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terça-feira, 11 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – TERCEIRA PARTE

(arquivo pessoal)


Conhecer Aveiro foi uma aventura a parte. A cidade tem charme e não é a toa que é conhecida como “A Veneza Portuguesa”. Isto porque, a partir de um centro geométrico, é cortada por canais navegáveis que deságuam no mar.
Um passeio ao estrangeiro inclui a convivência com o povo, conhecer costumes e saborear os pratos de cada lugar. Procuro assim, narrar em detalhes acontecimentos que culminaram com mais esta aventura portuguesa. O projeto era conhecer a cidade, passeando de barco.
Na estação Coimbra-2, onde comprei as passagens para Aveiro, Malu perguntou pelos pontos turísticos a uma moça do guichê. Teve como resposta um nome que nos intrigou: Aveiro é a cidade da RIA.
Abro parêntese para explicações. RIO é a corrente de água que se origina de nascente. RIA é quando não existe nascente, a água é formada pelo braço do mar que adentra a terra. Na definição dos portugueses, a RIA é o resultado do recuo do mar, com a formação de cordões litorais que, a partir do séc. XVI formaram uma laguna. A RIA constitui um dos mais importantes e belos acidentes hidrográficos da costa portuguesa. Fecho o parêntese.
Algo muito interessante acontecia ao descer nas estações das cidades que visitávamos. Tínhamos dificuldade em identificar o lado onde estava a cidade. Imagino pela falta de hábito em andar de trem. Em Aveiro, após identificar o caminho a seguir, descemos pela rua principal rumo a RIA. No caminho, por várias vezes entramos em restaurantes para almoçar, pois o mais forte sentimento era o de fome. No entanto, sabíamos de outras jornadas, que não se come ao primeiro impulso e resolvemos priorizar um restaurante com bom cardápio.
No caminho, diante da demora em divisar a orla, perguntei a um balconista de banca de revista, onde estaria o rio (até então, ignorava que era RIA) recebi a resposta com a lógica portuguesa “vá em frente, mas com cuidado, pois poderá cair dentro dele e afogar”. Tinha razão, a orla onde está o cais apareceu uns vinte passos a nossa frente. Fizemos o reconhecimento do local onde iniciaríamos o passeio de barco e zarpamos atrás de restaurante.
Na praça central da cidade, em frente a um velho casarão do século XV, encontramos o local e, assessorados pelo garçom, pedimos bacalhau a Lagarero acompanhado de vinho tinto alentejano. Almoçamos devagar saboreando a refeição, o vinho e a música espanhola. Após o cafezinho, saímos satisfeitos para a navegação na RIA.
No cais, barcos de turismo não descansam no ir e vir dos canais, abarrotados de turistas. Tomamos assento no da vez, com um grupo de espanhóis idosos e alegres e sentamos bem na frente. Na fila para os passeios, reparei em excursões de várias partes da Europa, predominantemente de espanhóis, italianos e alemães, além dos próprios portugueses que são os que mais movimentam o turismo no país.
No circuito, de mais ou menos duas horas, cruzamos por todos os canais, e conhecemos a cidade navegando, num passeio romântico, narrado pela guia em italiano, espanhol e português. Como era portuguesa, tínhamos a vantagem de entender as informações e as respostas aos questionamentos. A guia narrava tudo e deteve-se nas salinas, um dos principais meios econômicos de Aveiro, apesar da extração ser artesanal. A certa altura do passeio desconcentrei da narrativa da guia que tagarelava em três idiomas e reparei um casal que namorava a beira da RIA, sentados num banco de madeira. Alguns passageiros, como eu, notamos a mão do rapaz a descer displicente para o traseiro da moça. Gritei “cuidado com a mão” e eles olharam rindo. Os passageiros gargalharam. Isto mereceu um comentário de Malu, que é carioca: “a linguagem da gozação é universal mesmo”.
Ao final do passeio, paramos para experimentar ovos moles, um doce delicioso da região. E aí conheci mais um pouco da cortesia portuguesa. Um idoso simples, de simpatia ímpar, se acercou, sentou-se à mesa e puxou assunto. Perguntou de onde éramos. Mas sem ouvir a resposta, falou de si. Disse ser natural de Aveiro, e trabalhara até aposentar, na Áustria. Contou a história de lutas e desconfortos passados fora da terra natal. Ficara solteiro e entendi que voltara a seu país, aposentado, para descansar junto aos parentes após a luta pela vida com glórias e fracassos. As marcas da batalha avivaram o olhar, mas marcaram seu rosto e os cantos de sua boca incapacitando-o de sorrir. Ao final, quis pagar a conta, o que julguei desconfortável aceitar. Quando me flagrou tentando pagar diretamente no caixa se ofendeu e recuei, agradecendo e aceitando a oferta. Realmente fiquei espantado, principalmente por ser desconhecido. Malu e eu refletimos que o fato ocorrera de forma casual. Talvez por tratar-se de pessoa simples que recebeu atenção de turistas. Explicação plausível até certo ponto, afinal o povo europeu anda com recursos financeiros escassos. Melhor acreditar que nos julgou merecedores.
Fomos para a estação ainda sob o impacto do acontecimento.
O retorno foi a jato. Tomamos um trem-bala e, na velocidade de duzentos e cinquenta quilômetros por hora dormi até Coimbra. Chegamos a tempo de pegar a sopa na padaria ao lado do hotel e assistir a mais um jogo do Benfica.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – PRIMEIRA PARTE



( Foto : arquivo pessoal)







Quando planejei viajar, tinha expectativas preconcebidas. A primeira delas seria a de encontrar um povo taciturno, fechado e preocupado com o futuro. Esperava ouvir falar da economia à bancarrota, o povo triste e desacostumado a altos e baixos financeiros, sem entender a gravidade da situação. Julgava-me privilegiado por morar em país de grandes dimensões, com diversidade de clima e miscigenação de povos. Convivência com descendentes de portugueses, italianos, alemães, franceses e por aí vai.
Logo ao descer no aeroporto, engoli meus preconceitos e na fila, ordenada para carimbar os passaportes, verifiquei a primeira diferença. Não havia furão. Uma senhora de uns sessenta anos, que tentava passar a frente alegando que procurava alguém, descoberta na mentira, foi convidada a passar ao final. A fila enorme, ordeiramente andava direcionada por fitas. Dois funcionários garantiam a ordem e a rapidez de modo que, apesar de grande, nunca parasse. Lá na frente, dez guichês da alfândega, atendiam rapidamente.
Constatei que desembarcara num país de primeiro mundo e que a diferença de idade dos povos marcava a evolução. Como conheço a Argentina e o Uruguai apenas e muito do Brasil, considero poucas alternativas para comparação, mas neste momento tive consciência do que encontraria pela frente.
E assim iniciei a aventura portuguesa, reparando nas diferenças e relacionando à cultura brasileira, arraigado na minha descendência italiana.
O planejamento da viagem a Coimbra esteve atrelado à apresentação
de um trabalho, pela namorada, na Conferência Iberoamericana - Europa de Educação em Enfermagem que ocorreu no período de 18 a 24 de setembro.
Entrar no Velho Continente por Portugal fazia parte de objetivos pessoais para ganhar experiência européia. Começar por país de língua irmã acrescenta valores para almejar novos horizontes. Nos demais países, pretendo fazer uso da língua espanhola, minha segunda língua, da qual faço um treinamento intensivo.
Como o período era curto, de 17 a 25 de setembro, o objetivo foi permanecer em Portugal e conhecer o povo, convivendo no dia a dia. Deixei de lado vários palpites de visitar outros países como Espanha ou Itália, pois faria coleção de fotos, mas pouca curtição, como acontece com as excursões.
No aeroporto nos esperava o ônibus do Congresso terceirizado para o Transfer de Lisboa até os hotéis indicados em Coimbra a cerca de 200 quilômetros da capital. Lá seria a sede das Conferências e das atividades turísticas programadas. O hotel escolhido, propiciou boa mobilidade. É localizado entre a estação de trem Coimbra - Parque e a rodoviária. O Confort Inn Almedina nos serviu plenamente neste aspecto.
Apesar de chegar ao hotel às 15h, após enfrentar 9 horas de avião de Brasília até Lisboa, esperar seis horas para o Transfer lotar com congressistas e mais três horas de viagem entre as cidades, foi largar a bagagem no hotel e sair para a primeira exploração em solo português. O hotel está perto do rio Mondego, o único rio português que nasce e acaba dentro de solo português. Descobrimos no primeiro dia, A Sé Velha de Coimbra, construção do século XII, portanto bem antes do descobrimento do Brasil, mandada executar pelo primeiro Rei de Portugal. Nesta Bastilha, o rei confiava aos monges que rezassem para que ele e seus guerreiros se saíssem bem nas batalhas empreendidas. Uma verdadeira fortaleza, como eram construídas as igrejas da época e talvez a única que não foi desfigurada pela ação de restaurações.
Por perto, muitas ruelas e vários becos que acabavam em espaços maiores aproveitados por barzinhos, cafeterias ou pastelarias. Outros com pequenos comércios como mercearias, tabacarias, açougues, lojas especializadas em todo tido de carne de porco, peixes, roupas, enfim todo tipo de comércio, davam um ar provinciano, mas aconchegante e intimista.
Andamos por estes espaços até cerca de dezenove horas, e, após breve sono de uma hora para recompor, fomos lanchar numa pastelaria e padaria onde finalmente experimentei o delicioso vinho português, o primeiro da série que durante estes dias, nos acompanharam como manjar a parte dos almoços, jantares e lanches.
Um enorme telão na pastelaria, repleta de torcedores, exibia um jogo de Benfica e Acadêmica, com vitória do Benfica por 4 a 1. A cada gol, gestos fanáticos dos torcedores, mas contidos, nem de longe lembravam os do Brasil.
Pude reparar nestes primeiros contatos que o português não explica muito às coisas, preferindo que tiremos as conclusões sobre o que queremos perguntar, antes de apresentar a questão. É comum no Brasil perguntarmos as coisas e esperarmos a resposta do outro, e depois irmos perguntando em cima daquilo que queremos saber. O informante português insiste que esmiucemos a pergunta. Por exemplo, narro o que aconteceu comigo numa estação de comboio (trem):
- Quanto custa a passagem para Lisboa? – pergunto ao atendente.
- Não sei – responde o rapaz.
- Como assim? – pergunto eu.
- Quantas pessoas são? Qual o horário? – Me responde, perguntando inquieto.
- Mas o que o horário tem a ver?
- O senhor me diz o horário que digo qual comboio faz este trajeto. Sem isto não tenho como lhe dar o preço. – Simples assim.
No Brasil, o atendente responderia com os preços dos vários tipos de trens e o cliente perguntaria até chegar a resposta que deseja.

A partir de Coimbra, de trem ou ônibus, conhecemos Aveiro, Fátima e a cidade do Porto, que farão parte das narrativas próximas.

Para terminar, selecionei um texto de um poeta português:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos” (Fernando Pessoa).