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domingo, 23 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL - FINAL

Shopping COLOMBO-Lisboa (arquivo pessoal)


Tudo que começa, termina e assim acabou a aventura de visitar Portugal, conhecer a estrutura de transportes, os pratos saborosos, os vinhos, as maneirices dos habitantes e os turistas. Encontramos gente de todas as partes do mundo que visitavam o país, de gente hospitaleira e forma peculiar de ser e falar. E conhecemos muitos brasileiros que por motivo ou outro trocaram o país natal para residir na Europa.
Ani (Daniani), paulista com cerca de 30 anos, estava na fila quando Malu e eu comprávamos passagens para retornar a Lisboa. Iria também. O tempo era curto e o balconista aconselhou tomar taxi para, na estação Coimbra-2, embarcar no trem - bala rumo a capital, nosso último destino no país. Ao ver dois conterrâneos atrapalhados, Ani propôs rachar o taxi, solução bem brasileira para economizar a corrida.
Natural de São Paulo, moradora da Áustria, a moça participara do Congresso de saúde do qual Malu fez a conferência em Coimbra. Por curiosidade perguntei como foi parar no país tão distante, de língua difícil como o alemão. Ani disse que foi mistura, “coisas do coração com destino.” E contou. Morava em São Paulo, cursava enfermagem e vivia com os pais que certo dia ofereceram a residência para intercâmbio. Abriram possibilidade a um estudante estrangeiro residir no Brasil enquanto cursasse universidade paulista. Assim, chegou à casa um jovem engenheiro civil austríaco para residir durante o mestrado. Foi amor a primeira vista. Ao retornar, deixou o coração no Brasil, bem cuidado por Ani. Como a longa distância tornara-se um martírio, casaram-se e foram para a Áustria.
Se correrias para identificar vagão de trem e embarcar é angustiante, imaginem somado a malas, mochilas e sacolas. Pois Ani ajudou acomodar tudo no maleiro e a nós, nas poltronas. A ajuda foi importante e aliviou o estresse estampado nos rostos devido a bagagem, a trens velozes, e embarques nos labirintos das estações. Ajudou inclusive o desembarque em Lisboa. E mais, nos convidou para visitar a Áustria. Espero que leia este texto e envie e-mail para contato.
Almoçamos carregados com malas e demais apetrechos no shopping Vasco da Gama, as margens do rio Tejo acompanhados por gaivotas que brincavam de escorregar no telhado de vidro do restaurante. Fomos servidos por jovem paranaense, casada com catarinense. Há muitos brasileiros em Portugal, oh, raios!
No caminho para o hotel, o taxista desfiou um rosário de queixas. Falou do limite de produção do país ditado pela Comunidade Econômica Européia; de Portugal ter de comprar tudo de fora; que as companhias de obras de rua fazem buracos no asfalto e depois os fecham com preguiça. E enalteceu o Brasil falando ser auto-sustentável, desde o petróleo até aço, ferro, comida. A conclusão da conversa é que o país do vizinho é sempre melhor que o da gente.
Chegando ao hotel, contratei empresa de turismo para os passeios por Lisboa no dia seguinte e fomos para o metrô. Descemos no Shopping Colombo, vizinho ao colossal estádio do Benfica. Imaginei a região em dia de clássico.
Às vésperas do retorno ao Brasil, passeamos em ônibus de excursão, explorado por uma das duas únicas empresas prestadoras do serviço na capital portuguesa. Parece até monopólio, mas achei o preço de 30 euros por pessoa, justo, pois inclui passeios durante 24 horas a passageiros que podem descer e tomar os ônibus em qualquer ponto. Inclui ainda as linhas em operação na cidade com os mesmos passes.
Conhecemos monumentos históricos como o forte de Belém, o Museu Arqueológico, o Mosteiro de São Jerônimo e os monumentos erguidos aos grandes descobridores. Portugueses homenageados no país com enormes estátuas como Vasco da Gama, Infante Dom Henrique, Cristóvão Colombo e por aí vai.
No centro de Lisboa, o almoço constou de sardinhas fritas e a digestão aconteceu caminhando entre monumentos e demonstrações de artistas que imitavam estátuas vivas, como o soldado armado, o cavaleiro sedutor e o recordista do Guiness Boock que se equilibrava no ar. Procurei a explicação e um garçom de restaurante que ali permanecia desde cedo, desmistificou o equilibrista. Confidenciou que havia armação de ferro muito bem elaborada a segurá-lo.
Portugal estava desvendado. Visitá-lo em outra ocasião estará sempre nos planos. Malu e eu voltamos exauridos de cansaço, mas satisfeitos em praticar turismo por conta própria, permanecendo sem atropelos o tempo necessário em cada local visitado. Portugal é matriz da história brasileira. Queiramos ou não estamos atrelados àquele país.
Como diz um amigo meu, “viaje com alguém e descobrirá os defeitos e virtudes da pessoa”. Pois Malu e eu fizemos bom par. Toda programação foi executada a dois, sem que pesasse para nenhum em particular. A relação de viagem a tornou uma aventura instigante, exploratória e econômica em todos os sentidos.
Para os viajantes os votos de que o (a) parceiro (a) ou companheiro (a), também goste e tenha bom humor para enfrentar situações por vezes muito adversas.
Aos leitores e amigos que acompanharam as peripécias, resumidas em cinco partes, agradeço e espero continuar recebendo suas visitas ao blog, acompanhando as publicações semanais.

sábado, 15 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – QUARTA PARTE

(Pontes de Porto - arquivo pessoal)

Há quatro dias em Portugal, após visitar Coimbra, Fátima e Aveiro, a cidade do Porto intensificou a percepção das semelhanças existentes entre aquele país e o Brasil. Descendo as ladeiras rumo à cidade baixa, em meio a ruelas estreitas, entre moradias, observava as roupas penduradas nos varais em frente aos sobrados. No centro histórico de Salvador, pude observar este mesmo quadro. Peguei-me inúmeras vezes a racionalizar que estava fora do Brasil. A semelhança entre cidades dos dois países, iniciou-se em Coimbra, onde lembrei Porto Alegre, meu torrão natal, construída em 1772 por casais portugueses açorianos. A partir daí, passei a reconhecer ruas semelhantes à Rua da Praia. Malu comentou só agora entender o costume brasileiro de colocar pedras portuguesas nas ruas. Na livraria Lello encontrou livros que exibem a graça dos desenhos nas calçadas. Lá como cá e por influência destes colonizadores, as calçadas causam impacto pela beleza.
Cheguei a pensar que perderia a oportunidade de conhecer Porto, última cidade a visitar antes do retorno a Lisboa. O dia amanheceu com nuvens escuras prenunciando aguaceiro. A temperatura de treze graus também não ajudava, e despertamos em torno de nove horas. Mas Malu e eu estávamos decididos. Após o desjejum reforçado no hotel, compramos duas mochilas para melhor acomodar os pertences de mão e tomamos o trem bala. Em uma hora estávamos em Porto.
Ao chegar à cidade o dia frio e a chuva fina pareciam atrapalhar os planos.
Li que o melhor acesso ao centro era o metrô, o mais moderno do país. Seguimos para a estação, onde um jovem brasileiro de Governador Valadares, morador de Portugal, indicou onde comprar passagem. Só faltava encontrar o embarque no labirinto da estação da segunda cidade de Portugal e entender onde desembarcar. Buscava a rua Santa Catarina.
Malu resolveu abordar uma senhora de uns setenta anos, dona Dinamérica. Esta senhora, acompanhada da irmã, explicou que deveríamos descer na estação Bolhões, mesmo caminho delas, bastava segui-las. O cuidado dela se manifestava a todo momento ao olhar para trás, certificando-se que a seguíamos. Além de indicar a estação, desceu conosco, alegando que compraria crédito para o telemóvel, denominação do celular.
A rua Santa Catarina é extensa e após caminhar algumas quadras, procuramos local onde almoçar. Ao perceber o shopping Via Catarina, reconheci o lugar ideal para refeição rápida. Seguimos à praça da alimentação, igual às outras do mundo. A diferença entre as lojas que conhecemos, são as grifes, marcas européias afastadas do Brasil pela arraigada cultura às novidades americanas. O almoço no restaurante da venezuelana Guadalupe foi o tradicional e conhecido frango com salada pois confesso que Malu e eu não tivemos coragem de comer Tripas à Moda do Porto, prato típico da cidade, indicado pela gerente do hotel. Quem sabe da próxima vez, experimentamos. A dona, sempre com bom humor, ao ver o garçom dançar fado em meio às mesas, disse adorar o povo português, “pela gaiatice e sorriso fácil.”
À tarde dedicamos visita aos monumentos, igrejas, museus e, como não poderia deixar de ser, a livraria Lello, local ímpar pela arquitetura e cuidado na conservação de obras históricas. No passeio por entre as estantes percebi a fama da casa. Folheei livros das conquistas portuguesas e conheci parte das orientações dadas aos navegadores, incluindo Cabral ao partir para conquistar terras brasileiras. Mas o tempo era curto e logo saímos. Malu pagou os livros em euros, a livraria não recebe cheques nem de Portugal, não aceita cartão e não emite nota fiscal, nem recibo de vendas. Senti-me em casa.
A cidade do Porto é banhada pelo Rio Douro, que abriga inúmeras pontes e um teleférico e é por isto conhecida como Cidade das Pontes, cada qual mais bonita. Uma delas possibilita a entrada e saída dos trens à cidade, a grande altura.
Para chegar à margem do Rio Douro seguimos um caminho em ziguezague de ruas estreitas e prédios antigos que lembram as favelas do Rio de Janeiro. Roupas estendidas nos varais das janelas e prédios coloridos emprestam um aspecto mundano e ao mesmo tempo cultural. A região é tombada pela UNESCO e mostra a preocupação pela memória da primeira capital de Portugal e ponto de partida dos grandes navegadores. O povo se orgulha de Infante Don Henrique, um dos filhos mais ilustres.
Ao avistarmos o Rio Douro, lembrei de Porto Alegre e fiquei pensando na nostalgia que os fundadores açorianos experimentaram quando, as margens do rio Guaíba, fixaram a pedra fundamental da capital. Penso que olhar o rio gaúcho, os remetia ao distante quinhão natal, hoje distante nove horas de avião, na época, quarenta e cinco dias em caravelas. Realmente estafante, mas melhor espaço do que entre os bancos da classe econômica.
Malu e eu margeamos o Rio Douro e avistamos um prédio monumental do outro lado, no topo do morro. De construção antiga numa das pontas e na continuidade com muros altos, que não pareciam da mesma obra. Aguçou a curiosidade e aproximei de dois portugueses que discutiam em altos brados defendendo os times do coração. Antes que pudessem reclamar da intromissão, tasquei a pergunta sobre os prédios. Um deles me olhou vermelho, irado da discussão e mirando nos meus olhos, de frente para o antagonista, falou, “aquilo é o Mosteiro da Serra do Pilar, oh! raios”. Ainda insatisfeito, perguntei, “e os muros altos?” e a resposta “um quartel”. Pronto, estava respondido, agradeci e complementei “podem continuar a discussão”. Não testemunhei, mas percebi que a pergunta não aplacou a contenda.
Sair da cidade baixa para a alta foi penoso, estávamos exaustos de caminhar e a subida íngreme, obrigou descansar diversas vezes. Numa das paradas entrei num café e tomei um espresso. Aproveitamos para refletir sobre a angústia de estar longe da terra natal e como afeta pessoas em turismo solitário. Pior quando em país de língua diferente.
Neste dia descobri que azeite de oliva português é forte mesmo. Bom remédio para prisão de ventre.
Talvez o retorno da viagem tenha sido o mais tranquilo do período turístico em Portugal. O cansaço nos prostrou na poltrona do trem-bala e dormirmos ao chacoalhar da carruagem.
Na estação Coimbra – 2, local de baldeação obrigatória entre comboios, embalados pelos acontecimentos de cada dia, cantarolei uma valsa e Malu e eu dançamos assistidos por passageiros curiosos que talvez pensassem “de onde será o casal?”.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – TERCEIRA PARTE

(arquivo pessoal)


Conhecer Aveiro foi uma aventura a parte. A cidade tem charme e não é a toa que é conhecida como “A Veneza Portuguesa”. Isto porque, a partir de um centro geométrico, é cortada por canais navegáveis que deságuam no mar.
Um passeio ao estrangeiro inclui a convivência com o povo, conhecer costumes e saborear os pratos de cada lugar. Procuro assim, narrar em detalhes acontecimentos que culminaram com mais esta aventura portuguesa. O projeto era conhecer a cidade, passeando de barco.
Na estação Coimbra-2, onde comprei as passagens para Aveiro, Malu perguntou pelos pontos turísticos a uma moça do guichê. Teve como resposta um nome que nos intrigou: Aveiro é a cidade da RIA.
Abro parêntese para explicações. RIO é a corrente de água que se origina de nascente. RIA é quando não existe nascente, a água é formada pelo braço do mar que adentra a terra. Na definição dos portugueses, a RIA é o resultado do recuo do mar, com a formação de cordões litorais que, a partir do séc. XVI formaram uma laguna. A RIA constitui um dos mais importantes e belos acidentes hidrográficos da costa portuguesa. Fecho o parêntese.
Algo muito interessante acontecia ao descer nas estações das cidades que visitávamos. Tínhamos dificuldade em identificar o lado onde estava a cidade. Imagino pela falta de hábito em andar de trem. Em Aveiro, após identificar o caminho a seguir, descemos pela rua principal rumo a RIA. No caminho, por várias vezes entramos em restaurantes para almoçar, pois o mais forte sentimento era o de fome. No entanto, sabíamos de outras jornadas, que não se come ao primeiro impulso e resolvemos priorizar um restaurante com bom cardápio.
No caminho, diante da demora em divisar a orla, perguntei a um balconista de banca de revista, onde estaria o rio (até então, ignorava que era RIA) recebi a resposta com a lógica portuguesa “vá em frente, mas com cuidado, pois poderá cair dentro dele e afogar”. Tinha razão, a orla onde está o cais apareceu uns vinte passos a nossa frente. Fizemos o reconhecimento do local onde iniciaríamos o passeio de barco e zarpamos atrás de restaurante.
Na praça central da cidade, em frente a um velho casarão do século XV, encontramos o local e, assessorados pelo garçom, pedimos bacalhau a Lagarero acompanhado de vinho tinto alentejano. Almoçamos devagar saboreando a refeição, o vinho e a música espanhola. Após o cafezinho, saímos satisfeitos para a navegação na RIA.
No cais, barcos de turismo não descansam no ir e vir dos canais, abarrotados de turistas. Tomamos assento no da vez, com um grupo de espanhóis idosos e alegres e sentamos bem na frente. Na fila para os passeios, reparei em excursões de várias partes da Europa, predominantemente de espanhóis, italianos e alemães, além dos próprios portugueses que são os que mais movimentam o turismo no país.
No circuito, de mais ou menos duas horas, cruzamos por todos os canais, e conhecemos a cidade navegando, num passeio romântico, narrado pela guia em italiano, espanhol e português. Como era portuguesa, tínhamos a vantagem de entender as informações e as respostas aos questionamentos. A guia narrava tudo e deteve-se nas salinas, um dos principais meios econômicos de Aveiro, apesar da extração ser artesanal. A certa altura do passeio desconcentrei da narrativa da guia que tagarelava em três idiomas e reparei um casal que namorava a beira da RIA, sentados num banco de madeira. Alguns passageiros, como eu, notamos a mão do rapaz a descer displicente para o traseiro da moça. Gritei “cuidado com a mão” e eles olharam rindo. Os passageiros gargalharam. Isto mereceu um comentário de Malu, que é carioca: “a linguagem da gozação é universal mesmo”.
Ao final do passeio, paramos para experimentar ovos moles, um doce delicioso da região. E aí conheci mais um pouco da cortesia portuguesa. Um idoso simples, de simpatia ímpar, se acercou, sentou-se à mesa e puxou assunto. Perguntou de onde éramos. Mas sem ouvir a resposta, falou de si. Disse ser natural de Aveiro, e trabalhara até aposentar, na Áustria. Contou a história de lutas e desconfortos passados fora da terra natal. Ficara solteiro e entendi que voltara a seu país, aposentado, para descansar junto aos parentes após a luta pela vida com glórias e fracassos. As marcas da batalha avivaram o olhar, mas marcaram seu rosto e os cantos de sua boca incapacitando-o de sorrir. Ao final, quis pagar a conta, o que julguei desconfortável aceitar. Quando me flagrou tentando pagar diretamente no caixa se ofendeu e recuei, agradecendo e aceitando a oferta. Realmente fiquei espantado, principalmente por ser desconhecido. Malu e eu refletimos que o fato ocorrera de forma casual. Talvez por tratar-se de pessoa simples que recebeu atenção de turistas. Explicação plausível até certo ponto, afinal o povo europeu anda com recursos financeiros escassos. Melhor acreditar que nos julgou merecedores.
Fomos para a estação ainda sob o impacto do acontecimento.
O retorno foi a jato. Tomamos um trem-bala e, na velocidade de duzentos e cinquenta quilômetros por hora dormi até Coimbra. Chegamos a tempo de pegar a sopa na padaria ao lado do hotel e assistir a mais um jogo do Benfica.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – SEGUNDA PARTE





(Arquivo pessoal)


Todo dia o amanhecer em Portugal me obrigava a exercitar a consciência e localizar onde estava. A arquitetura de Coimbra, cidade onde dormíamos, guarda semelhanças com Salvador e Rio de Janeiro, conferindo que os portugueses aplicaram nas duas cidades brasileiras, ambas ex-capitais, a arquitetura que conheciam. Quem sabe para aplacar a nostalgia da terra natal. Se hoje, com potente meio de transporte, nos sentimos distantes, imagino em meados dos séculos XVI, XVII.
O passeio a Fátima aconteceu em um misto de curiosidade e obrigação. Amigos que souberam da programação de viagem, falavam com entusiasmo sobre o santuário fazendo comentários tipo “ir a Portugal e não visitar o Santuário de Fátima é morrer na praia”. Ora, pois, pois, então iremos. E mereceu um capítulo a parte pela magia e grandiosidade do local. Nem necessitou um dia inteiro e as impressões são relevantes de narrar.
Antes de tomar o ônibus para Fátima, Malu e eu almoçamos em Coimbra privilegiando frutos do mar. Pescada amarela, com salada e batata cozida, acompanhado de vinho do Porto, que nos deixou com uma ponta de preguiça. Observei que nas refeições não é costume servir arroz com a comida. Como não sou adepto do alimento, não senti falta. Após o almoço, seguimos para a rodoviária, onde esperava o que mais chamou atenção em solo português quando o assunto é transporte: ônibus confortável que contribuiu para a soneca depois do almoço. Dormir bem neste percurso de pouco mais de uma hora, garantiu que chegássemos novos em folha e, como a rodoviária é perto do santuário, nos deslocamos a pé, fazendo fotos da vegetação, semelhante à brasileira do sul.
Íamos distraídos quando, por detrás de árvores centenárias, surge o colossal prédio do complexo. Era o templo principal que nos impressiona pela grandeza. Os portugueses capricharam, com razão, a visita ao Santuário é responsável por dez por cento de todo turismo que acontece no país. Em 2005, chegaram a mais de 4 milhões de peregrinos. O templo da Santíssima Trindade, construção mais recente do complexo de templos tem capacidade para nove mil pessoas sentadas.
À frente da porta de duas toneladas, a grandiosidade do pátio central remete a miniatura de nosso significado como seres humanos. O número de pessoas que visitavam o complexo conosco, era significante, mas não preenchia o espaço a disposição. Mesmo neste enorme pátio, o silêncio era quebrado apenas pelos sussurros de orações na missa que acontecia na Capela das Aparições. Os peregrinos, gente de todas as classes sociais e de todos os países do mundo, estavam ali por diversos motivos. A maioria por motivações religiosas. Mas mesmo os que lá comparecem por outras finalidades, acabam se envolvendo em alguma atividade do ritual litúrgico, como assistir missa, sussurrar orações, andar ajoelhado penitência na passarela dos sacrifícios, colocar velas no castiçal ou depositar moeda de 50 centavos de euro na fenda do balcão de uma vitrine para acender uma vela elétrica, entre as centenas que ali estão instaladas.

Um prédio ao fundo, atrás da bastilha, abriga uma bateria de banheiros, bem cuidado e com papéis a disposição. Saliento por não estar acostumado com estes confortos no Brasil.
Em determinado momento, ao passarmos embaixo de um pinheiro, uma pinha desprendeu-se do galho e caiu com estrondo. Nunca vira uma daquele tamanho. Ficamos inertes por alguns instantes, admirando-a, mas logo Malu deu a idéia “vamos levar para o Brasil”. Apanhei-a do chão e se tornou nosso souvenir de Fátima. Não somos adeptos a comprar lembranças de pontos turísticos a preços exorbitantes.
Após cumprir a tradição de acender uma vela num tanque, começamos a nos afastar vagarosamente do templo, pois anoitecia e lá cerra suas portas as sete horas. Acompanhamos com o olhar alguém que, ajoelhado, fazia penitência dolorida arrastando com dificuldade os joelhos na pista dos sacrifícios. Ficamos longo tempo em silêncio, caminhando de mãos dadas, perdidos em reflexões sobre a fé humana e, seu significado, manifestações, símbolos e crenças.
Lanchamos perto do santuário, um doce chamado Feijão, feito com ovos moles. O passeio não ultrapassou três horas e logo estávamos retornando a rodoviária.
As oito da noite tomamos o ônibus e voltamos para Coimbra. Fátima foi ficando para trás com todo seu esplendor e significado litúrgico. Colossal monumento erguido ao povo crédulo que procura significado para a morte e sentido para a vida.
Antes de dormir entramos num pequeno restaurante, aconchegante, intimista, decorado com quadros do século XVIII. O dono, um senhor de meia idade, atendia pessoalmente seus clientes, que, pelo porte do local, não poderiam passar de vinte por vez. A apresentação do cardápio decorado com bom gosto. Atrás do balcão uma senhora que parecia sua mulher, esmerava orientando dois cozinheiros. Quase imperceptível, uma música francesa pairava docemente transformando o ambiente em algo preguiçoso. Pedi duas porções de caldo com grão de bico e legumes e, enquanto esperava, conversávamos sobre os acontecimentos do dia e seu significado. Na mesa ao lado uma moça de uns vinte e poucos anos, lia um livro com título francês. Tentei ler o autor, mas não consegui. As demais mesas estavam todas ocupadas. As conversas eram reservadas e contidas, e havia um limite de som aceitável entre os clientes. Passados trinta minutos, um jovem aparentando mais de trinta anos, entrou e se aproximou da moça do livro. Ela levantou para recebê-lo. Cumprimentaram-se com carinho e sentaram um de frente ao outro. Tentaram falar em português. Não deu certo. Em alemão não conseguiram ir muito longe. Acertaram o diálogo em francês. O sussurro dos dois, o vinho branco que pediram, o prato a base de lula, tornou a atmosfera romântica naquele canto do restaurante. Fomos contagiados e nos recolhemos cedo ao hotel. A noite fria em Portugal pode ser bem aconchegante.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – PRIMEIRA PARTE



( Foto : arquivo pessoal)







Quando planejei viajar, tinha expectativas preconcebidas. A primeira delas seria a de encontrar um povo taciturno, fechado e preocupado com o futuro. Esperava ouvir falar da economia à bancarrota, o povo triste e desacostumado a altos e baixos financeiros, sem entender a gravidade da situação. Julgava-me privilegiado por morar em país de grandes dimensões, com diversidade de clima e miscigenação de povos. Convivência com descendentes de portugueses, italianos, alemães, franceses e por aí vai.
Logo ao descer no aeroporto, engoli meus preconceitos e na fila, ordenada para carimbar os passaportes, verifiquei a primeira diferença. Não havia furão. Uma senhora de uns sessenta anos, que tentava passar a frente alegando que procurava alguém, descoberta na mentira, foi convidada a passar ao final. A fila enorme, ordeiramente andava direcionada por fitas. Dois funcionários garantiam a ordem e a rapidez de modo que, apesar de grande, nunca parasse. Lá na frente, dez guichês da alfândega, atendiam rapidamente.
Constatei que desembarcara num país de primeiro mundo e que a diferença de idade dos povos marcava a evolução. Como conheço a Argentina e o Uruguai apenas e muito do Brasil, considero poucas alternativas para comparação, mas neste momento tive consciência do que encontraria pela frente.
E assim iniciei a aventura portuguesa, reparando nas diferenças e relacionando à cultura brasileira, arraigado na minha descendência italiana.
O planejamento da viagem a Coimbra esteve atrelado à apresentação
de um trabalho, pela namorada, na Conferência Iberoamericana - Europa de Educação em Enfermagem que ocorreu no período de 18 a 24 de setembro.
Entrar no Velho Continente por Portugal fazia parte de objetivos pessoais para ganhar experiência européia. Começar por país de língua irmã acrescenta valores para almejar novos horizontes. Nos demais países, pretendo fazer uso da língua espanhola, minha segunda língua, da qual faço um treinamento intensivo.
Como o período era curto, de 17 a 25 de setembro, o objetivo foi permanecer em Portugal e conhecer o povo, convivendo no dia a dia. Deixei de lado vários palpites de visitar outros países como Espanha ou Itália, pois faria coleção de fotos, mas pouca curtição, como acontece com as excursões.
No aeroporto nos esperava o ônibus do Congresso terceirizado para o Transfer de Lisboa até os hotéis indicados em Coimbra a cerca de 200 quilômetros da capital. Lá seria a sede das Conferências e das atividades turísticas programadas. O hotel escolhido, propiciou boa mobilidade. É localizado entre a estação de trem Coimbra - Parque e a rodoviária. O Confort Inn Almedina nos serviu plenamente neste aspecto.
Apesar de chegar ao hotel às 15h, após enfrentar 9 horas de avião de Brasília até Lisboa, esperar seis horas para o Transfer lotar com congressistas e mais três horas de viagem entre as cidades, foi largar a bagagem no hotel e sair para a primeira exploração em solo português. O hotel está perto do rio Mondego, o único rio português que nasce e acaba dentro de solo português. Descobrimos no primeiro dia, A Sé Velha de Coimbra, construção do século XII, portanto bem antes do descobrimento do Brasil, mandada executar pelo primeiro Rei de Portugal. Nesta Bastilha, o rei confiava aos monges que rezassem para que ele e seus guerreiros se saíssem bem nas batalhas empreendidas. Uma verdadeira fortaleza, como eram construídas as igrejas da época e talvez a única que não foi desfigurada pela ação de restaurações.
Por perto, muitas ruelas e vários becos que acabavam em espaços maiores aproveitados por barzinhos, cafeterias ou pastelarias. Outros com pequenos comércios como mercearias, tabacarias, açougues, lojas especializadas em todo tido de carne de porco, peixes, roupas, enfim todo tipo de comércio, davam um ar provinciano, mas aconchegante e intimista.
Andamos por estes espaços até cerca de dezenove horas, e, após breve sono de uma hora para recompor, fomos lanchar numa pastelaria e padaria onde finalmente experimentei o delicioso vinho português, o primeiro da série que durante estes dias, nos acompanharam como manjar a parte dos almoços, jantares e lanches.
Um enorme telão na pastelaria, repleta de torcedores, exibia um jogo de Benfica e Acadêmica, com vitória do Benfica por 4 a 1. A cada gol, gestos fanáticos dos torcedores, mas contidos, nem de longe lembravam os do Brasil.
Pude reparar nestes primeiros contatos que o português não explica muito às coisas, preferindo que tiremos as conclusões sobre o que queremos perguntar, antes de apresentar a questão. É comum no Brasil perguntarmos as coisas e esperarmos a resposta do outro, e depois irmos perguntando em cima daquilo que queremos saber. O informante português insiste que esmiucemos a pergunta. Por exemplo, narro o que aconteceu comigo numa estação de comboio (trem):
- Quanto custa a passagem para Lisboa? – pergunto ao atendente.
- Não sei – responde o rapaz.
- Como assim? – pergunto eu.
- Quantas pessoas são? Qual o horário? – Me responde, perguntando inquieto.
- Mas o que o horário tem a ver?
- O senhor me diz o horário que digo qual comboio faz este trajeto. Sem isto não tenho como lhe dar o preço. – Simples assim.
No Brasil, o atendente responderia com os preços dos vários tipos de trens e o cliente perguntaria até chegar a resposta que deseja.

A partir de Coimbra, de trem ou ônibus, conhecemos Aveiro, Fátima e a cidade do Porto, que farão parte das narrativas próximas.

Para terminar, selecionei um texto de um poeta português:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos” (Fernando Pessoa).