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terça-feira, 5 de abril de 2011

LUTO COMPULSÓRIO

(foto do blog Deus é fiel) Cedo naquela manhã de janeiro, Marlene saiu para buscar o filho Rodrigo. Recebera um telefonema anônimo às cinco horas informando que o viram entre os edifícios Carioca e Jesse Freire, no Setor Comercial Sul. Antes de sair preparou o café para Patrícia e Vitor que ainda dormiam e logo iriam a Universidade. Dirigiu até o local indicado, onde estacionou em frente ao Shopping Pátio Brasil. Ao aproximar-se sentiu um forte cheiro de urina e um enjôo queimou-lhe o estômago. Dos dois lados da rua, entre os edifícios, jovens perambulavam sem rumo como a procurar algo imaginário. Mais a frente, um grupo discutia em altos brados, distante uns dos outros, gritando frases desconexas. Em comum, pés descalços, calças amarrotadas, suor de noite mal dormida e um cheiro acre de carvão queimado. Os sem camisa, pareciam não sentir frio, apesar do vento a fustigar o corredor cinza entre os prédios. Esgueirou-se em meio aos edifícios, desviando de papéis e objetos jogados dos edifícios. Os containeres de lixo, abarrotados, pareciam elefantes paralisados. A cada grupo que aproximava parava e procurava em meio aos rostos desfigurados, o do filho. Eram jovens acocorados aspirando fumaça de cachimbos feitos com latas de cerveja. A lenta caminhada só acabou ao reconhecer a calça que Rodrigo saíra na noite anterior. Uma perna fina e a mão ossuda e não teve dúvida, era ele. Apertou o passo e, de mansinho, como que temendo assustá-lo abraçou-o junto ao peito como quando oferecia o seio na primeira refeição da manhã, ainda bebê. Tirou o casaco e cobriu o dorso nu daquele ser fraco como um moribundo. Na noite anterior, Rodrigo saíra apressado penteando os cabelos negros dentro do carro, agora estavam sujos e desalinhados. Marlene repara nas costelas a mostra do antes musculoso aluno da academia de musculação. Ergueu o filho nos braços, somando as forças que a natureza dá as mães nestas horas e correu para o carro. Reconheceu a necessidade de atendimento médico. Ao retornar entre os edifícios, não encontrou mais ninguém, como se tudo que vira fosse apenas um pesadelo. O dia nublado e as trovoadas eram prenúncios de chuva grossa. O barulho dos automóveis e o burburinho dos trabalhadores abafaram o choro baixo do menino no colo. Na primeira vez que o recolhera das ruas, sentira fraquejar as forças e só colocou no automóvel com ajuda. Agora, o garoto estava extremamente magro e a mulher o transportou com facilidade. Rodrigo usava drogas desde os 15 anos, mas só há pouco fora descoberto. O rapaz está com 25 anos. As sete horas chegou ao Hospital da Asa Norte, gritando por atendimento. Rodrigo continuava desfalecido nos braços da mãe passava por um surto de uso de drogas. Estava em coma. Marlene reconhece que o filho não é único e está disposta a ajudá-lo e a quem mais necessite, neste caminho de busca da sanidade. Só espera que, no caso do filho, se conscientize. As seqüelas são irreversíveis e quanto mais cedo deixar o vício, mais chance terá de recuperar. O trabalho de Marlene para retirar das ruas jovens prisioneiros do vicio é arriscado mas compensador. Ela sabe que não é só o filho a precisar de ajuda. Diz que usa armas que incontestáveis: “amor no coração e afeto ao próximo” e complementa, “com estas ferramentas, nem traficante pode”. Pelo marido, viciado em álcool, diz não ter muito que fazer, “depende dele a vontade de parar (com a bebida) e fazer um tratamento”. “Filho é do meu sangue e devo cuidar”. O homem sabe o caminho, freqüenta os Alcoólatras Anônimos e está consciente da doença, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde. Marlene assume que para ajudar alguém, seja consangüíneo ou não, há que primeiro se ajudar. E cita o exemplo da Comissária de Bordo, que instrui os passageiros para o caso da despressurização da cabine. “Quando as máscaras de oxigênio caem, coloque primeiro a sua e depois ajude a quem tem dificuldade.” Ela é mais uma na infinidade de mães e pais que acompanham seus filhos na difícil jornada da recuperação das drogas. Freqüenta grupos de apoio e entende que a melhor forma de passar por seus lutos compulsórios é a prestação de serviços a comunidade. Pelo menos duas vezes por semana, dá palestras e participa de grupos de auto-ajuda. A mulher conseguiu uma legião de destemidos guardiães da vida. Nas noites de Brasília podem ser vistos rondando os locais de uso, as cracolândias, armados até os dentes com as armas que dominam: “abraços e beijos, coisa que mais falta ao usuário de drogas.”

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