbanjava simpatia e iniciou um movimento inesperado. Reclamando do calor exorbitante, retirou a roupa peça por peça, até ficar completamente nua a frente de todos. Os convidados se olhavam aturdidos. Zuleica olhou-me como a perguntar o que significava aquilo. A anfitriã já completamente nua, falava sobre a vila, a estrada. Perguntou pelo clima na capital. As pessoas pareciam congeladas.
Passados os primeiros momentos, Laura foi conquistando os presentes com a sua espontaneidade, o que contribuiu para a aceitação de sua iniciativa. Na verdade, ela estava acostumada a ficar nua em casa e, mais tarde, soubemos que assim agindo, demonstrava estar à vontade com os amigos do marido.
Após algum tempo pediu licença e saiu, voltando em seguida com um lenço amarrado na cintura. Os seios a mostra.
Laura transitou entre nós, sem roupas, com naturalidade, durante o final de semana até a despedida. No domingo, algumas das mulheres presentes, timidamente, ensaiaram top-less a beira da piscina. Reprimidas pelos olhares dos maridos, vestiram novamente as peças do biquíni. Alfredo manteve a sunga, mas demonstrou estar acostumado com o hábito da mulher.
Quando voltamos às considerações sobre o corpo, novas teorias se apresentaram. Uma das presentes acrescentou que a experiência de nudez vivida com naturalidade, não choca a sociedade e dita o comportamento do grupo.
Mesmo os que não adotaram o hábito, passaram por profunda transformação e abriram diferentes formas de lidar com a liberdade de escolhas e comportamentos.
Ao chegarmos de volta a São Paulo, Zuleica confessou que teve desejo de também tirar a roupa. E só não o fez por imaginar como me sentiria.
Nada lhe falei, mas também me senti atraído pela idéia e cheguei a pensar em falar-lhe. Liberá-la para que se assim o desejasse o fizesse sem culpa.
Mas...

sábado, 3 de setembro de 2011

A CULPA FOI DELE, SÓ DELE

(Foto: Google imagens)






Aquele quarto nunca me parecera tão grande. A cômoda, os armários com minhas roupas solitárias. Tudo me lembrava nossa convivência de trinta anos. Ao final do casamento, constatei que pouco o conhecia. Éramos estranhos. Fantasmas solitários dentro de casa. Para aplacar o distanciamento, buscava conforto com minha família. Consolavam-me dizendo “casamento é assim mesmo”.
Antes de conhecê-lo havia desistido de casar. Repensei a decisão por sua ousadia em perguntar se poderia sentar a meu lado no cinema. Após a sessão, saímos para jantar e ficamos até tarde. O teste final aconteceu ao apresentá-lo a minha irmã mais velha. O comentário fez a diferença, “fique com ele, tem emprego seguro, é atraente, será boa companhia e tua chance de ter filhos”. Nem perguntou se o amava. Sempre teve influência sobre mim e, por comodismo, entreguei-lhe as rédeas da vida. Anos mais tarde percebi que era invejosa e direcionou minha vida a lhe atender. Até hoje, qualquer coisa que faço, passa pela aprovação dela.
Agora vejo com clareza que seria impossível uma união longa entre eu e Afonso. Pensava apenas em engravidar. “A mulher deve ter filhos”, dizia mamãe. Aos poucos acostumei a seu jeito de ser. Do primeiro filho, por orientação de minha irmã, fiquei grávida no início do casamento. Estava em idade de risco para a primeira gestação. Percebi-o reticente, mas nem preocupei, “é a mulher que dá as cartas na espera do filho” dizia ela. Tivemos três.
Afonso e eu éramos felizes até surgir os problemas de coração e quase morrer. A partir daí, tornou-se outro homem. Um desconhecido. Como se eu fosse a causadora do problema de saúde. Repetia sempre “como tive outra chance, agora levarei minha vida”. Meu desejo era ele voltar ao que era. Certa vez falou em mudar de vida, se sentia insatisfeito com a relação. Ao comentar com a irmã, veio a solução “fique quieta, logo ele esquece, volta a fazer as coisas de sempre, nem lembra mais”.
Desconfiei que tivesse um caso. “Homem deve sofrer na mão da mulher”, garantia minha irmã, “fique tranquila que doente e velho ninguém quer.” Estranhei o conselho, mas segui a risca. Passei a ignorá-lo dentro de casa. Permanecemos assim por três anos, tempo suficiente para restabelecer do transplante de coração.
Nossos diálogos foram escasseando, mas nem imaginava separarmos. Ele gostava de sair mas raramente o fizemos. Detestava quando ficávamos a sós, sem assunto. Era conversador. Falava com garçons, o caixa ou mesmo com clientes de mesas vizinhas. Sempre tive dificuldade em fazer amizade.
Com a mudança de comportamento acreditei haver outra mulher. Certa vez, minha irmã lhe chamou atenção, criticando-o. Ele se fechou. Mais tarde, liguei os fatos e compreendi que perdera meu marido. Se nossa relação vinha ruim, o fato serviu para acabar definitivamente.
Depois da separação, uma colega aconselhou esquecê-lo. Pensar no saldo da relação, nos filhos por exemplo. Sugeriu que namorasse. Como me divertir sabendo estar com outra mulher? Teve várias enquanto vivia comigo. Era incorrigível!
Confesso que em nenhuma ocasião o peguei com outra. Sempre fez escondido. Para não ser visto, frequentava lugares públicos desacompanhado. Muito esperto!
Quando adoeceu, pensei haver chegado sua hora. Mas recuperou. Passou a sair só. Frequentar cinema. Chegar tarde. Trocar o horário do futebol. Assumiu de vez a vida mundana. Porque deixou de gostar de mim? Que foi que fiz? Onde errei? Minha irmã está certa: Afonso não tem coração.
Agora estou só. Onde estará minha irmã? Será que morreu? Os filhos casaram. Há quanto tempo estou no quarto? Chego a pensar que esta não é minha casa. Quando batem a porta só vejo velhos enrugados! Prefiro ficar só. Não tenho rugas. Onde está o armário? Quero trocar de roupa e trabalhar. Perderei a hora.
“Afonso! Cadê meus remédios?”


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A VIDA REAL E A ONÍRICA

(GOOGLE IMAGENS)




Ao completar seis anos formamos a imagem que nos acompanhará pelo resto da vida. Existimos a partir desta realidade. Quem sou? O nome, o comportamento, o pensamento, as decisões, a personalidade são consciências adquiridas como seres individuais e solitários naquela tenra idade.
A vida onírica segue outro caminho. Claro que existe lógica encadeada a cada sonho. Com simbologias diferentes, representam o que gostaríamos de ser, nossos medos, angústias, felicidades e prazeres. Enfim, o produto do inconsciente.
Um exemplo prático disto é Carmem cuja dinâmica de vida descrevo a seguir. Com casamento gratificante de quinze anos, dois filhos, acorda diariamente às oito horas e inicia a labuta doméstica. Classifica os afazeres de lavar e passar roupas, preparar refeições, lavar louças e preparar os filhos para a escola de “rotinas melancólicas e cansativas”. À noite, se apressa em servir o jantar à família. Antes de engolir a última garfada, dizendo-se sonolenta, recolhe-se ao quarto para dormir.
Carmem agiu assim por cerca de quinze anos. Os filhos cresceram com este comportamento da mãe, acostumados a suas ausências nas reuniões noturnas. Dormiam acalentados pelo pai, cada vez mais impaciente com este comportamento.
Seguidamente, Afonso, o marido, reclamava da esposa dormir cerca de doze horas por noite. Carmem ouvia as queixas em silêncio. Nada a faze mudar o hábito. Mas de tanto o companheiro insistir, ela acabou falando o verdadeiro motivo de se recolher tão cedo. Confessou que tinhas sonhos adoráveis. Sonhava com a infância, a casa acolhedora em que nascera, a vida de brincadeiras com os primos, com os tios. Eram tão agradáveis que acalentavam os dias maçantes que enfrentava. Durante o dia, devido ao trabalho extenuante e melancólico de dona de casa, não conseguia pensar em algo agradável. Seu prazer era noturno, pelos momentos de aninhar na cama, dormir e sonhar.
Os sonhos acrescentam fatos para compreensão e ajudam a chegar a uma vida saudável. São informações que afloram durante o sono. Aquilo que se encontra adormecido após fato relevante, mascarado por obstáculos, até se mostrar, compondo o cerne da questão principal. Podem ser reveladores de um estado de amargura, de angústia ou de alegria, resgatando lembranças do inconsciente.
Após conhecer a verdadeira motivação sobre o sono da mulher logo ao cair da noite, Afonso tornou-se intolerante. Exigiu que fizesse tratamento para “se curar”, taxando-a de “louca”. Orientada por uma amiga procurou ajuda. Com seis meses frequentando terapia, Carmem recebeu a informação de seu psicanalista de que não havia anormalidades em seu comportamento. Aconselhou-a a seguir o tratamento visando transferir o prazer e felicidade experimentados pelos sonhos. Trazê-los para a vida real da convivência familiar, certamente mais prazeroso do que apenas sonhar.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

TERMINOU A PENSÃO ALIMENTÍCIA. E AGORA?


(foto: google imagens)

O fim do prazo de pagamento da Pensão Alimentícia aos filhos de pais separados é sempre traumático. De um lado, os filhos consideram a PA como direito adquirido e reclamam ao se aproximar o fim. Em contrapartida, estão os pais, orgulhosos, acreditando no potencial de independência dos rebentos, principalmente se graduados.
O final do recolhimento acontece aos 21 anos ou aos 24 se o alimentado cursar faculdade. Satisfeitas as condições e concluído o curso superior, a Justiça entende que se criaram meios do alimentado concorrer no mercado de trabalho.
Há jovens que acham que o prazo poderia ser estendido. Sentem o poder aquisitivo cair e, como a única solução é encarar a adolescência perdida e suar a camisa trabalhando, clamam pela permanência do beneficio.
As alegações costumam ser as mais variadas. Falam até sobre “o que os amigos dirão se encostarem o carro e passarem a andar de ônibus?” Mas o cordão umbilical precisa ser cortado um dia. A hora pode ser esta.
Quem dá tudo aos filhos e esquece de dar a si mesmo, não garante que terá o amor deles. Pode até se tornar um joguete e criar manipuladores ambiciosos.
A pensão alimentícia é um valor estipulado pelo juiz, devido ao jovem para manter a subsistência digna e de acordo com as condições do pagador. Deve ser prestada pelo cônjuge que não pode mantê-lo sobre seu teto. Hoje, com a guarda compartilhada, as despesas podem até ser divididas entre as partes.
Alguns alimentados reclamam quando neste momento ainda estão fora do mercado de trabalho. O ideal é que planejem o ganho financeiro de forma a suprir logo ao término da PA. O estágio nos dois últimos anos do curso é boa solução e necessidade a ser levada em consideração.
Pais comprometidos com a educação passam mensagens otimistas após a finalização da obrigação legal. Entendem que terminada a fase da formação, os dependentes devem seguir sós na busca da independência. Acreditam na formação e na capacidade deles de serem absorvidos pelo mercado de trabalho.
Pelo contrário, aqueles que continuam a fornecer um valor mensal, na forma de mesada, passam a impressão de não acreditar no potencial do filho. Afirmam, com esta atitude, que nem mesmo a formação contribuiu para o rapaz seguir seu caminho. É como rotular o jovem adulto de incapaz de se assumir independente. Isto esmorece o adulto em formação logo no inicio da luta pela vida.
Aquele que preenche todas as necessidades dos filhos, tirando seus estímulos para o crescimento e luta, tira a capacidade de lidar com fracassos, contribui com a baixa auto-estima e sustenta o medo de correr riscos. Alimentando a timidez, fortalece a formação de jovens desanimados pela falsa impressão de poder ilimitado para concretizar sonhos e batalhar por conquistas.
As escolhas devem ser feitas por eles e não por pais superprotetores, que ao morrerem deixam filhos perdidos, sem ação sobre suas vidas.
A superproteção é a pior atitude de pais que querem a boa formação da personalidade dos filhos. Satisfazer todos os desejos bloqueia a capacidade de proteger-se, de suportar mau tempo e administrar decepções.
É o caminho certo para formar adultos ansiosos, emocionalmente flutuantes, autoritários e inseguros.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Missão Espinhosa

(Foto Google Imagens)

A morte prematura de Amy Winehouse, aos 27 anos, acende sinal de alerta e faz refletir sobre a missão do ser humano. Todos têm algo a realizar em diferentes fases da vida. O preparo muitas vezes pode ser árduo, mas necessário a execução.
A missão de Amy era encantar jovens com música, dizem alguns, mas também de ser exemplo do efeito devastador das drogas no organismo. Em 2007 o pai se despedira da filha, durante internação hospitalar por overdose. E declarações de médicos diziam que “se nada for feito a moça falecerá antes de completar 28 anos”. Precocemente, o organismo dava sinais de enfraquecimento frente ao uso abusivo. Mesmo assim ela compôs a música que pregava a não submissão ao tratamento da dependência. Deixar de tratar-se a levou à morte e serviu de exemplo a milhares de jovens defensores desta postura.
Existe uma ilusão de que as drogas contribuem para ampliar talentos, mas a Medicina tem dados concretos do contrário. Causa atrofia cerebral e há risco de desenvolver esquizofrenia. Sem tratamento, a dependência química provoca doenças e morte prematura.
Mas falava da missão na vida. Os contos de fadas descrevem histórias plenas de atrativos e peripécias dos personagens. São príncipes que enfrentam dragões, enquanto princesas sofrem à espera. O ocaso das missões acontece com “... e viveram felizes para sempre”. A união é o fim da missão? Em vários casos é o princípio.
Os povos orientais, sábios na questão existencial, cuidam com carinho dos idosos, pois é deles a origem do ensinamento. São transformados numa espécie de consultores e servem de exemplo.
Na mitologia existem várias histórias de jovens preparados para grandes lutas. Em uma delas fala do deus Osíris que, traído por Seth, seu irmão, foi morto e teve o trono roubado. Quando o filho único, Hórus alcançou a maioridade, Osíris retornou ao convívio dos vivos e orientou-o a lutar contra Seth e tomar o trono, seu de direito por herança genética. Osíris submeteu o filho a intenso, mas necessário treinamento.
Isto se chama “jornada do herói” completada no embate de Hórus com Seth. O cuidado em prepará-lo mostrou a Hórus que o pai ensinara o necessário em força física e destreza mental, para levá-lo a um final vitorioso. Foram oitenta anos de luta quando finalmente, com a vitória de Hórus, o trono lhe foi entregue. Ao vencer a batalha, reinaria com bondade e justiça. A batalha com vitória foi seguida por um reinado justo, outra missão de Hórus.
O final raramente coincide com a morte do herói.
Amy Winehouse, não fosse o cerco de pessoas que a jogavam em palcos sem condições de cantar, tinha muito a fazer. Submetida sem nenhum pudor a vexames que quase macularam a reputação artística, teve comprometida a saúde física e mental. E com a omissão de alguns e a ganância de outros, morreu precocemente.
Os pais devem agir nestas situações. A omissão pode ocasionar a falência do jovem num mundo que não foi preparado para enfrentar. E isto acontece a qualquer tempo, não com ajuda financeira, o menos importante como demonstrou o caso de Amy, mas com cuidados focados na saúde física e mental. O tratamento bem orientado é a única saída nestes casos.
Com tudo que passou a cantora ainda deixou boa parte da missão cumprida. Para os jovens, o legado musical e os efeitos maléficos das drogas. Aos pais, o alerta de que o sucesso é sujeito ao assédio criminoso.
Que o dia dos pais seja de festa para todos. A vitória do amor, do afeto e da harmonia.

domingo, 24 de julho de 2011

LOS PESCADORES DE LA VILLA NUEVA

foto 1 - Marco arquivo pessoal)
Quando viajei a Porto Alegre em maio deste ano, pressenti como seria o inverno de 2011. E confesso que frio não é minha praia. Quem gosta é turista. Por ter laços familiares, frequento a capital gaúcha mês sim, mês não, exceto no inverno. Pulo junho, julho e agosto. Em maio, o frio nem foi estas coisas, mas liguei a velha estufa da casa da mãe.
O melhor aquecimento vem do convívio com amigos em Porto Alegre. “E amigos de meus amigos são também amigos”. Constatei isto com Jorge, cuja amizade remonta aos tempos de infância. Vez por outra passamos meses sem conversar e no reencontro, iniciamos do ponto que parou. Amizade é isto, saber puxar o assunto que interessa ao outro. Perdemos contato, com minha mudança para Brasília. Anos depois o reencontro aconteceu graças a internet. Hoje em Porto Alegre, encontro o grupo do Jorge, Arturzinho, Chicão, judeuzinho e as duas Reginas.
Outro grupo Jorge queria me apresentar. Falava deles com amizade “são os pescadores da Vila Nova. Quando não planejam pescarias a Argentina, fazem churrascadas na casa do Laerte toda quarta-feira.” Apesar da curiosidade, faltava-me tempo. As idas a Porto Alegre são rápidas e plenas de compromissos.
Em dezoito de maio, a oportunidade chegou. Na hora combinada, Jorge e o filho Ivan, chegaram à porta de minha casa. Peguei casaco pesado esperando a friagem.
Por volta das sete entramos no estacionamento do sítio. Laerte preparava a churrascada. Ficamos bebericando um delicioso vinho artesanal enquanto o grupo chegava e as apresentações aconteciam. Receberam-me como se fosse integrado ao grupo há anos. A condição de morador de Brasília não foi poupada. Perguntaram se eu era deputado.

El extraño en la casa a su llegada es recibido con un asado gaucho y la amistad.

A casa do Velho Laerte, como o chamam, tem a cara do dono. Os convidados são recebidos num galpão com pé direito de cerca de três metros. Ao fundo, a churrasqueira estrategicamente na ponta mais estreita, com visibilidade de todo o ambiente, dando a Laerte a posição de timoneiro. Pela cor escura dos tijolos bem curtidos, a carne não pára de assar ali há muitos anos. Faz questão de pilotar a churrasqueira, preparar a carne, espetar, assar e, como manda a tradição gaúcha, servir a todos. “O açougueiro escolhe a melhor carne, separa e eu busco nas quartas-feiras” vangloria Laerte no alto dos 78 anos.

Ao centro, a mesa para cerca de vinte pessoas revela que o Velho gosta de receber. Na lateral, enorme e rústica estante, onde mantém objetos curiosos. Cada um com sua história.

Pacientemente, Laerte guarda aquilo que representou algo em sua vida. Predominam estatuetas de cavalos, aviões de aeromodelismo, fotos de aventuras, entalhes em madeira, livros, coleção da Delta Larousse, da Barsa, machadinha medieval, carrinhos em madeira, frascos diversos com ou sem líquidos. Sobram inutilidades como aparelhos elétricos, torradeira, forninho elétrico e televisor fora de uso. Todos com desculpas para estar ali, “um dia servirão para alguma coisa”.

Objetos que representan a un hombre salva a su historia de vida.

Saí para conhecer o quintal, que não é grande, mas muito charmoso. Um riacho ao fundo, com uma pequena ponte apresenta aos visitantes ares de casario europeu.
Quando retornei ao galpão, o churrasco era servido e a alegria imperava ao redor da mesa. Laerte fazia questão de levar carne aos convidados com carinho fraterno.

El viejo quiere inmortalizar los grandes momentos.

Sobre o grupo reunido, faço algumas observações, retiradas da visão do Jorge, que os conhece há mais tempo. A descrição foi baseada na foto 1 do grupo, da esquerda para a direita. Começa pelo uruguaio Gustavo, excelente cavaleiro e professor de equitação. Na pescaria é considerado principiante. É candidato, assim como eu, a frequentar os rios argentinos.
De boné azul, Capitão Carlos, filho do Laerte, o Milico, advogado, dono do ônibus que transporta os pescadores. O seguinte é Marco Aurélio, primo do Jorge, aposentado da Receita Federal, tem 71 anos “de luz negra”, como diz Jorge. Este é dos mais animados. Ao fundo, o Iloni, mais conhecido como Capivara ou simplesmente Capi. Sobre quem se conta a seguinte história acontecida num hotel da Argentina. Todos tomavam o café da manhã, quando Capi chama a garçonete e proclama “Yo quiero más queso” A moça respondeu prontamente, “Usted quieres es mantequilla, porque no hay queso”. Capivari nunca mais se viu livre das brincadeiras em cima deste mico portenho. Mas garante que leva na esportiva, como bom pescador.
De costas na foto, Édio, que trabalha numa loja de autopeças e está sempre de bom humor, um grande contador de histórias. Nunca foi visto carrancudo.
O próximo é Zezinho, que trabalha para o Milico, na chácara do Laerte. Já participou de algumas pescarias com a turma. Depois, Marco que participou de duas pescarias, seguido por Artur, advogado, considerado bom parceiro.
Logo após o Jorge, entusiasta destas amizades que cultiva desde menino. Considera Laerte seu segundo pai. Ao lado o filho Ivan, que apesar de freqüentar o grupo e comer churras, está em treinamento para se tornar pescador.
Na sequência, Marcão, engenheiro do DMAE, “ótimo pescador”, de acordo com o Jorge. A seguir Élder, o Bistrica, o maior contador de piadas da turma. Goza a cara de todo aquele que paga mico e, juntamente com Milico, campeão de idas a Argentina.
Por último o Vitalino, aposentado da CRT prestativo e baita parceiro. Dele contam um episódio que virou marca registrada. “Certa vez estávamos chegando a Corrientes, e Vitalino chamou a atenção para a baita cancha reta que surgia a esquerda. Todos olharam e a gargalhada foi geral. Era a pista de pouso do Aeroporto de Corrrientes. Ele envaretou. Mas bom cabrito não berra.” Vitalino disfarça toda vez que citam o mico nas reuniões. Pois confundir pista de corrida de cavalos com aeroporto...

Onze horas e a reunião perdeu força, afinal a maioria trabalhava no dia seguinte. Por mim varava a noite, afinal estava a passeio e queria ouvir as histórias. Saímos todos ao mesmo tempo, eles com a certeza do reencontro na próxima quarta-feira, eu, com convicção de que aumentei meu círculo de amizades. Unidos pela afeição, este grupo encontra tempo para curtir a amizade, num mundo cada vez mais individualista e solitário.

“Y ahora tengo la convicción de que amigos de mis amigos también son mis amigos.”

domingo, 17 de julho de 2011

ARRAIÁ DO ZÉ

(foto da festa)



Cheguei a Brasília, vindo de Porto Alegre em 1974 aos 24 anos, recém formado na faculdade de Engenharia de Porto Alegre. Nove e meia da noite do dia 03 de janeiro. O primeiro registro desta chegada à capital foi a Torre de TV da Esplanada dos Ministérios que, iluminada para o Natal, ostentava lâmpadas vistas a quilômetros de distância. Depois descobri que desta torre, partiam todas as transmissões de estações de TV e algumas de rádio da cidade.
Fora contratado para coordenar a montagem dos transmissores de alta potência da Rádio Nacional, no Parque do Rodiador, perto de Sobradinho. A noite se avistava o belíssimo colorido das luzes do Plano Piloto, ainda em construção. Durante o dia, o poeirão.
O Presidente Médici inaugurou o projeto dos transmissores em 31 de março. No dia seguinte, passou o cargo da República ao General Geisel que, numa das primeiras decisões de governo, enxugou o quadro de pessoal da rádio. Fiquei desempregado. Mas a capital oferecia enorme quantidade de mão de obra e fui admitido no Ministério das Comunicações.
No Minicom, formei o primeiro círculo de amizades. Éramos jovens na faixa dos vinte anos com filhos ainda pequenos.
Naqueles tempos a capital carecia de divertimentos e a recreação deveria ser programada por nós mesmos. Churrascos, festas de aniversários, piquenique as margens das cachoeiras da região, além de torneios de xadrez, cartas e damas.
Hoje muitos são avós de cabelos grisalhos que mesmo assim programam encontros. Basta dar a idéia que os amigos se alvoroçam.
Há dois anos, Moacir e Mali, reuniram em seu lindo e confortável sítio. Lá estavam o Marinho, o Gelson, o Paulo, eu e outros tantos.
Paulo é outro festeiro. Em 2010 comemorou seu aniversário num barco que navegou suavemente pelo lago Paranoá onde juntou cerca de 50 amigos que se divertiram ao som de um DJ.
Em 09 de julho passado, o convite partiu de Marisa e Zé Ricardo. Aconteceu uma festa de São João na casa de final de semana no condomínio RK, perto de Sobradinho. Era para eu comparecer pilchado com vestes de gaúcho, mas não o fiz. As botas se perderam no tempo e a bombacha ostentava cheiro de mofo. Nem por isso deixei de ir. De chapéu preto, aba dura e barbicacho, típico da região sulista.
Lá estavam Augusto e Bira, com as respectivas esposas, amigos dos filhos dos donos da casa que enfeitaram com juventude e eu com a namorada Maria Lúcia. Lamento apenas que muitos amigos convidados não compareceram. Estão esmorecendo. O frio os espanta das noites, impelindo a ficar em casa vendo novelas.
O forró estava solto e Marisa anunciou que haveria quadrilha. Fiquei animado. Mas para minha decepção, não aconteceu. Fiquei na saudade.
A comida estava farta e os convidados levaram pratos típicos. Foi um manancial de amendoins, bolos, cachorro quente, vatapá, empadão goiano, canjica, quentão, e tudo o mais que embala boa festa de São João.
Marisa lembrou as fanfarras promovidas pelos anos 80 em minha chácara no Vale das Andorinhas. Por ser distante, quem pensava em permanecer, levava rede e estendia na sala ou varanda. Dormia ao som do sanfoneiro que de tão bêbado tocava três notas numa gaita de sete baixos, por horas a fio.
No segundo andar da casa, Zé Ricardo construiu um varandão de onde tem belíssima vista da cidade de Sobradinho. Nas noites quentes de verão, ele e Marisa sentam e passam a limpo suas vidas. São quase 40 anos de casados.
Zé Ricardo gosta de fazer pizzas no forno a lenha. Prometeu que na próxima fornada chamará a todos novamente. Estou preparado.
Ao final da festa, avistei um rosto familiar. Estava de saída e nos olhamos desconfiados, procurando traços que indicassem algo. Era o Alexandre. Com dezoito quilos mais “forte” e eu dez, os atletas da juventude ficaram para trás.
Ao final, tive a convicção que encontrar amigos é uma forma de nos ver por outro ângulo. São donos de parte da memória e ajudam a reviver acontecimentos esquecidos.
Encontrar amigos é saber que com eles sou feliz em ser eu mesmo.

sábado, 2 de julho de 2011

AVÔ PATERNO

(foto: Marco)


A última imagem de meu avô Alcino com saúde, contava quatorze anos. Ele estava de pijama na varanda da casa em frente ao Colégio Infante Don Henrique em Porto Alegre onde eu estudava. Diariamente, no recreio, deixava os colegas brincando no pátio e corria a visitá-lo. Nunca vira adultos de pijamas na rua. Ele os usava. Reconheço que faltava intimidade entre nós. Pudera, quando meus avós separaram era menino e perdemos nosso convívio.
Não recordo como descobri que morava em frente a escola. A partir daí passei a freqüentar a casa, ou melhor, a escada da varanda. Nunca entrei na residência.
Tinha um porte altivo, austero e sério. Profundas rugas marcavam a testa e o queixo proeminente, era rígido. Ao sorrir era franco e doce. A voz mansa, serena e rouca pelo uso de cigarro sem filtro.
Sentia-me orgulhoso de ter avô perto da escola. Dava-me vantagens em relação aos amigos. Uma delas é que a mulher com a qual vivia fazia biscoitinhos e bolos para eu provar.
Meu avô foi um homem inteligente. Militar reformado prematuramente por problemas de coração, certa vez mostrou-me um álbum com fotos antigas da carreira e poemas que escrevia. Extremamente sensível, escrevia poesias a companheira. Deixava-a mimada e amorosa. Antes dela, teve cinco amores. A todas amou e curtiu no devido tempo. A todas paparicou, rimou, dançou, musicou e cantou em prosa e verso. Apaixonado pela vida, permanecia na relação enquanto o amor aquecido. Quando insatisfeito primeiro adquiria um ar distante e depois arrumava a mala de couro e saia atrás de novos rumos.
Era inexperiente para entender meu avô. Crianças custam a entender os velhos. Guardava apenas o que dele diziam e o conhecia por imagens e descrições nem sempre fiéis.
Quando morava na rua Cristóvão Colombo no centro de Porto Alegre com minha avó, costumava chegar do quartel fardado com o pão embaixo do braço. Ao entrar, fingia tropeçar e jogava o pão para o alto. Minha avó, sabedora da brincadeira, pegava-o no ar e fingia zangar. Custei a acreditar que as brincadeiras eram sob efeito de álcool consumido antes de chegar em casa. Um dia arrumou as roupas na pequena mala e mudou de residência. Assim tomei conhecimento da primeira separação de casais. Muitas outras testemunharia, mas era cedo para saber.
Após a separação, o pai e meus tios nunca mais o procuraram. Julgavam inadmissível o “abandono” a vó. Filhos não aceitam a separação dos pais. Querem-nos juntos independente de estarem felizes. Não falo de pais que abandonam a mulher e os filhos a própria sorte e sim de homens e mulheres que buscam satisfação em outras relações.
Eu ficava na varanda, meu avô dentro de casa. Nos olhávamos tímidos. Examináva-nos. O velho querendo perguntar, com receio do neto desconhecido. O neto temeroso de ofender o velho circunspecto. Tínhamos receio um do outro. Éramos estranhos, apesar do mesmo sangue. Nosso silêncio falava tudo. Nos fazia cúmplices. Sabíamos quase nada, o que não era importante. Ele silenciava a perscrutar o futuro da descendência. Eu tentava enquadrá-lo na imagem dos relatos. Poucas palavras cheias de significados.
Com o tempo, fomos rareando os encontros. Eu preocupado com a juventude e estudos e ele com a velhice e reflexões. Vez por outra, abanava ao avistá-lo na janela. Com a visão fraca, não me distinguia dos outros.
Algumas ocasiões, a janela permanecia fechada até que não mais abriu.
Passaram alguns anos e certa vez mãe me chamou para o visitarmos no hospital. Arfava buscando ar em cima da cama de lençóis brancos. Ao nos ver impacientou-se, queria falar, a máscara de oxigênio tapava a boca. O fumo fizera o estrago necessário para levá-lo.
Desconheci o avô em cima da cama com lençóis brancos. A mulher o acompanhava. Meu pai fora avisado, mas morava no interior e não pode chegar em tempo. Meus tios eram indiferentes. Alcino jazia na maca, num mundo que rotula, julga e condena. O homem forte, o brincalhão que jogava o pão para o alto, jazia desamparado no leito. Sucumbira a noticia da morte de minha vó. Os filhos não o avisaram. Descobri que desgosto mata.
As gerações se sucedem e hoje entendo a imagem cunhada e deturpada com a ótica da injustiça.
Fiquei com sua herança. Cadernos de poesias, anotações diversas e alguns objetos pessoais. E cartas, muitas. A mala encardida usada pela vida afora carregada de esperanças, descartei.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

BEBEU, CAIU, NÃO LEVANTOU


Foto após acidente de trânsito onde um motorista bêbado atingiu um caminhão, matando a esposa e a filha (cortesia do Dr. Heitor Carvalho ao site do hepcentro)










O consumo de bebida alcoólica possibilita a falsa coragem de enfrentar situações difíceis e aliviar tensões diárias. Por outro lado, representa flagelo social digno de debate público. A influência nos acidentes de trânsito, dos quais faz parte em 60% dos casos é o maior exemplo disto. Mesmo assim este efeito catastrófico é banalizado. A lei do bafômetro, mal entrou em operação e foi esvaziada, “ninguém é obrigado a gerar prova contra si mesmo”. Pronto, o bafômetro virou peça de museu. Não há motorista que aceite fazer o teste. E lei que obrigue a assoprar no aparelho, o congresso nem pensa em elaborar.
Segundo definição do Dr. Stéfano Gonçalves Jorge, no site http://www.hepcentro.com.br/alcoolismo.htm “Considera-se abuso do álcool quando uma pessoa utiliza, mesmo que não constantemente, álcool em quantidade suficiente para causar problemas de saúde ou de outra espécie, como brigas e acidentes automobilísticos. Mesmo sem ser dependente do álcool, uma pessoa que utiliza o álcool sem moderação pode ter complicações tão ou mais sérias que os alcoólatras.”
Quem perdeu parente próximo em acidente provocado pelo uso indiscriminado de bebida alcoólica sabe o que isto significa. Todos os dias, com grande incidência nos feriados prolongados morrem mais pessoas em acidentes de trânsito, do que em atentados terroristas no Oriente Médio. É espantoso.
No entanto se torna importante separar dois tipos de motoristas que dirigem embriagados. Os que têm o álcool como vício, os alcoólatras, daqueles bebedores eventuais. Os últimos, quando causam acidentes, deveriam receber punições pesadas, inclusive as consequências previstas no Código Civil. Diferentemente, os alcoólatras devem ter tratamento de doentes. Tal como os usuários de drogas, são problemas de saúde pública e precisam ser internados em clínicas de reabilitação. Os médicos especializados devem participar disto e prescrever o período necessário para livrá-los do vício e reinseri-los na sociedade. Por sua vez, a carteira de motorista só será devolvida, após demonstração efetiva de reabilitação. No caso de reincidência, nova internação deve ser prevista e a habilitação retida desta vez por mais tempo. Um motorista alcoolizado, seja deputado, senador ou pedreiro, é sempre um risco social. O carro é uma arma mortal.
Mas como diferenciar os dois motoristas? Segundo o site do doutor Stéfano, “Para definir uma pessoa como alcoólatra é mais significativo analisar o impacto do álcool na sua vida e se já tentou parar e não conseguiu.” Então, imagino ser mais fácil do que se pensa. Neste caso, os parentes têm participação direta e sabem quando o familiar causa risco de vida a si ou a outros. Afastá-lo da direção de veículos quando sob efeito do álcool, é obrigação. Na verdade, todo cidadão deve participar informando aos serviços de trânsito sobre a desconfiança de alguém dirigir embriagado. Ao internar o motorista doente para tratamento, estará salvando a vida dele e do próximo.
O trabalho deve ser conjunto entre a família, o Estado e até os fabricantes de bebidas alcoólicas. Estes devem ser chamados a participar efetivamente nos tratamentos dos doentes, financiando clínicas de recuperação. A venda livre do álcool, droga lícita, dá muita vantagem financeira. Quanto ao Poder Público, que legisle pensando na segurança e participação de todos.
O povo que faça sua parte. Há longo caminho a percorrer. Comece já.

domingo, 19 de junho de 2011

REAL OU IMAGINÁRIO?

(foto Google imagens)

Histórias das mil e uma noites sempre fascinaram a humanidade. Quando as leio, tiro lições e procuro trazer o entendimento à vida real. Particularmente tenho predileções e separei a que julgo mais interessante pela atualidade. Após a narrativa, farei considerações a respeito. Há muitas versões e interpretações, mas a essência é fiel.
Conta a lenda que Sirin e Hüsrev eram filhos de nobres. Sirin uma formosa princesa e Hüsrev um garboso e valente príncipe. Os pais, movidos pela cobiça de somar fortunas fabulosas queriam o casamento. Ao mesmo tempo, montaram estratégia a fim de garantir o amor sincero entre os jovens. O pai do rapaz confeccionou um quadro do filho e ofertou a família da moça que o colocou nos jardins do palácio. A cada passeio de Sirin, era possível visualizar a imagem do rapaz, belo e elegante. Por sua vez, para impressionar o filho do amigo, o pai da jovem, traçou um plano diferente. Contratou um experimentado narrador para observar Sirin. Após gravar as características, deveria descrevê-la de forma a inspirar desejo ao rapaz. Isto feito, em pouco tempo estavam perdidamente apaixonados. A moça pela pintura e o jovem pela narrativa.
Ao completarem a maioridade, só pensavam em conhecer seus amores, que viviam em reinos diferentes. No dia combinado entre os pais nobres formaram-se as comitivas e partiram a procura do amor. Após um dia de viagem, ao final da tarde, chegaram quase juntos a um córrego para passar a noite. A princesa aproveitou para banhar-se. O príncipe, com sede e empoeirado, aproveitou a parada para tomar água no rio. Enquanto saciava a sede, avistou a linda princesa. Ficou impressionado. “Seria a princesa de meus sonhos?” pensou. Da mesma forma, diante do príncipe, a moça teve a sensação de estar diante da pintura que avistara nos jardins. Mas considerou: “Não pode ser, está sem o manto vermelho!”. Despistou os devaneios, colocou a roupa e recolheu-se a barraca para descansar.
No dia seguinte as comitivas seguem viagem com os príncipes sonhadores.
A história é conduzida e bem narrada oscilando entre a fantasia e a realidade. Apesar de cruzarem os mesmos caminhos, não se reconheceram.
Bem atual, a narrativa faz refletir sobre a internet e os chats de relacionamento. Após longas horas de conversa, onde sobram descrições fantasiosas e troca de fotografias manipuladas, os internautas marcam encontros e se mostram frustrados ao avistarem os companheiros de teclado. Frente a frente deixam de representar modelos da imaginação e se transformam em pessoas reais. E o que é mais importante?
O mesmo ocorre ao expectador. Ao assistir o filme, quem melhor impressiona, o personagem ou o próprio ator? A dúvida o deixa confuso. Balança entre o real e a fantasia. Experimenta a sensação de perda frente a realidade.
Cada um tem a resposta a esta questão.
O mundo virtual pode ser armadilha. A realidade, também.