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sábado, 15 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – QUARTA PARTE

(Pontes de Porto - arquivo pessoal)

Há quatro dias em Portugal, após visitar Coimbra, Fátima e Aveiro, a cidade do Porto intensificou a percepção das semelhanças existentes entre aquele país e o Brasil. Descendo as ladeiras rumo à cidade baixa, em meio a ruelas estreitas, entre moradias, observava as roupas penduradas nos varais em frente aos sobrados. No centro histórico de Salvador, pude observar este mesmo quadro. Peguei-me inúmeras vezes a racionalizar que estava fora do Brasil. A semelhança entre cidades dos dois países, iniciou-se em Coimbra, onde lembrei Porto Alegre, meu torrão natal, construída em 1772 por casais portugueses açorianos. A partir daí, passei a reconhecer ruas semelhantes à Rua da Praia. Malu comentou só agora entender o costume brasileiro de colocar pedras portuguesas nas ruas. Na livraria Lello encontrou livros que exibem a graça dos desenhos nas calçadas. Lá como cá e por influência destes colonizadores, as calçadas causam impacto pela beleza.
Cheguei a pensar que perderia a oportunidade de conhecer Porto, última cidade a visitar antes do retorno a Lisboa. O dia amanheceu com nuvens escuras prenunciando aguaceiro. A temperatura de treze graus também não ajudava, e despertamos em torno de nove horas. Mas Malu e eu estávamos decididos. Após o desjejum reforçado no hotel, compramos duas mochilas para melhor acomodar os pertences de mão e tomamos o trem bala. Em uma hora estávamos em Porto.
Ao chegar à cidade o dia frio e a chuva fina pareciam atrapalhar os planos.
Li que o melhor acesso ao centro era o metrô, o mais moderno do país. Seguimos para a estação, onde um jovem brasileiro de Governador Valadares, morador de Portugal, indicou onde comprar passagem. Só faltava encontrar o embarque no labirinto da estação da segunda cidade de Portugal e entender onde desembarcar. Buscava a rua Santa Catarina.
Malu resolveu abordar uma senhora de uns setenta anos, dona Dinamérica. Esta senhora, acompanhada da irmã, explicou que deveríamos descer na estação Bolhões, mesmo caminho delas, bastava segui-las. O cuidado dela se manifestava a todo momento ao olhar para trás, certificando-se que a seguíamos. Além de indicar a estação, desceu conosco, alegando que compraria crédito para o telemóvel, denominação do celular.
A rua Santa Catarina é extensa e após caminhar algumas quadras, procuramos local onde almoçar. Ao perceber o shopping Via Catarina, reconheci o lugar ideal para refeição rápida. Seguimos à praça da alimentação, igual às outras do mundo. A diferença entre as lojas que conhecemos, são as grifes, marcas européias afastadas do Brasil pela arraigada cultura às novidades americanas. O almoço no restaurante da venezuelana Guadalupe foi o tradicional e conhecido frango com salada pois confesso que Malu e eu não tivemos coragem de comer Tripas à Moda do Porto, prato típico da cidade, indicado pela gerente do hotel. Quem sabe da próxima vez, experimentamos. A dona, sempre com bom humor, ao ver o garçom dançar fado em meio às mesas, disse adorar o povo português, “pela gaiatice e sorriso fácil.”
À tarde dedicamos visita aos monumentos, igrejas, museus e, como não poderia deixar de ser, a livraria Lello, local ímpar pela arquitetura e cuidado na conservação de obras históricas. No passeio por entre as estantes percebi a fama da casa. Folheei livros das conquistas portuguesas e conheci parte das orientações dadas aos navegadores, incluindo Cabral ao partir para conquistar terras brasileiras. Mas o tempo era curto e logo saímos. Malu pagou os livros em euros, a livraria não recebe cheques nem de Portugal, não aceita cartão e não emite nota fiscal, nem recibo de vendas. Senti-me em casa.
A cidade do Porto é banhada pelo Rio Douro, que abriga inúmeras pontes e um teleférico e é por isto conhecida como Cidade das Pontes, cada qual mais bonita. Uma delas possibilita a entrada e saída dos trens à cidade, a grande altura.
Para chegar à margem do Rio Douro seguimos um caminho em ziguezague de ruas estreitas e prédios antigos que lembram as favelas do Rio de Janeiro. Roupas estendidas nos varais das janelas e prédios coloridos emprestam um aspecto mundano e ao mesmo tempo cultural. A região é tombada pela UNESCO e mostra a preocupação pela memória da primeira capital de Portugal e ponto de partida dos grandes navegadores. O povo se orgulha de Infante Don Henrique, um dos filhos mais ilustres.
Ao avistarmos o Rio Douro, lembrei de Porto Alegre e fiquei pensando na nostalgia que os fundadores açorianos experimentaram quando, as margens do rio Guaíba, fixaram a pedra fundamental da capital. Penso que olhar o rio gaúcho, os remetia ao distante quinhão natal, hoje distante nove horas de avião, na época, quarenta e cinco dias em caravelas. Realmente estafante, mas melhor espaço do que entre os bancos da classe econômica.
Malu e eu margeamos o Rio Douro e avistamos um prédio monumental do outro lado, no topo do morro. De construção antiga numa das pontas e na continuidade com muros altos, que não pareciam da mesma obra. Aguçou a curiosidade e aproximei de dois portugueses que discutiam em altos brados defendendo os times do coração. Antes que pudessem reclamar da intromissão, tasquei a pergunta sobre os prédios. Um deles me olhou vermelho, irado da discussão e mirando nos meus olhos, de frente para o antagonista, falou, “aquilo é o Mosteiro da Serra do Pilar, oh! raios”. Ainda insatisfeito, perguntei, “e os muros altos?” e a resposta “um quartel”. Pronto, estava respondido, agradeci e complementei “podem continuar a discussão”. Não testemunhei, mas percebi que a pergunta não aplacou a contenda.
Sair da cidade baixa para a alta foi penoso, estávamos exaustos de caminhar e a subida íngreme, obrigou descansar diversas vezes. Numa das paradas entrei num café e tomei um espresso. Aproveitamos para refletir sobre a angústia de estar longe da terra natal e como afeta pessoas em turismo solitário. Pior quando em país de língua diferente.
Neste dia descobri que azeite de oliva português é forte mesmo. Bom remédio para prisão de ventre.
Talvez o retorno da viagem tenha sido o mais tranquilo do período turístico em Portugal. O cansaço nos prostrou na poltrona do trem-bala e dormirmos ao chacoalhar da carruagem.
Na estação Coimbra – 2, local de baldeação obrigatória entre comboios, embalados pelos acontecimentos de cada dia, cantarolei uma valsa e Malu e eu dançamos assistidos por passageiros curiosos que talvez pensassem “de onde será o casal?”.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – PRIMEIRA PARTE



( Foto : arquivo pessoal)







Quando planejei viajar, tinha expectativas preconcebidas. A primeira delas seria a de encontrar um povo taciturno, fechado e preocupado com o futuro. Esperava ouvir falar da economia à bancarrota, o povo triste e desacostumado a altos e baixos financeiros, sem entender a gravidade da situação. Julgava-me privilegiado por morar em país de grandes dimensões, com diversidade de clima e miscigenação de povos. Convivência com descendentes de portugueses, italianos, alemães, franceses e por aí vai.
Logo ao descer no aeroporto, engoli meus preconceitos e na fila, ordenada para carimbar os passaportes, verifiquei a primeira diferença. Não havia furão. Uma senhora de uns sessenta anos, que tentava passar a frente alegando que procurava alguém, descoberta na mentira, foi convidada a passar ao final. A fila enorme, ordeiramente andava direcionada por fitas. Dois funcionários garantiam a ordem e a rapidez de modo que, apesar de grande, nunca parasse. Lá na frente, dez guichês da alfândega, atendiam rapidamente.
Constatei que desembarcara num país de primeiro mundo e que a diferença de idade dos povos marcava a evolução. Como conheço a Argentina e o Uruguai apenas e muito do Brasil, considero poucas alternativas para comparação, mas neste momento tive consciência do que encontraria pela frente.
E assim iniciei a aventura portuguesa, reparando nas diferenças e relacionando à cultura brasileira, arraigado na minha descendência italiana.
O planejamento da viagem a Coimbra esteve atrelado à apresentação
de um trabalho, pela namorada, na Conferência Iberoamericana - Europa de Educação em Enfermagem que ocorreu no período de 18 a 24 de setembro.
Entrar no Velho Continente por Portugal fazia parte de objetivos pessoais para ganhar experiência européia. Começar por país de língua irmã acrescenta valores para almejar novos horizontes. Nos demais países, pretendo fazer uso da língua espanhola, minha segunda língua, da qual faço um treinamento intensivo.
Como o período era curto, de 17 a 25 de setembro, o objetivo foi permanecer em Portugal e conhecer o povo, convivendo no dia a dia. Deixei de lado vários palpites de visitar outros países como Espanha ou Itália, pois faria coleção de fotos, mas pouca curtição, como acontece com as excursões.
No aeroporto nos esperava o ônibus do Congresso terceirizado para o Transfer de Lisboa até os hotéis indicados em Coimbra a cerca de 200 quilômetros da capital. Lá seria a sede das Conferências e das atividades turísticas programadas. O hotel escolhido, propiciou boa mobilidade. É localizado entre a estação de trem Coimbra - Parque e a rodoviária. O Confort Inn Almedina nos serviu plenamente neste aspecto.
Apesar de chegar ao hotel às 15h, após enfrentar 9 horas de avião de Brasília até Lisboa, esperar seis horas para o Transfer lotar com congressistas e mais três horas de viagem entre as cidades, foi largar a bagagem no hotel e sair para a primeira exploração em solo português. O hotel está perto do rio Mondego, o único rio português que nasce e acaba dentro de solo português. Descobrimos no primeiro dia, A Sé Velha de Coimbra, construção do século XII, portanto bem antes do descobrimento do Brasil, mandada executar pelo primeiro Rei de Portugal. Nesta Bastilha, o rei confiava aos monges que rezassem para que ele e seus guerreiros se saíssem bem nas batalhas empreendidas. Uma verdadeira fortaleza, como eram construídas as igrejas da época e talvez a única que não foi desfigurada pela ação de restaurações.
Por perto, muitas ruelas e vários becos que acabavam em espaços maiores aproveitados por barzinhos, cafeterias ou pastelarias. Outros com pequenos comércios como mercearias, tabacarias, açougues, lojas especializadas em todo tido de carne de porco, peixes, roupas, enfim todo tipo de comércio, davam um ar provinciano, mas aconchegante e intimista.
Andamos por estes espaços até cerca de dezenove horas, e, após breve sono de uma hora para recompor, fomos lanchar numa pastelaria e padaria onde finalmente experimentei o delicioso vinho português, o primeiro da série que durante estes dias, nos acompanharam como manjar a parte dos almoços, jantares e lanches.
Um enorme telão na pastelaria, repleta de torcedores, exibia um jogo de Benfica e Acadêmica, com vitória do Benfica por 4 a 1. A cada gol, gestos fanáticos dos torcedores, mas contidos, nem de longe lembravam os do Brasil.
Pude reparar nestes primeiros contatos que o português não explica muito às coisas, preferindo que tiremos as conclusões sobre o que queremos perguntar, antes de apresentar a questão. É comum no Brasil perguntarmos as coisas e esperarmos a resposta do outro, e depois irmos perguntando em cima daquilo que queremos saber. O informante português insiste que esmiucemos a pergunta. Por exemplo, narro o que aconteceu comigo numa estação de comboio (trem):
- Quanto custa a passagem para Lisboa? – pergunto ao atendente.
- Não sei – responde o rapaz.
- Como assim? – pergunto eu.
- Quantas pessoas são? Qual o horário? – Me responde, perguntando inquieto.
- Mas o que o horário tem a ver?
- O senhor me diz o horário que digo qual comboio faz este trajeto. Sem isto não tenho como lhe dar o preço. – Simples assim.
No Brasil, o atendente responderia com os preços dos vários tipos de trens e o cliente perguntaria até chegar a resposta que deseja.

A partir de Coimbra, de trem ou ônibus, conhecemos Aveiro, Fátima e a cidade do Porto, que farão parte das narrativas próximas.

Para terminar, selecionei um texto de um poeta português:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos” (Fernando Pessoa).