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(Google Imagens) |
Eram dezesseis metros
quadrados de área total. Ao fundo, o banheiro com vaso sanitário instalado de
través, permitia uso enviesado. Encostado na parede, faltava uma perna no banco
de madeira. Na parede contrária a porta, beliche de ferro, sem colchões, apenas
estrado, lençol e um cobertor barato. A janela encostada no teto exibe um
filete de sol e projeta uma forma geométrica no piso sujo. Barras de ferro com
porta no meio ocupavam a parte frontal. A cela em frente, dividida entre dois homens
sempre calados, com ritual pouco convidativo. O preso grandalhão caminha de
lado a outro, o dia inteiro enquanto o menor, sentado na cama de cimento, lê a
Bíblia em voz alta.
Suspira fundo, marca
mais um traço na parede e senta pesadamente, após completar mais um passeio.
Completava um mês de cumprimento
do mandato de prisão expedido pela Policia Federal. Fora algemado em casa às
oito horas da manhã durante o desjejum com a família na mansão onde residia no
Lago Sul de Brasilia. Relembra os detalhes. Era um dia chuvoso e os filhos se
preparavam para a escola. Viajaria para a Lisboa naquele dia. Iniciaria com a
mulher uma longa viagem pela Europa. Sentia necessidade de usufruir da fortuna
que amealhara desviando verbas de programas sociais do governo. “Não sou
corrupto”, repetia ao terapeuta toda vez que fazia a sessão, “o que faço é pelo
meu pai que precisa de tratamento nos Estados Unidos! E é muito caro!.” Assim referenciava
a vultosa quantia que o aguardava em bancos de paraísos fiscais. O turismo
seria para usufruir do dinheiro que guardava no teto rebaixado do banheiro da empregada.
Dentro da prisão espera
ansioso o resultado das apelações montadas por advogados caríssimos, pagos com
recursos das negociatas. A dificuldade de soltura, está atrelada a campanha de
moralização desencadeada pelos altos escalões do Governo. Para tentar se safar,
fizera acordo de delação com o qual se comprometia a entregar os principais
envolvidos em troca da liberdade com tornozelera eletrônica por dois meses e
depois passaporte liberado o aguardava.
Ouve passos no corredor
e a porta abre. A cela pouco iluminada durante o dia dificulta ver o rosto dos
recém-chegados. Reconhece o carcereiro que acompanha um homem algemado com rosto
familiar. “Vamos deixá-lo por aqui mesmo, pois o doutor está sozinho”, diz o agente,
com um palito dançando entre os dentes de um lado a outro da boca. Retira as
algemas do homem que esfrega os punhos. “Faça as honras para seu novo vizinho”.
Fala o guarda enquanto empurra o novo preso para dentro e se afasta as
gargalhadas.
Encara o recém-chegado. Era
o doleiro que delatara vinte dias atrás a Policia Federal. Correu à porta da
cela. “Ei, não quero dividir cela com esse cara!”. Ninguém o atende. O corredor
vazio e as luzes apagadas, indicam o horário de descanso na penitenciária. Na cela
em frente, o leitor da Bíblia aumenta o tom de voz e o olha com ar caridoso.
Gira sobre os
calcanhares e percebe a faca na mão e o sorriso irônico do doleiro que fala com raiva.
— Você me delata e agora
está com medo, verme?
Pega a caneca de alumínio
e corre à porta de entrada. Esfrega em desespero nas barras de ferro. Pede
socorro aos da cela em frente. O da Bíblia, faz o sinal da cruz e aumenta o tom
da leitura. O grandalhão esconde no banheiro.
Sente a lâmina fria entrando no rim direito e cai de
joelhos