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domingo, 22 de setembro de 2013

JESUS DO MARANHÃO

(Por do sol de São Luís-MA-arquivo pessoal)
Jesus este ano completa 50. Nasceu em Barreirinhas e é garçom em uma barraca à beira mar na praia do Calhau em São Luís do Maranhão. De família pobre, esqueceu da infância. Lembra apenas o trabalho duro como ambulante ajudando o pai pescador, suando a camisa para o ganha-pão. Conheceu Severina aos treze, vizinha de escassez na mesma periferia ribeirinha. Por desconhecerem meios de prevenção, engravidaram na recém-saída infância. Passaram a viver na casa de palafitas dos pais da moça. Com o nascimento do primeiro filho se mudaram para a casa de fundos e, se a fome entre dois  teimava em rondar o fogão, entre três, piorou. E como a diversão era pouca e o trabalho muito, a cada ano mais um filho brotava do ventre da mulher. Quando veio o sexto, o doutor ligou as trompas de Severina e Jesus, sufocado pela fome e pelas dificuldades, avisou à mulher que tentaria a vida na capital. Arrumou três sacolas de supermercado com roupas e tomou carona de carroça para São Luís.
Antes de garçom na barraca no Calhau, Jesus foi guia nos Lençóis Maranhenses, de onde trouxe opinião bem pessoal. Afirma que o turista dos Lençóis enfrenta inúmeras dificuldades, principalmente por receber informações insuficientes. A maioria chega ao local, sem saber que as dunas de areia, patrimônio turístico do estado, distam da capital mais de 300 km. Com esta distância, se perde metade do dia na ida e outra metade na volta, esticando a estada a no mínimo três dias, para conhecer os locais indicados pelos guias. Para hospedagem, o lugar conta com confortável estrutura hoteleira, mas Jesus adverte sobre os passeios turísticos que exigem um bom preparo físico. Por acontecerem em enormes dunas, castigadas por sol escaldante, assistiu a inúmeros turistas desavisados padecerem com severas queimaduras solares por falta de cuidados adequados e ajudou muitos outros, extenuados por longas caminhadas nas matas. O local é paradisíaco, sem dúvida, mas há necessidade de informações claras sobre as condições adversas, principalmente aos idosos.
Jesus admite que perdeu o pique para ser guia nos Lençóis. Prefere atender turistas nas barracas da praia do Calhau. Assim ajuda no sustento da mulher e filhos que vivem na pequena cidade do interior. “Enfrentar aquela mormaceira dos Lençóis o dia inteiro é complicado”, avisa.
Em Barreirinhas, Jesus deixou Severina e os filhos, já  habituados a viver longe do pai. “Filho precisa do pai somente quando pequeno, após certa idade deve dar conta da vida”, ensina. O mais velho mora com ele e ajuda no atendimento às mesas. Todo final de semana envia parte do salário para o sustento da família. A mulher aceita o que recebe sem reclamar e ele a visita uma vez por mês. “Somos unidos, seu moço, ela precisa morar lá por causa da moradia. Em São Luís tudo é caro e homem sozinho vive em qualquer cantinho”.
Jesus também é milagreiro. Com tantas bocas para alimentar, arruma tempo e dinheiro para dar assistência a “cambalacho”, a segunda mulher, com quem tem “um filho por fora”, o José de Arimatéia. “Eu e ela somos amigos”, explica.
“Olha o por do sol, moço” – aponta encerrando a conversa, saindo rapidamente para pegar o troco.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A CORRIDA

(Google Imagens)
Num domingo de sol, em plena primavera seca da capital federal, Carmem corre no Parque da Cidade, movida pela vontade de participar da São Silvestre em São Paulo. O suor morno da moça, perfumado por adocicada fragrância encanta jovens que esbanjam vigor físico e energia. Com cabelos negros e tez morena, é logo percebida pelos corredores.
- Cansou? – Comenta um jovem sorridente de moletom vermelho que reconhece ser Tiago. Ensopado de suor emparelha com a moça, reajustando a velocidade a dela.
Haviam se conhecido durante o doutorado na Universidade de Sorbonne em Paris. Alugar apartamento de um quarto os levou a vida de casados e se mostrou péssima solução para ela. Tiago quis seguir a mesma convivência no Brasil, mas Carmem o conscientizou que aquela solução valia apenas para aquele período e cada qual seguiu vida própria. Agora, passados quatro anos, Carmem é funcionária de multinacional e Tiago, sem objetivos, está desempregado e leva a vida as custas da mãe aposentada.
- Cansei nada. Treino para a maratona de final de ano. O que menos  interessa é a velocidade e sim a resistência. – A moça conhecia a vida desventurada do rapaz. Sentiu-se insatisfeita com o encontro.
A vida com Tiago em Paris se tornara catástrofe emocional e serviu de  experiência a moça. O rapaz era impetuoso, pleno de ambições e iniciativas, que logo arrefeciam, dando lugar a uma tristeza profunda. No segundo mês do curso que durou dois anos, a mãe dele chegou ao minúsculo apartamento e ali completou o tempo com eles.  A convivência só se manteve porque Carmem evitava encontrá-la. A sogra, mulher extremamente metódica, se ocupava com atividades fora de casa, corrida matutina, academia, passeios pela cidade e outras que Carmem desconhecia e nem se interessava. Conhecer os horários da mulher, ajudou-a a regular o próprio tempo e retornar  em horários diferentes. O filho, alheio a tudo, vivia feliz no mundo da mãe.
- Soube que casou. – emendou o rapaz tentando engatar conversa, após silêncio dos cinco minutos iniciais.
- Sim, com Maurício, o biólogo, lembra?   – Retrucou a moça com mau humor. – Tenho um menino de dois anos.
- Aquele babaca? Por isso nos visitava diariamente. Pleno de atenções com você.
Tiago recordava de Maurício. Um francês com cabelo amarrado em rabo de cavalo que, mesmo com namorada dava em cima de Carmem. Conclui que foi péssimo abordá-la no Parque.
O silêncio teima em pairar entre eles. A moça recorda claramente da implicância do rapaz com Maurício e deseja que vá embora de sua vida. Considera que a aproximação dela com o marido só aconteceu para confidenciar escapadas de Tiago, ajudado pela mãe.
Ao olhar para o lado, o rapaz percebe a grama seca, onde ciscam pardais levantando poeira densa. O Ipê amarelo a exibir a florada exuberante, é ignorado por ele. A corrida o extenua e o fôlego arrefece. A jovem percebe.
- Bem, até mais, boa sorte. – Carmem aperta a corrida. Ele pára e agacha arfante. Ela segue em frente, busca o preparo para acompanhar Maurício na São Silvestre.