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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A FOFOCA

(foto google imagem)


Existem os donos da verdade. Os que se julgam acima dos demais e, nesta condição, dispostos a criticar, culpar, julgar e condenar. Capazes de tudo para crescer e aparecer. Até colocam palavras na boca dos outros.
Chegam disfarçados. Perigosos são aqueles que chegam na condição de conhecidos e se acham no direito de definir o certo e errado. Na concepção deles, estão acima de qualquer suspeita. Julgam-se infalíveis. Analisam a vida do outro e sabem tudo profundamente.
Outras vezes aparecem na pele de ex-marido ou de ex-mulher e nesta condição, aparecem na condição de expert em relacionamentos e defeitos. Dos outros, claro. E quando amigos ou conhecidos dos ex, piorou. Por saber detalhes saborosos daquela relação, rompida muitas vezes há tempos, são plenos de informações comprometedoras.
Pena que sempre há os dispostos a ouvir. Sem estes, não teriam platéia para divulgação e montar pontes de informações, vulgarmente chamadas fofocas.
Um amigo foi vítima de um caso destes e achei interessante contar. Faço referência às pessoas envolvidas, com nomes fictícios.
Luis Carlos tem cinquenta e poucos anos, divorciado, gosta de cinema, teatro, escreve com texto até razoável, lê muito e é servidor num órgão público federal. Certo dia esperava na fila para comprar ingresso a um filme no Parkshopping, quando reconheceu um ex-colega de trabalho do qual há muito se afastara.
Descobriram-se ambos descasados e, como Luis Carlos e Diógenes, se conheciam da época de casados com outras mulheres, a conversa correu sobre as agruras da vida a dois, das dificuldades das relações e de como as separações influenciam os familiares dos ex-companheiros.
Em determinado momento, Diógenes desandou a falar da família da ex-mulher do Luis a qual conhecia. E falou tudo que veio a cabeça, desabafou mazelas passadas, as festas em família regadas a chopp e churrascos e teceu comentários maldosos sobre a vida dos membros, só sabidas por quem convivera por longa data.
Luis Carlos assustou de tanto falatório. Desculpou-se que o cinema começaria em instantes e entraria cedo, apesar da poltrona numerada, mesmo sabendo que o tempo que faltava era bastante.
- Um mês depois - falou-me Luis Carlos - recebi um recado da minha ex-mulher para que parasse as fofocas sobre a família. Espantei-me e após muito pensar, descobri o motivo. O Diógenes, que também é amigo dela, falou tudo o que conversamos no encontro do cinema. Com apenas um detalhe: me referenciou como autor das observações.
Diógenes falara da família da ex-mulher de Carlos, atribuindo a este o falatório.
Existem tratados sobre este tipo de comportamento. Falei ao Carlos que mais cedo ou mais tarde as coisas se encaixarim. “Que no andar da carroça as abóboras se acomodam.”
Luis Carlos espantou com o fato da ex-mulher acreditar nas conversas.
- Emprestar ouvido a fofocas é contribuir com a poluição sonora que habita a audição. E fechou o assunto:
- É uma mulher madura e deveria ter assuntos mais importantes para cuidar na vida do que ouvir fofocas de ex-marido de amigas.

domingo, 23 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL - FINAL

Shopping COLOMBO-Lisboa (arquivo pessoal)


Tudo que começa, termina e assim acabou a aventura de visitar Portugal, conhecer a estrutura de transportes, os pratos saborosos, os vinhos, as maneirices dos habitantes e os turistas. Encontramos gente de todas as partes do mundo que visitavam o país, de gente hospitaleira e forma peculiar de ser e falar. E conhecemos muitos brasileiros que por motivo ou outro trocaram o país natal para residir na Europa.
Ani (Daniani), paulista com cerca de 30 anos, estava na fila quando Malu e eu comprávamos passagens para retornar a Lisboa. Iria também. O tempo era curto e o balconista aconselhou tomar taxi para, na estação Coimbra-2, embarcar no trem - bala rumo a capital, nosso último destino no país. Ao ver dois conterrâneos atrapalhados, Ani propôs rachar o taxi, solução bem brasileira para economizar a corrida.
Natural de São Paulo, moradora da Áustria, a moça participara do Congresso de saúde do qual Malu fez a conferência em Coimbra. Por curiosidade perguntei como foi parar no país tão distante, de língua difícil como o alemão. Ani disse que foi mistura, “coisas do coração com destino.” E contou. Morava em São Paulo, cursava enfermagem e vivia com os pais que certo dia ofereceram a residência para intercâmbio. Abriram possibilidade a um estudante estrangeiro residir no Brasil enquanto cursasse universidade paulista. Assim, chegou à casa um jovem engenheiro civil austríaco para residir durante o mestrado. Foi amor a primeira vista. Ao retornar, deixou o coração no Brasil, bem cuidado por Ani. Como a longa distância tornara-se um martírio, casaram-se e foram para a Áustria.
Se correrias para identificar vagão de trem e embarcar é angustiante, imaginem somado a malas, mochilas e sacolas. Pois Ani ajudou acomodar tudo no maleiro e a nós, nas poltronas. A ajuda foi importante e aliviou o estresse estampado nos rostos devido a bagagem, a trens velozes, e embarques nos labirintos das estações. Ajudou inclusive o desembarque em Lisboa. E mais, nos convidou para visitar a Áustria. Espero que leia este texto e envie e-mail para contato.
Almoçamos carregados com malas e demais apetrechos no shopping Vasco da Gama, as margens do rio Tejo acompanhados por gaivotas que brincavam de escorregar no telhado de vidro do restaurante. Fomos servidos por jovem paranaense, casada com catarinense. Há muitos brasileiros em Portugal, oh, raios!
No caminho para o hotel, o taxista desfiou um rosário de queixas. Falou do limite de produção do país ditado pela Comunidade Econômica Européia; de Portugal ter de comprar tudo de fora; que as companhias de obras de rua fazem buracos no asfalto e depois os fecham com preguiça. E enalteceu o Brasil falando ser auto-sustentável, desde o petróleo até aço, ferro, comida. A conclusão da conversa é que o país do vizinho é sempre melhor que o da gente.
Chegando ao hotel, contratei empresa de turismo para os passeios por Lisboa no dia seguinte e fomos para o metrô. Descemos no Shopping Colombo, vizinho ao colossal estádio do Benfica. Imaginei a região em dia de clássico.
Às vésperas do retorno ao Brasil, passeamos em ônibus de excursão, explorado por uma das duas únicas empresas prestadoras do serviço na capital portuguesa. Parece até monopólio, mas achei o preço de 30 euros por pessoa, justo, pois inclui passeios durante 24 horas a passageiros que podem descer e tomar os ônibus em qualquer ponto. Inclui ainda as linhas em operação na cidade com os mesmos passes.
Conhecemos monumentos históricos como o forte de Belém, o Museu Arqueológico, o Mosteiro de São Jerônimo e os monumentos erguidos aos grandes descobridores. Portugueses homenageados no país com enormes estátuas como Vasco da Gama, Infante Dom Henrique, Cristóvão Colombo e por aí vai.
No centro de Lisboa, o almoço constou de sardinhas fritas e a digestão aconteceu caminhando entre monumentos e demonstrações de artistas que imitavam estátuas vivas, como o soldado armado, o cavaleiro sedutor e o recordista do Guiness Boock que se equilibrava no ar. Procurei a explicação e um garçom de restaurante que ali permanecia desde cedo, desmistificou o equilibrista. Confidenciou que havia armação de ferro muito bem elaborada a segurá-lo.
Portugal estava desvendado. Visitá-lo em outra ocasião estará sempre nos planos. Malu e eu voltamos exauridos de cansaço, mas satisfeitos em praticar turismo por conta própria, permanecendo sem atropelos o tempo necessário em cada local visitado. Portugal é matriz da história brasileira. Queiramos ou não estamos atrelados àquele país.
Como diz um amigo meu, “viaje com alguém e descobrirá os defeitos e virtudes da pessoa”. Pois Malu e eu fizemos bom par. Toda programação foi executada a dois, sem que pesasse para nenhum em particular. A relação de viagem a tornou uma aventura instigante, exploratória e econômica em todos os sentidos.
Para os viajantes os votos de que o (a) parceiro (a) ou companheiro (a), também goste e tenha bom humor para enfrentar situações por vezes muito adversas.
Aos leitores e amigos que acompanharam as peripécias, resumidas em cinco partes, agradeço e espero continuar recebendo suas visitas ao blog, acompanhando as publicações semanais.

sábado, 15 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – QUARTA PARTE

(Pontes de Porto - arquivo pessoal)

Há quatro dias em Portugal, após visitar Coimbra, Fátima e Aveiro, a cidade do Porto intensificou a percepção das semelhanças existentes entre aquele país e o Brasil. Descendo as ladeiras rumo à cidade baixa, em meio a ruelas estreitas, entre moradias, observava as roupas penduradas nos varais em frente aos sobrados. No centro histórico de Salvador, pude observar este mesmo quadro. Peguei-me inúmeras vezes a racionalizar que estava fora do Brasil. A semelhança entre cidades dos dois países, iniciou-se em Coimbra, onde lembrei Porto Alegre, meu torrão natal, construída em 1772 por casais portugueses açorianos. A partir daí, passei a reconhecer ruas semelhantes à Rua da Praia. Malu comentou só agora entender o costume brasileiro de colocar pedras portuguesas nas ruas. Na livraria Lello encontrou livros que exibem a graça dos desenhos nas calçadas. Lá como cá e por influência destes colonizadores, as calçadas causam impacto pela beleza.
Cheguei a pensar que perderia a oportunidade de conhecer Porto, última cidade a visitar antes do retorno a Lisboa. O dia amanheceu com nuvens escuras prenunciando aguaceiro. A temperatura de treze graus também não ajudava, e despertamos em torno de nove horas. Mas Malu e eu estávamos decididos. Após o desjejum reforçado no hotel, compramos duas mochilas para melhor acomodar os pertences de mão e tomamos o trem bala. Em uma hora estávamos em Porto.
Ao chegar à cidade o dia frio e a chuva fina pareciam atrapalhar os planos.
Li que o melhor acesso ao centro era o metrô, o mais moderno do país. Seguimos para a estação, onde um jovem brasileiro de Governador Valadares, morador de Portugal, indicou onde comprar passagem. Só faltava encontrar o embarque no labirinto da estação da segunda cidade de Portugal e entender onde desembarcar. Buscava a rua Santa Catarina.
Malu resolveu abordar uma senhora de uns setenta anos, dona Dinamérica. Esta senhora, acompanhada da irmã, explicou que deveríamos descer na estação Bolhões, mesmo caminho delas, bastava segui-las. O cuidado dela se manifestava a todo momento ao olhar para trás, certificando-se que a seguíamos. Além de indicar a estação, desceu conosco, alegando que compraria crédito para o telemóvel, denominação do celular.
A rua Santa Catarina é extensa e após caminhar algumas quadras, procuramos local onde almoçar. Ao perceber o shopping Via Catarina, reconheci o lugar ideal para refeição rápida. Seguimos à praça da alimentação, igual às outras do mundo. A diferença entre as lojas que conhecemos, são as grifes, marcas européias afastadas do Brasil pela arraigada cultura às novidades americanas. O almoço no restaurante da venezuelana Guadalupe foi o tradicional e conhecido frango com salada pois confesso que Malu e eu não tivemos coragem de comer Tripas à Moda do Porto, prato típico da cidade, indicado pela gerente do hotel. Quem sabe da próxima vez, experimentamos. A dona, sempre com bom humor, ao ver o garçom dançar fado em meio às mesas, disse adorar o povo português, “pela gaiatice e sorriso fácil.”
À tarde dedicamos visita aos monumentos, igrejas, museus e, como não poderia deixar de ser, a livraria Lello, local ímpar pela arquitetura e cuidado na conservação de obras históricas. No passeio por entre as estantes percebi a fama da casa. Folheei livros das conquistas portuguesas e conheci parte das orientações dadas aos navegadores, incluindo Cabral ao partir para conquistar terras brasileiras. Mas o tempo era curto e logo saímos. Malu pagou os livros em euros, a livraria não recebe cheques nem de Portugal, não aceita cartão e não emite nota fiscal, nem recibo de vendas. Senti-me em casa.
A cidade do Porto é banhada pelo Rio Douro, que abriga inúmeras pontes e um teleférico e é por isto conhecida como Cidade das Pontes, cada qual mais bonita. Uma delas possibilita a entrada e saída dos trens à cidade, a grande altura.
Para chegar à margem do Rio Douro seguimos um caminho em ziguezague de ruas estreitas e prédios antigos que lembram as favelas do Rio de Janeiro. Roupas estendidas nos varais das janelas e prédios coloridos emprestam um aspecto mundano e ao mesmo tempo cultural. A região é tombada pela UNESCO e mostra a preocupação pela memória da primeira capital de Portugal e ponto de partida dos grandes navegadores. O povo se orgulha de Infante Don Henrique, um dos filhos mais ilustres.
Ao avistarmos o Rio Douro, lembrei de Porto Alegre e fiquei pensando na nostalgia que os fundadores açorianos experimentaram quando, as margens do rio Guaíba, fixaram a pedra fundamental da capital. Penso que olhar o rio gaúcho, os remetia ao distante quinhão natal, hoje distante nove horas de avião, na época, quarenta e cinco dias em caravelas. Realmente estafante, mas melhor espaço do que entre os bancos da classe econômica.
Malu e eu margeamos o Rio Douro e avistamos um prédio monumental do outro lado, no topo do morro. De construção antiga numa das pontas e na continuidade com muros altos, que não pareciam da mesma obra. Aguçou a curiosidade e aproximei de dois portugueses que discutiam em altos brados defendendo os times do coração. Antes que pudessem reclamar da intromissão, tasquei a pergunta sobre os prédios. Um deles me olhou vermelho, irado da discussão e mirando nos meus olhos, de frente para o antagonista, falou, “aquilo é o Mosteiro da Serra do Pilar, oh! raios”. Ainda insatisfeito, perguntei, “e os muros altos?” e a resposta “um quartel”. Pronto, estava respondido, agradeci e complementei “podem continuar a discussão”. Não testemunhei, mas percebi que a pergunta não aplacou a contenda.
Sair da cidade baixa para a alta foi penoso, estávamos exaustos de caminhar e a subida íngreme, obrigou descansar diversas vezes. Numa das paradas entrei num café e tomei um espresso. Aproveitamos para refletir sobre a angústia de estar longe da terra natal e como afeta pessoas em turismo solitário. Pior quando em país de língua diferente.
Neste dia descobri que azeite de oliva português é forte mesmo. Bom remédio para prisão de ventre.
Talvez o retorno da viagem tenha sido o mais tranquilo do período turístico em Portugal. O cansaço nos prostrou na poltrona do trem-bala e dormirmos ao chacoalhar da carruagem.
Na estação Coimbra – 2, local de baldeação obrigatória entre comboios, embalados pelos acontecimentos de cada dia, cantarolei uma valsa e Malu e eu dançamos assistidos por passageiros curiosos que talvez pensassem “de onde será o casal?”.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – TERCEIRA PARTE

(arquivo pessoal)


Conhecer Aveiro foi uma aventura a parte. A cidade tem charme e não é a toa que é conhecida como “A Veneza Portuguesa”. Isto porque, a partir de um centro geométrico, é cortada por canais navegáveis que deságuam no mar.
Um passeio ao estrangeiro inclui a convivência com o povo, conhecer costumes e saborear os pratos de cada lugar. Procuro assim, narrar em detalhes acontecimentos que culminaram com mais esta aventura portuguesa. O projeto era conhecer a cidade, passeando de barco.
Na estação Coimbra-2, onde comprei as passagens para Aveiro, Malu perguntou pelos pontos turísticos a uma moça do guichê. Teve como resposta um nome que nos intrigou: Aveiro é a cidade da RIA.
Abro parêntese para explicações. RIO é a corrente de água que se origina de nascente. RIA é quando não existe nascente, a água é formada pelo braço do mar que adentra a terra. Na definição dos portugueses, a RIA é o resultado do recuo do mar, com a formação de cordões litorais que, a partir do séc. XVI formaram uma laguna. A RIA constitui um dos mais importantes e belos acidentes hidrográficos da costa portuguesa. Fecho o parêntese.
Algo muito interessante acontecia ao descer nas estações das cidades que visitávamos. Tínhamos dificuldade em identificar o lado onde estava a cidade. Imagino pela falta de hábito em andar de trem. Em Aveiro, após identificar o caminho a seguir, descemos pela rua principal rumo a RIA. No caminho, por várias vezes entramos em restaurantes para almoçar, pois o mais forte sentimento era o de fome. No entanto, sabíamos de outras jornadas, que não se come ao primeiro impulso e resolvemos priorizar um restaurante com bom cardápio.
No caminho, diante da demora em divisar a orla, perguntei a um balconista de banca de revista, onde estaria o rio (até então, ignorava que era RIA) recebi a resposta com a lógica portuguesa “vá em frente, mas com cuidado, pois poderá cair dentro dele e afogar”. Tinha razão, a orla onde está o cais apareceu uns vinte passos a nossa frente. Fizemos o reconhecimento do local onde iniciaríamos o passeio de barco e zarpamos atrás de restaurante.
Na praça central da cidade, em frente a um velho casarão do século XV, encontramos o local e, assessorados pelo garçom, pedimos bacalhau a Lagarero acompanhado de vinho tinto alentejano. Almoçamos devagar saboreando a refeição, o vinho e a música espanhola. Após o cafezinho, saímos satisfeitos para a navegação na RIA.
No cais, barcos de turismo não descansam no ir e vir dos canais, abarrotados de turistas. Tomamos assento no da vez, com um grupo de espanhóis idosos e alegres e sentamos bem na frente. Na fila para os passeios, reparei em excursões de várias partes da Europa, predominantemente de espanhóis, italianos e alemães, além dos próprios portugueses que são os que mais movimentam o turismo no país.
No circuito, de mais ou menos duas horas, cruzamos por todos os canais, e conhecemos a cidade navegando, num passeio romântico, narrado pela guia em italiano, espanhol e português. Como era portuguesa, tínhamos a vantagem de entender as informações e as respostas aos questionamentos. A guia narrava tudo e deteve-se nas salinas, um dos principais meios econômicos de Aveiro, apesar da extração ser artesanal. A certa altura do passeio desconcentrei da narrativa da guia que tagarelava em três idiomas e reparei um casal que namorava a beira da RIA, sentados num banco de madeira. Alguns passageiros, como eu, notamos a mão do rapaz a descer displicente para o traseiro da moça. Gritei “cuidado com a mão” e eles olharam rindo. Os passageiros gargalharam. Isto mereceu um comentário de Malu, que é carioca: “a linguagem da gozação é universal mesmo”.
Ao final do passeio, paramos para experimentar ovos moles, um doce delicioso da região. E aí conheci mais um pouco da cortesia portuguesa. Um idoso simples, de simpatia ímpar, se acercou, sentou-se à mesa e puxou assunto. Perguntou de onde éramos. Mas sem ouvir a resposta, falou de si. Disse ser natural de Aveiro, e trabalhara até aposentar, na Áustria. Contou a história de lutas e desconfortos passados fora da terra natal. Ficara solteiro e entendi que voltara a seu país, aposentado, para descansar junto aos parentes após a luta pela vida com glórias e fracassos. As marcas da batalha avivaram o olhar, mas marcaram seu rosto e os cantos de sua boca incapacitando-o de sorrir. Ao final, quis pagar a conta, o que julguei desconfortável aceitar. Quando me flagrou tentando pagar diretamente no caixa se ofendeu e recuei, agradecendo e aceitando a oferta. Realmente fiquei espantado, principalmente por ser desconhecido. Malu e eu refletimos que o fato ocorrera de forma casual. Talvez por tratar-se de pessoa simples que recebeu atenção de turistas. Explicação plausível até certo ponto, afinal o povo europeu anda com recursos financeiros escassos. Melhor acreditar que nos julgou merecedores.
Fomos para a estação ainda sob o impacto do acontecimento.
O retorno foi a jato. Tomamos um trem-bala e, na velocidade de duzentos e cinquenta quilômetros por hora dormi até Coimbra. Chegamos a tempo de pegar a sopa na padaria ao lado do hotel e assistir a mais um jogo do Benfica.