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quarta-feira, 29 de agosto de 2018

RECADOS

Fonte Google Imagens
Seis horas, manhã fria em Porto Alegre, o despertador me arrebata do pesadelo de ser encurralado por monstros em caverna escura e irrespirável. A fresta da janela sopra o vento minuano.
Debaixo das cobertas, tudo parecia normal. O choque foi quando descobri os braços e senti a atmosfera fria. O nariz gelado e entupido indicava gripe a caminho. Levanto com preguiça. Em finais de julho o inverno no sul é o maior castigo de quem trabalha cedo. Abro a torneira, água quase congelada. Finjo lavar o rosto. Separo cerolões, camiseta, camisa, pulôver de lã, cachecol, capote e, como chovesse, por cima de tudo coloquei capa impermeável de gabardina. As galochas, calcei na porta e, parecendo E.T., saio a rua. Pesava quase 30 quilos de excesso.
Na parada do ônibus, o mal-estar piorou e soltei um espirrei. O coletivo aponta na curva de descida da Pedra Redonda. Avalio mais ou menos o local que abrirá a porta, posicionei e, quando para, salto dentro. O calor é aconchegante. Alguém solta espirro escandaloso no corredor.
Sentia-me febril. “vou matar o trabalho”, pensei, “recolho hoje e, amanhã, estarei pronto para o batente”.
Decidido, fiz sinal e desci na parada de tia Tereza. Ela teria medicação caseira. Salvadora da família e vizinhança, cultivava no quintal chazinhos, folhas, arbustos, cascas, sementes, o necessário para curar qualquer coisa.
Além disso, tia Tereza tinha telefone, coisa rara naqueles tempos. Ligo ao chefe. 
— Construtora Martins, as suas ordens – respondem do outro lado da linha. Reconheci a voz do colega de trabalho.
— Alcides, Paulo. — Espero o tempo de reconhecer a voz. — pode dar um recado para o Dr. Benjamim?
—Claro, fale — disse, solicito. Alcides era o único que não poderia atender meu telefonema. Tento explicar o mais claro possível.
—Diga que não vou trabalhar. Cheguei a sair de casa e tomar o ônibus. Mas a indisposição venceu. Estou com febre, calafrios, acredito ser resfriado. Agora estou em casa da tia curandeira que prepara chá de erva santa milagrosa. Após beber, volto a minha casa. Amanhã, estarei inteiro.
—Beleza Paulo — silêncio — fique tranquilo. Darei o recado direitinho.
No dia seguinte, chego disposto ao trabalho.
De porta aberta, me esperava Dr. Benjamim, que fez sinal para ir a sala de reuniões. Foi abrir a porta e iniciar o sermão.
—Muito bem, Sr. Paulo – disse com cara de mofo – então foi tomar chá com a titia e não pode trabalhar. Teve bolo de milho e bolachinhas? — Acrescentou irônico, sem defesa.— Pois saiba, terás descontado o dia.
E saiu porta afora. Mal ouvi o que falou. Preparava o retorno com Alcides, repassador de recados de meia tigela.