(Arquivo Pessoal - Malu) |
Ligo o carro e sigo adiante, até o homem com roupa de mergulho. Roupa preta e meias de borracha, pés de pato nas mãos, óculos, máscara de nadador. Imagino que esteja preparado para enfrentar as gélidas águas do Rio de la Plata, frias mesmo em dias quentes. Vez por outra, o homem para e olha a imensidão das águas do rio. O olhar parece perdido ao longo das ondas do que pode ser chamado de Mar de la Plata.
Na verdade também estou desencorajado. Na Rambla República Helenica, molho os pés na praia e desanimo. Observo o mergulhador solitário e a seguir a dama de biquíni preto, que agora nos alcança. Cruzam-se indiferentes. Eu, o único elo. A mulher segue o caminho com passinhos curtos e displicentes, elegante e ingênua. Despercebidos um do outro, são protagonistas da minha história. Um olhar entre eles, mesmo rápido, poderia marcar encontro de intenções comuns. Ambos olham o mar, perdidos em mundos diferentes. O homem, mergulhado em observações marinhas. A mulher, saboreando a brisa fresca, aproveita o sol forte, esquenta o coração e bronzeia o corpo maduro. Ambos esperam o rio esquentar as águas e recebê-los. O sol se põe devagar.
À noite, na Plaza de Cagancha, encontro Nelis. Moradora de rua da capital uruguaia, espera condução que a levará ao abrigo do governo. Fala abertamente da vida, das perdas, dos ganhos, sem arrependimentos, sem dificuldades. Interessado em treinar o espanhol, sento ao lado. Nelis coleciona vários sacos guardados impecavelmente e organizados em um carrinho de supermercado. Roupas e objetos de uso pessoal. Teve dois filhos. O mais novo morreu aos 19 anos, de acidente de moto. Do outro, desconhece o paradeiro. Perderam-se quando ele separou da mulher no Uruguai e mudou para a Argentina. Tentou ir atrás, mas “Buenos Aires é muito grande”, explica chorosa.
Gosta de morar nas ruas de Montevideo e reclama do problema dermatológico que exige cuidados especiais, obrigando-a a visitas médicas frequentes. Avalio que prefere assim, pois ganha atenção durante as consultas. Nas ruas, ninguém manda. Usufrui de assistência médica e remédios doados pelo governo enquanto necessitar. Manifesta-se contrária à liberação da marijuana, mas não julga quem usa. “Nas ruas tudo está tranquilo, mas pode se complicar para quem vive nelas”. Teme acabar a segurança com a liberação.
Chega o ônibus. Ela despede-se com abraço apertado. Quando o ônibus sai, grita preocupada: “não coloca meu nome!”. Obedeci.