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sábado, 2 de agosto de 2014

DIFÍCIL É DIZER NÃO

(Google Imagens)
A casa de Graça pouco mudou nestes anos todos. Reconheci as roseiras e o enorme pé de cinamomo, envelhecido pelo tempo. Na frente a varanda com duas cadeiras. Conheci a dona da casa há mais ou menos quarenta anos, quando aos finais de semana visitava minha tia levado pela vó. Normalmente eram domingos e molhava as plantas enquanto a mãe podava os arbustos. Do quintal da casa da tia, a olhava escondido atrás da árvore, enquanto as mulheres da casa tagarelavam na sala. Passava tardes inteiras a espreita atrás do pé de cinamomo. Ela sabia e eu não fazia a mínima questão de disfarçar. Escondia para fugir das brincadeiras dos primos, caso percebessem a espreita.
 Um dia, acredito que contávamos com cerca de vinte anos, aproveitei a festa na casa dela, criei coragem e resolvi falar sobre as intenções secretas pela primeira vez.
– Graça, vou confessar algo sério  – estava muito, mas muito mesmo, encabulado – quero namorar contigo.
Dado o inusitado da declaração, riu e desconversou, pensou ser uma  brincadeira. Como insisti, desfiou para mim a resposta difícil de ouvir, com a costumeira doçura que me cativara.
– Não posso namorar contigo Armandinho, tenho namorado. Está na cozinha, preparando o jantar. – A resposta era definitiva e Graça virou nos calcanhares, para retornar a casa. Na verdade esperava confirmação como resposta. Nunca a rejeição dura e triste. Insisti.
– Não tem problema, termina o namoro com ele e fica comigo. Gosto de ti e tenha certeza, não arrependerás.
– Sinto te desapontar, mas não posso aceitar – e entrou em casa, fechando a porta atrás de si, me deixando a sós na pequena varanda. Lá dentro, Roberto Carlos cantava uma melodia romântica.
Diante da negativa categórica, só restou virar as costas e sair dali. Nunca mais nos vimos.
Passaram-se quarenta anos e novamente estou em frente da casa de Graça. Olhei o prédio onde havia a residência da tia. Um prédio envidraçado foi erguido no terreno. Imaginei as árvores sendo derrubadas feridas de morte por serras elétricas. Identifiquei o único cinamomo que sobrara. Era o que me escondia enquanto admirava Graça no quintal.
Na casa dela, alguém plantava orquídeas. Parei o carro em frente e observei. Não tive dúvidas, era ela. O jeito de menina, o cabelo curto. Criei coragem.
– Olá Graça, Tudo bem? – Falei firme, demonstrando o contentamento em vê-la – Lembra de mim? – Pelo semblante, não. Vasculhava na memória algum indício, algum movimento conhecido. Seu rosto se iluminou de repente  e pegou meu entre as mãos.
– Claro Armandinho. Continuas querido. – Percebi sinceridade no comentário.
Falamos sobre fatos da época, sobre casamentos, filhos, enfim, momentos de atualização de nossas vidas. Em determinado instante ficamos sérios.  Me olhava esperando. Pressenti o que seria.
– Recorda o dia que te pedi em namoro, Graça? – Rimos bom tempo. Ficarmos em silêncio. Peguei a tesoura de sua mão, cortei uma rosa e lhe ofereci. Olhamo-nos para ler pensamentos.
– Claro – Ficou pensativa, como a escolher palavras – Aquela negativa foi a única na vida que arrependo até hoje.

Ao ouvir histórias, o narrador se sente cativado pela infinidade de variáveis que incidem na trajetória de uma vida. São bifurcações que funcionam como a construção da obra em que a colocação a mais ou a menos de um tijolo, modifica tudo.

2 comentários:

  1. Bom dia! Adorei o conto!

    Leve....sutil...e nos faz refletir sobre os encontros & desencontros que esta vida nos proporciona.

    Um abraço à você.

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  2. Obrigado, Lilian. Estamos sujeitos a tantas variáveis que algumas vezes é difícil tomar uma decisão.

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