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sábado, 26 de janeiro de 2013

LUTA E PAIXÃO

(Google-Imagens)

Na década de sessenta, o bairro da Tristeza em Porto Alegre tinha estacionamento de sobra, não existiam azuizinhos nem parquímetros e o compromisso de namoro começava a partir da primeira pegada na mão da guria. Os dias eram longos e quando a meninada queixava, aparecia algum adulto e mandava comprar meio quilo de pão no armazém Veranópolis, da Wenceslau Escobar. E foi assim, que numa tarde de primavera em que o sol se derramava pela grama do quintal que conheci o significado real do amor.
                        Éramos um grupo de amigos inseparáveis. Guris e gurias, crescidos juntos, como irmãos, desde os cinco, seis anos de idade. Brincávamos sem maldade, sem cobiça, pulando cordas, andando de bicicletas, pescando na orla do Guaíba ou empoleirados em trilhas aéreas montadas nas matas nativas. Nossos pais trabalhavam no centro da cidade e deixavam a gurizada nas mãos dos avós que, atordoados, se desdobravam a fazer bolinhos e doces para enriquecer as proteínas do café das cinco. Assim ficávamos entretidos e esquecíamos as brincadeiras na beira do Guaíba, preocupação crescente dos pais.
                        As manhãs eram ocupadas pela ida a escola e a tarde, após as horas obrigatórias dedicadas aos deveres de casa do Grupo Escolar Três de Outubro, partíamos para brincadeiras das quais participavam garotos e garotas. Vez por outra, entrávamos em crise e as isolávamos. Logo nos arrependíamos. As brincadeiras inventadas pelas meninas, eram mais animadas.
                        Assim crescíamos, éramos vizinhos, irmãos, amigos.
                        Mas a infância foi embora. A adolescência chegou com as primeiras penugens no rosto dos meninos e o uso de pinturas nas faces e cabelos em rabos de cavalo pelas meninas. Os primeiros sinais de seios apontavam por debaixo das camisetas.  Vieram os primeiros bailes no Tristezense e Clube Comercial. Misturávamos Coca-Cola com rum e tomávamos Cuba Libre (mais Coca-Cola menos rum) e curtíamos reuniões dançantes ao ritmo de YE-YE-YE.
                        Assim, ela e eu crescemos. Ela pouco mais velha, 16 e eu 14 anos. Aos poucos tornou-se a musa platônica. Curtir aquela paixão adolescente e solitária me satisfazia. Nunca teria coragem de me declarar. O irmão dela, um grande amigo. Morávamos em casas de frente. Ao ficarmos a sós, sentia-me pouco a vontade, inseguro, tremia sem assunto. Hoje até penso que ela pressentia o desassossego. Certo dia aconteceu o princípio do fim da inocência. Eram cerca de cinco da tarde. Estávamos sós no quintal da casa dela onde costumávamos brincar de lutas, nas quais nunca houve vencedores, apenas micuins da grama coçando o corpo. Não havia malícia nas lutas. Era apenas uma etapa a preencher o longo dia de brincadeiras. Nesta tarde, não a deixei vencer. De repente, como tudo que acontece na vida, um golpe viril, inexplicável, mas com delicadeza, deitei-a na grama e imobilizei. Os rostos distantes dez centímetros um do outro.  O tempo que passamos assim, não consigo precisar. Bastaram alguns minutos e estabeleceu-se a cumplicidade.
                        Nenhum de nós queria apartar. O corpo dela, aquecido junto ao meu retorcia na luta entre afastar e manter onde estava. Nossos ventres em fogo me desconcertava e ali, naquele instante infinito, congelei o tempo e perdi a vontade de levantar. Ficaríamos assim eternamente, não surgisse a mãe dela no jardim. Levantei rapidamente, bati a grama que grudara nas pernas e, deixando-a livre, corri para casa. Entrei no quarto, chaveei a porta e pulei na cama de bruços, o coração na boca, os braços dobrados por baixo do corpo. Desconhecia porque estava assim. No peito um vulcão me consumia.
                        Fiquei inerte, prostrado. Alguém bateu à porta. Era ela. Demonstrava preocupação. Perguntou o que houve. Não abri. “Machucou?”. Fiquei em silêncio esperando que fosse embora. Sentia-me fraco, sem forças. Seu perfume me inundava e por mais que quisesse levantar da cama, o corpo desobedecia. Na verdade, esperava que o turbilhão que assolava meu interior, permanecesse indefinidamente. Nada se comparava aquilo e desejava curtir cada segundo. Respondi com a voz rouca, tremida, baixa. “Hein?” Fraquejei. A voz calava antes de sair. Ela exigia resposta. Gritei forte, rude, secamente “nada, não aconteceu nada”. E esperei que me deixasse só, livre para sonhar.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

FÉRIAS

(Porto Alegre-Arquivo pessoal)

 Estive de férias. Estava desaparecido do convívio por 15 dias a partir do ano novo. Não necessito avisar chefe, pedir licença, ser substituído. Estou em fase de vida que decido, junto com o bolso, onde tirar férias. Algumas vezes fico quieto e assim, curto a casa. Aí, alivio as tarefas, não compareço a reuniões, falto a compromissos. Em férias se fica de papo pro ar.
Fui ao Rio Grande do Sul e lá, curti a praia de Cidreira, que apresentava, como sempre, água turva e ondas bravas como, aliás, todo o mar do estado gaúcho. Na entrada da maturidade, ao decidir veranear, excursionava com amigos em Santa Catarina, onde o mar, na maioria das praias, é azul e manso. Eram estradas livres, com pista simples, onde tínhamos cuidado com curvas traiçoeiras que não impediam as viagens, eventos divertidíssimos desde a saída até a volta apesar de exaustos.
(Brasília-Arquivo pessoal)
Porto Alegre em janeiro e fevereiro é tudo de bom. A cidade fica com trânsito leve e a balbúrdia ao longo do ano é amortecida consideravelmente pela evasão dos carros rumo às praias. De acordo com estatísticas, dos cerca de 10 milhões de gaúchos no estado, quatro milhões se deslocam ao litoral. Imaginem as cidades que de hora para outra, triplicam suas populações. Porto Alegre pelo contrário, há fartura. Vagas em estacionamento, lugares nos restaurantes, pistas livres, enfim a cidade fica entregue aos turistas que, como eu, curtem as facilidades da capital.
Pude curtir por do sol e comparei ao de Brasília. Os candangos, assim como os porto alegrenses, possuem lindo espetáculo. A diferença é que na capital gaúcha há mais locais para assistir. Pode-se escolher a vontade, desde a Usina do Gasômetro até o Barrashoping, a orla da Vila Assunção, Ipanema e por aí vai. A beira do rio é livre e se passeia sem transtornos. O caminho da orla proporciona passeio tranquilo com vista do astro rei se pondo magnífico do centro a Zona Sul.
(Brasilia-Google Imagens)
Na capital candanga, o por do sol na maioria dos locais está restrito a residências que invadiram a beleza natural na orla do lago Paranoá. Há mansões de três andares que eliminam a chance da boa vista ou foto. Identifiquei poucos pontos de acesso a beira do lago. A ponte JK, O Píer 21, O Pontão e a Ermida Dom Bosco são alguns, nos Clubes o evento é cativo dos associados. Mas porque preocupar com o sol, se há casarões dignos de fotos? Dirão alguns. Particularmente julgo a natureza bem mais importante e fotogênica do que qualquer edificação.
Para ilustrar o que digo, coloquei algumas fotos. Até as ciclovias que iriam margear o lago Paranoá, não saíram do papel, há cercas e muros que entram lago a dentro e impedem o livre trânsito na orla.
Porto Alegre conseguiu se adiantar a esta exploração imobiliária e proporciona a liberdade do passeio de carro, banhado pelos raios amarelados do anoitecer. Felicito os gaúchos que sorvem chimarrão a beira do Guaíba ao entardecer.  Enquanto isto torço pelos brasilienses. Torço por um político corajoso que liberte o por do sol, reeditando o projeto das ciclovias na beira do lago Paranoá, com bancos para a população.
O sol e o romantismo agradecem.
(Porto Alegre-Arquivo pessoal)
Feliz 2013 a todos.