(Raizama - palco de shows - Arquivo Malu) |
Na manhã do segundo dia planejei visitar cachoeiras, condicionado ao tempo, que nesta época do ano é chuvoso e as estradas, como já foi dito, nem sempre oferecem condições de tráfego. Seguindo indicação do guia do hotel, rumei a Raizama. Há doze quilômetros do povoado, acesso de barro e alguns trechos com risco de atoleiro, contornados vagarosamente. Encontrei ambiente estruturado, espaço para shows ao ar livre com palco e banheiros. Paguei quinze reais por pessoa, relativamente barato considerando o conforto e cuidado que o espaço oferece. Malu e eu deixamos o carro e seguimos mata adentro. A trilha a pé, tem extensão de dois mil e trezentos metros, com solo de pedregulho e pedras limosas, obrigando o máximo cuidado no andar. O retorno aconteceu pelo mesmo lado iniciado, o tempo fechava e havia risco de tromba d’água, condições adversas e perigosas na região. A tentativa de chegar as termais, fontes de águas quentes, esbarrou na notícia do caminhão atolado. Quando soube que havia um veículo caído para o lado, apoiado em grossa camada de barro, preferi retornar. O contato com a natureza crua, exuberante e majestosa foi suficiente para conscientizar da pequenez do ser humano e da necessidade de curtir a natureza sem danificar, sujar ou consumir bebidas.
(Raizama - acesso - Arquivo Malu) |
Percebi que a proteção ao meio ambiente é constante e, com exceção de poucos plantadores de soja inescrupulosos, os agricultores em geral estão cientes que preservar a mata é a única chance das gerações futuras sobreviverem com qualidade de vida. Os limites de terras destinadas a agricultura estão sendo revistos na região. Espero não ser tarde.
Após o almoço e breve cochilo, armei estratégia para ouvir histórias. Sentei no banco de madeira da praça central, defronte ao comércio, puxei o chimarrão e iniciei a cumprimentar pedestres. Armado o cenário, apareceram os primeiros personagens. Um casal canadense de Quebec com dois filhos, amplo sorriso e português claro com sotaque francês. Contaram que chegaram em dezembro e retornarão em julho. No Brasil, moraram em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. Adoram o clima brasileiro, o Canadá é muito frio. Há cinco anos no país, o rapaz fez mestrado e doutorado em universidades brasileiras. “Nossos filhos iniciarão os estudos”, a mãe preocupa-se. No povoado, trabalham em uma ONG prestadora de serviços na área de ajuda a pessoal carente e preservação ambiental. O papo se estendeu por uns trinta minutos, agradecem e despedem felizes com as novas amizades. Ao vê-los afastar, fiquei a pensar como um casal com dois filhos na faixa de cinco anos viviam no povoado, local com parcos recursos, comércio fraco e tamanha diferença cultural.
Outro casal aproxima. A moça gaúcha de Três Passos e o rapaz curitibano. Estavam em turnê pelo centro-oeste, provenientes de cidades baianas, mineiras, capixabas e cariocas. Narram experiências com o Santo Daime, chá alucinógeno com o qual acontecia festival em Alto Paraiso. Provaram em local afastado, ele a dose dupla e ela a única. O rapaz, na segunda dose, ficou em estado de torpor. Teve que ser atendido pelos frequentadores mais antigos, conhecedores dos efeitos sobre os novatos. Instruíram que respirasse fundo e seguidamente para amenizar o efeito. Não lembra, mas a companheira afirmou que vomitou muito. “Encheu um balde”. Mais comedida, a dose mínima da gaúcha a deixou apenas com formigamento nos braços, controlados por respiração cadenciada. Mesmo assim, o paranaense pretendia repetir a experiência. Consultaram o relógio e disseram querer conhecer as termais. Nem a resposta de um motorista de ônibus que “havia grande atoleiro por lá com o caminhão enganchado”, assustou a moça. O casal pediu licença, ligou o carro e pegou a estrada. Ficou bem marcante o equilíbrio desta relação. Quando um se aventurava em extravagâncias, o outro limitava e vice-versa.
O dia terminou na pousada com jantar delicioso, acompanhado de seleção musical impecável e boa leitura. Dia seguinte sairia do povoado rumo a Alto Paraíso.