(Pontes de Porto - arquivo pessoal)
Há quatro dias em Portugal, após visitar Coimbra, Fátima e Aveiro, a cidade do Porto intensificou a percepção das semelhanças existentes entre aquele país e o Brasil. Descendo as ladeiras rumo à cidade baixa, em meio a ruelas estreitas, entre moradias, observava as roupas penduradas nos varais em frente aos sobrados. No centro histórico de Salvador, pude observar este mesmo quadro. Peguei-me inúmeras vezes a racionalizar que estava fora do Brasil. A semelhança entre cidades dos dois países, iniciou-se em Coimbra, onde lembrei Porto Alegre, meu torrão natal, construída em 1772 por casais portugueses açorianos. A partir daí, passei a reconhecer ruas semelhantes à Rua da Praia. Malu comentou só agora entender o costume brasileiro de colocar pedras portuguesas nas ruas. Na livraria Lello encontrou livros que exibem a graça dos desenhos nas calçadas. Lá como cá e por influência destes colonizadores, as calçadas causam impacto pela beleza.
Cheguei a pensar que perderia a oportunidade de conhecer Porto, última cidade a visitar antes do retorno a Lisboa. O dia amanheceu com nuvens escuras prenunciando aguaceiro. A temperatura de treze graus também não ajudava, e despertamos em torno de nove horas. Mas Malu e eu estávamos decididos. Após o desjejum reforçado no hotel, compramos duas mochilas para melhor acomodar os pertences de mão e tomamos o trem bala. Em uma hora estávamos em Porto.
Ao chegar à cidade o dia frio e a chuva fina pareciam atrapalhar os planos.
Li que o melhor acesso ao centro era o metrô, o mais moderno do país. Seguimos para a estação, onde um jovem brasileiro de Governador Valadares, morador de Portugal, indicou onde comprar passagem. Só faltava encontrar o embarque no labirinto da estação da segunda cidade de Portugal e entender onde desembarcar. Buscava a rua Santa Catarina.
Malu resolveu abordar uma senhora de uns setenta anos, dona Dinamérica. Esta senhora, acompanhada da irmã, explicou que deveríamos descer na estação Bolhões, mesmo caminho delas, bastava segui-las. O cuidado dela se manifestava a todo momento ao olhar para trás, certificando-se que a seguíamos. Além de indicar a estação, desceu conosco, alegando que compraria crédito para o telemóvel, denominação do celular.
A rua Santa Catarina é extensa e após caminhar algumas quadras, procuramos local onde almoçar. Ao perceber o shopping Via Catarina, reconheci o lugar ideal para refeição rápida. Seguimos à praça da alimentação, igual às outras do mundo. A diferença entre as lojas que conhecemos, são as grifes, marcas européias afastadas do Brasil pela arraigada cultura às novidades americanas. O almoço no restaurante da venezuelana Guadalupe foi o tradicional e conhecido frango com salada pois confesso que Malu e eu não tivemos coragem de comer Tripas à Moda do Porto, prato típico da cidade, indicado pela gerente do hotel. Quem sabe da próxima vez, experimentamos. A dona, sempre com bom humor, ao ver o garçom dançar fado em meio às mesas, disse adorar o povo português, “pela gaiatice e sorriso fácil.”
À tarde dedicamos visita aos monumentos, igrejas, museus e, como não poderia deixar de ser, a livraria Lello, local ímpar pela arquitetura e cuidado na conservação de obras históricas. No passeio por entre as estantes percebi a fama da casa. Folheei livros das conquistas portuguesas e conheci parte das orientações dadas aos navegadores, incluindo Cabral ao partir para conquistar terras brasileiras. Mas o tempo era curto e logo saímos. Malu pagou os livros em euros, a livraria não recebe cheques nem de Portugal, não aceita cartão e não emite nota fiscal, nem recibo de vendas. Senti-me em casa.
A cidade do Porto é banhada pelo Rio Douro, que abriga inúmeras pontes e um teleférico e é por isto conhecida como Cidade das Pontes, cada qual mais bonita. Uma delas possibilita a entrada e saída dos trens à cidade, a grande altura.
Para chegar à margem do Rio Douro seguimos um caminho em ziguezague de ruas estreitas e prédios antigos que lembram as favelas do Rio de Janeiro. Roupas estendidas nos varais das janelas e prédios coloridos emprestam um aspecto mundano e ao mesmo tempo cultural. A região é tombada pela UNESCO e mostra a preocupação pela memória da primeira capital de Portugal e ponto de partida dos grandes navegadores. O povo se orgulha de Infante Don Henrique, um dos filhos mais ilustres.
Ao avistarmos o Rio Douro, lembrei de Porto Alegre e fiquei pensando na nostalgia que os fundadores açorianos experimentaram quando, as margens do rio Guaíba, fixaram a pedra fundamental da capital. Penso que olhar o rio gaúcho, os remetia ao distante quinhão natal, hoje distante nove horas de avião, na época, quarenta e cinco dias em caravelas. Realmente estafante, mas melhor espaço do que entre os bancos da classe econômica.
Malu e eu margeamos o Rio Douro e avistamos um prédio monumental do outro lado, no topo do morro. De construção antiga numa das pontas e na continuidade com muros altos, que não pareciam da mesma obra. Aguçou a curiosidade e aproximei de dois portugueses que discutiam em altos brados defendendo os times do coração. Antes que pudessem reclamar da intromissão, tasquei a pergunta sobre os prédios. Um deles me olhou vermelho, irado da discussão e mirando nos meus olhos, de frente para o antagonista, falou, “aquilo é o Mosteiro da Serra do Pilar, oh! raios”. Ainda insatisfeito, perguntei, “e os muros altos?” e a resposta “um quartel”. Pronto, estava respondido, agradeci e complementei “podem continuar a discussão”. Não testemunhei, mas percebi que a pergunta não aplacou a contenda.
Sair da cidade baixa para a alta foi penoso, estávamos exaustos de caminhar e a subida íngreme, obrigou descansar diversas vezes. Numa das paradas entrei num café e tomei um espresso. Aproveitamos para refletir sobre a angústia de estar longe da terra natal e como afeta pessoas em turismo solitário. Pior quando em país de língua diferente.
Neste dia descobri que azeite de oliva português é forte mesmo. Bom remédio para prisão de ventre.
Talvez o retorno da viagem tenha sido o mais tranquilo do período turístico em Portugal. O cansaço nos prostrou na poltrona do trem-bala e dormirmos ao chacoalhar da carruagem.
Na estação Coimbra – 2, local de baldeação obrigatória entre comboios, embalados pelos acontecimentos de cada dia, cantarolei uma valsa e Malu e eu dançamos assistidos por passageiros curiosos que talvez pensassem “de onde será o casal?”.
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