LEIA TAMBÉM:"ARQUIVO" e "PÁGINAS"

Dificuldades para comentar? Envie para o email : marcotlin@gmail.com
****************************************************

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

COPACABANA NÃO ME ENGANA

(Google - Imagens)
Avistei o Rio pela primeira vez em tarde de domingo ensolarado de verão escaldante. Enquanto o Electra da Varig sobrevoava a cidade, percebi aquela que até então só conhecia em postais. Copacabana. Janeiro de 1978. Lá participaria de curso em Jacarepaguá por um mês.
No táxi falei orgulhoso ao motorista: “Copacabana”.
Hospedei-me no hotel Miramar, imponente, no Posto 6. Abri a janela da suíte do oitavo andar e a imagem de postal gravou na minha mente o oceano e o céu, que azuis encostavam-se no infinito. Na praia outro mar, de banhistas. O cheiro da maresia me renovou. Precisava misturar-me às pessoas. Vesti roupa leve e almocei no primeiro restaurante à beira-mar. Pedi badejo ao molho de camarão e vinho, e observei o movimento, encantado pelas belezas naturais.
No calçadão o andar vagaroso de jovens na paquera. Na areia um show à parte. Jovens praticavam esportes enquanto as mulheres exibiam corpos esculturais em reduzidos maiôs. Tirei os sapatos e desci à areia e, mesmo com roupas de turista, estava entrosado. Em Copacabana cada um é dono do próprio nariz, ali não há preconceito. O tempo passa preguiçoso, retardando o anoitecer. À meia-noite, ainda inebriado por tudo, caminhava em meio a turistas estrangeiros, no calçadão. Esta é minha visão do bairro carioca.
Outro dia, almoçando com uma amiga recém chegada do Rio, ouvi  a versão do século XXI daquela Copacabana. A conversa segue solta em meio a salmão com alcaparras e vinho argentino. O assunto é o  bairro nos anos setenta.
Ela atualiza falando da experiência recente.
- Andando no calçadão, percebi os velhinhos de Copacabana. Parece estranho falar assim, mas a quantidade de idosos sem a menor reação aparente que vi, me impressionaram.
Recitei Rubem Braga, na crônica “Ai de Ti Copacabana”:
- “Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e destes risadas ébrias e vãs no seio da noite.” – acrescentei – é hoje o bairro com maior número de idosos do Brasil. Um terço da população do bairro é formada por gente acima de sessenta anos.
Ela continua:
- Há algum tempo li que Copacabana era o local onde os velhos tinham a melhor qualidade de vida do país. Se não me engano, do mundo. Acredito nisso na medida em que esses velhos, de uma forma ou de outra, estão inseridos na vida cotidiana da cidade, talvez mais que em outros lugares. Tomam sol, andam muito, bebem chope geladinho, muitas vezes tendo como parceiros os próprios cuidadores, falam com todo mundo, etc.
Comento sem convicção:
- Quem sabe, vez por outra, encaram a jovem garota que passa à frente.
Ela ri, e continuo:
- Podem frequentar ali por anos. Um dia não perceberão mais a diferença sutil entre a vida e a morte... Olha que coisa maravilhosa pensar que está em Copacabana, cheio de energia e acordar em outras “plagas” como diz no sul.
A amiga toma um gole de vinho, fica pensativa e continua:
- Sempre tive a impressão que os velhos de Copacabana sabiam celebrar a vida até o último instante.
Sirvo vinho para nós dois e comento:
- Lembra do Niemeyer? Na verdade se agarram à vida mesmo que por um fio, querendo usufruir até o último instante da delícia que é viver em Copacabana. O vai e vem nunca acaba e mesmo velha e tosca ainda tem majestade nas areias, calçadão e avenida congestionada. Dos velhos, os olhos pouco enxergam e os ouvidos pouco ouvem, pois conhecem cada centímetro daquele lugar. Ouvem e veem o que interessa. A natureza se encarrega de filtrar o desnecessário
Esvazia a taça e continua, sem prestar atenção ao que falei:
- Mas então, algo diferente passou pela minha cabeça, me flagrei pensando se ali já não era o céu e de repente pensei ser eu a intrusa de Copacabana. Assolou-me a sensação estranha de solidão, tristeza e melancolia.
Nessa hora, cita Caetano Veloso: - Como já dizia o seu ídolo: "O mundo em Copacabana. Tudo em Copacabana, Copacabana. O mundo explode longe, muito longe. O sol responde. O tempo esconde. O vento espalha. E as migalhas caem todas sobre Copacabana, me engana."
Copacabana está, assim como seus velhos, agarrada em um frágil fio de glamour. Um dia Princesinha do Mar, hoje Rainha aposentada. Minha amiga desconhece, mas longe de ser intrusa foi observada pelo rabo de olho de algum velhinho de Copacabana, como colírio para um olhinho embaçado.

domingo, 18 de agosto de 2013

ENCONTRO

(Google-Imagens)
“Bela, suave, olhos castanhos e o jeito de menina que me cativou imediatamente.” O momento exato da ocorrência do amor é dos maiores mistérios da humanidade. Na rua, no ônibus. No sinal de trânsito fechado ao ver o carro ao lado. Em instantes, tudo é observado, o olhar, o sorriso, o movimento de cabelos. Pronto, aconteceu. Nasceram um para o outro. Conforme os poetas, em coração aberto o amor entra sem bater.
Assim acontece com o jovem da história. Ela na parada de ônibus do SESC da 505 sul entrando em um taxi e ele preso no engarrafamento colossal da avenida W3 em um dia de setembro com dez por cento de umidade relativa e temperatura beirando trinta graus. Valdir baixa o vidro escuro do Gol e comenta algo ao  taxista. A resposta nem percebe, importante é a jovem que consulta nervosa o relógio sentada no banco de trás. O coração dispara.
Com o trânsito parado, sai de seu carro, abre a porta do taxi e senta ao lado da moça, sob protestos do profissional. Ela reage timidamente ao interlocutor audacioso. Pergunta o nome e ela fala o primeiro que vem a cabeça, o mesmo usado na internet quando prefere ficar anônima, Alice. Depois de uns quinze minutos de conversa, o trânsito recomeça a andar e Valdir oferece carona. Confere as horas, admite estar atrasada e aceita a oferta. Fala da prova na UNB enquanto o rapaz paga o taxi e a conduz pelo braço a seu carro, que a estas alturas, atrapalha o trânsito que flui normalmente.
A conversa segue fácil até a Universidade. Para Valdir a entrevista de emprego está perdida e o rapaz gentil se prontifica a levá-la de volta. A jovem aceita, abre a porta do carro e desce correndo rumo ao prédio da Filosofia.
Após rodar um bocado atrás de vaga, Valdir, retorna ao local onde deixou Alice e espera por quatro horas, tempo suficiente, acredita, para o término da prova.  A moça não aparece e ele se desloca ao prédio do curso. Solicita informações. O pouco que sabe é insuficiente para garantir novo encontro. Constata que Alice não consta na relação de alunos. No caminho de volta, se culpa por perder a oportunidade de pedir o telefone, endereço, qualquer coisa.
No outro dia e por um mês completo, deparou-se a espiar o local do primeiro encontro. Até hoje, lá vão dez anos, ao passar a parada de ônibus do SESC, onde a viu pela primeira vez, a procura entre os pedestres.
Na época, trocou o curso de Engenharia do Uniceub pelo da UNB. Completou o curso de Filosofia, o mesmo da jovem. Casou, teve dois filhos. Hoje, separado, declara aos amigos que só casa novamente se for com Alice.
“Até as pedras se encontram!” – Afirma e explica. “Meus pais se conheceram em um aeroporto na Europa, ambos em conexões”.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

EU TENHO MEDO

(Google Imagens)
Após o divórcio, aposentado que estava há dez anos, Flávio passa a queixar de tristeza e desamparo. Apresenta como motivo principal os escassos proventos e as chances minguadas de fazer algo para engrossá-los. É morador da Asa Sul de Brasília e acumula conhecimentos profissionais. É economista com Doutorado, participou de inúmeras empresas multinacionais, viajou o mundo e trabalhou em várias embaixadas. Acostumado a lidar com autoridades, fez importantes contatos e realizou seus sonhos em termos de sucesso e ganhos profissionais. Atualmente, nada disso conta. Desenvolveu o que classifica de importante “fobia social”.
Examina o passado e verifica que certa apatia sempre o acompanhou pela vida afora. Acredita que começou quando criança, vítima de pai forte e autoritário, que o classificava de franzino e desamparado.  A família era grande. Flávio tinha oito irmãos homens e, caçula, conhecido por permanecer a maior parte do tempo calado, esperando alguém o defender. Quando alvo de chacota, o pai saía em defesa. Salientava a fragilidade e colocava o autor da gozação de castigo. Nesta fase, os irmãos o chamavam por Imperador, apelido que seguiu por boa parte de sua vida.  Atendia o pai, orgulhoso da imponência do codinome e aos irmãos e amigos, conhecedores do verdadeiro significado. Inicialmente o único ofendido, Flávio desenvolveu leve piscar do olho esquerdo toda vez que o chamavam “Fala Imperador”! Depois, acostumado, gostava, sem abandonar o tique nervoso.
Na vida adulta, Flávio teve importantes problemas ao deixar de ser Imperador. Em casa reinava absoluto, respeitado e tratado como monarca por todos, mesmo que soasse falso. Na escola e mais tarde também no trabalho, sentia-se humilhado pela falta de respeito dos colegas que desprezavam suas opiniões. Flávio escondia-se na timidez para eximir-se de opinar.
Fez um curso de Direito, mas na primeira vez que subiu a tribuna para defender o réu, suou frio e foi incapaz de pronunciar as primeiras palavras do ritual e assim, viu encerrada a carreira jurídica.
Vive praticamente só. Fechou contrato formal com a faxineira, dona Carmelita, a qual tem direito de usufruir da cama de casal. Quando os filhos perguntam sobre a relação com a mulher, jura ajudá-la por precisar de teto para morar e desfia discurso sobre como as pessoas hoje em dia se omitem de abrigar convenientemente seus serviçais.
Um dia estava no Centro Cultural Banco do Brasil assistindo “um corpo que cai”, filme de Hitchcook que tem no enredo o medo, seus efeitos e a forma de desenvolvimento, esclarecendo que pode paralisar e causar estragos terríveis. “É o melhor filme deste autor”, explica Flávio.
Flávio é frequentador assíduo de salas de cinemas, restaurantes e praças de alimentação. Sempre só, espera por um ouvido amigo disposto a  ouvir suas histórias de medo e paralização, pois descrê de terapias.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

O REVOLUCIONÁRIO

(Manifestação Brasília - Google Imagens)
Carlos bem que tenta chegar a Rodoviária na hora combinada, mas atrasa uma hora. Procura por Deise no segundo banco de pedra, a esquerda da pastelaria, vazio. Olha em volta. Cansada de esperar, a moça acompanhou a multidão rumo ao Congresso. Deixar celular em casa foi péssima ideia. Estavam incomunicáveis. A manifestação engrossa e os ônibus despejam jovens falantes e energizados. Logo hoje que convidaria a moça para jantar, se perdem.
O homem compra uma lata de cerveja, dois pastéis e desce a Esplanada dos Ministérios, acompanhando a corrente barulhenta.
Nos anos sessenta, participou de passeatas pelo fim da Ditadura Militar e revigora com a oportunidade de repetir a dose. Na mochila, latinha de refrigerante, bolo de fubá preparado por Rose, e garrafa de vinagre substituíam o kit anti-ditadura de coquetel molotov, bolinhas de gude, cantil de água e foto de Che Guevara, orgulho da juventude. Mas o importante seria a companhia de Deise, se a encontrasse.
Conhecera a moça na primeira manifestação há dez dias. Estudante, morena, vinte e cinco anos, remeteu Paulo a juventude, ao lhe cair nos braços chorando, com dificuldades respiratórias, invadida por gás lacrimogênio. Derramou vinagre na manga da camisa e a fez aspirar. Depois disso, permaneceram juntos gritando palavras de ordem. Foi o bastante. A partir daí, encontravam-se todos os dias para as manifestações. Rose estranhou o arroubo repentino do marido aposentado pela queda da passagem do Metrô.
- O preço do Metrô está pela hora da morte, explicava o sessentão.
¬¬¬ - Mas você só usa carro - gritava a mulher ao homem que saía apressado.
Sem Deise, descia a avenida lado a lado com o grupo de estudantes, imerso no orgulho da posição revolucionária. Ao passar a catedral recorda o tempo de estudante secundarista e a imagem do cartaz “Abaixo a Ditadura”, lado a lado com Rose, hoje mãe de seus seis filhos.
Sente cansaço e percebe os encapuzados apertando o passo. Tenta correr, mas fica pelo caminho, arfando. À frente, a coluna de policiais espera, quieta, cassetetes em mãos. Alguém lhe entrega um saco com bolas de gude. Pesado, deixa cair. Onde estaria Deise?
Ao chegar ao espelho d’água do Congresso, encontra a multidão nervosa. “O povo unido, jamais será vencido”, grita, a voz se perde. A nuvem de gás pimenta obriga a fechar os olhos, tateia a mochila atrás de vinagre. O policial arranca o frasco das mãos.
Em meio a forte neblina, Paulo percebe o casal sair da água. Era Deise de mãos dadas com um jovem. Molhados e sorridentes o casal se olha com ternura. Os olhos do revolucionário lacrimejam e culpa o gás. A manifestação chega ao auge. Para ele, é o fim. É hora de retornar e, com dificuldade, esforça para locomover de volta a Rodoviária. A multidão agita. A correria começa com policiais agredindo. A energia de Paulo esgota e se vê cercado. De um lado, jovens com cartazes e gritos. De outro, policiais. O barulho distancia. Lembra os netos e a mulher que assiste novela em casa. A mochila nas costas de tão pesada, está impossível de carregar. Desaba no gramado.
- Tá tudo bem, vovô? – Pergunta a jovem de rosto colado ao seu.
Seria Deise?
- Este é o velhinho que te falei, foi ativista nas passeatas da Ditadura. Pensei que havia desistido – fala a moça ao rapaz.
Afastam a moça. Sirene, luz vermelha piscando. Escurece. Acorda. É levado por vultos de branco. Ruído de rodas e correria de luzes por sua cabeça. Atravessa um corredor branco. Quer falar, mas o tubo na boca impede.

sábado, 15 de junho de 2013

A VELHA AMIZADE

Renato e THOR (arquivo pessoal)
“Meu grande problema é que nasci na família errada”. Sem explicações, parece dito por quem faltou oportunidade na vida. Alguém carente de apoio financeiro, que permitisse estudar com qualidade.  Um desafortunado, com poucas chances de desenvolvimento. Ledo engano, a frase proferida deve-se a quem no passado foi filho de banqueiro, nascido em berço de ouro como se diz no jargão da vida endinheirada. Contarei.
Ao buzinar em frente ao estacionamento, THOR, o cão rotweiller se aproximou do portão com cadeado e olhou furtivo, quieto, esperando. Estava de prontidão de olho no invasor. “Já vou”. Gritou a voz dentro do barraco de alvenaria. O cão, com ares de nobre, sentou a espera, calmo, mas vigilante.
Logo após, aparece a figura magra, esguia, roupa surrada. Reconheceu o recém-chegado imediatamente, apesar do tempo que estavam afastados. Não se viam há mais de 40 anos. Atualmente com 58 anos, os dois se olharam e riram como a medir os estragos que o tempo fizera a cada um.
                   “Tá velhão hein meu?”  disse Renato, o morador. “Todos estamos”. Respondeu o visitante. O anfitrião  gritou para Thor entrar no canil. “Espera que vou prender este vira lata filho da puta”. Chamou o cachorro e retirou-se para o fundo do estacionamento.
O recém-chegado constatou que o tempo fora cruel com o velho amigo. Não poderia imaginar encontrá-lo em Campinas naquele estado, morando em casebre pequeníssimo. Conheceram-se quando ambos contavam seis anos de idade e descaminhos da vida os fez vizinhos em Porto Alegre. O homem que prendia o cão, fora  filho de família abastada, menos pelo pai que procedia de família de portugueses remediados, mas pela mãe de procedência alemã, dona de fortuna considerável amealhada com grandes comércios e próspero banco familiar.  A rua praticamente pertencia a família e os membros moravam em palacetes e desfilavam em carros importados. Enquanto fechava o carro para descer, pensava na enorme diferença social entre eles. Naquela época, residia em casa alugada e de madeira. Mas nada disto os distanciara e a amizade iniciou desde as primeiras brincadeiras. Separaram-se quando adolescentes e os objetivos de vida tornaram-se antagônicos.
Após prender Thor, o portão foi aberto e Renato convidou a entrar. Carlos,  viajara cerca de mil quilômetros para visita-lo. Foi difícil encontrar. “Pensei que estava escondido”. Quem passara as pistas fora o filho, batizado com o mesmo do amigo, Carlos. “Teu filho passou  o fone, após me localizar no Orkut”. Renato exibia rugas profundas e sorriso triste marcava o rosto. O semblante era o mesmo, costas eretas, andar balançado pelas longas pernas magras, alternando passadas largas.
“Estava preocupado com vocês”, disse dirigindo-se ao amigo que chegara com a namorada. “Demoraram demais”. Comentou que ao combinarem o encontro pelo fone, ouvira de Carlos que chegaria antes do almoço. Eram três da tarde e isto o incomodara. “Espera no escritório que vou arrumar. Mas não entrem no quarto” demonstrava o receio de ter a intimidade miserável invadida. O escritório era pequeno, com mesa, computador e arquivo de aço com três gavetas. A cadeira atrás da mesa, o único móvel para sentar. Na tela do PC, um jogo pela metade. As paredes sujas passavam impressão de abandono. Aos fundos, a churrasqueira modesta. “Alugo por 50 reais o dia”. Ao lado, o banheiro.
O amigo-visitante senta no escritório e continua o jogo de paciência exibido na tela. A namorada passeia pelo quintal, pois verifica que no escritório não há lugar para dois. Meia hora depois o anfitrião surge na porta. Parece mais velho. O cabelo grisalho encardido,  preso num rabo de cavalo, a camisa xadrez e a calça surrada o apresentam para o almoço. “Preferem uma churrascaria?”.  Estende a toalha bege que um dia foi branca num varal de fio elétrico. Carlos diz que anda afastado da carne vermelha. Prefere peixe e salada. O dono da casa entende o recado. Entram no carro. Muito havia para dizer, mas o silêncio repentinamente se fez entre os três.
Chegam ao restaurante em bairro elegante.
“Estou sem fundos no banco para bancar o almoço”, brincou. “Além do mais serei despejado. Não tenho onde morar a partir do mês que vem”, comenta Renato misturando bom humor com preocupação. “Não se preocupe, a conta é minha”.
“Meu grande problema é que nasci na família errada”. Os três riram.
Apesar da alegria aparente, o caminho de retorno até a casa de Renato aconteceu em profundo silêncio. No hotel, a moça perguntou a Carlos: “Como teu amigo chegou a esta situação”?


domingo, 2 de junho de 2013

ARAXÁ - Local onde primeiro se avista o sol

(Museu de D. Beja e da cidade - arq. pessoal)
Dona Beja tem histórias de luta, projeção social e conquistas em Araxá, recheadas de amor, sensualidade e ternura. Mulher analfabeta escandalizou a sociedade tornando-se mãe-solteira duas vezes. A primeira em Paracatu, onde morou ao ser sequestrada pelo ouvidor Joaquim Inácio Silveira da Mota com apenas 14 anos de idade e a segunda com um padre de Araxá, que reconheceu a filha, forçado por Beja. Ainda de Paracatu, a mulher de personalidade forte, foi responsável pela reconquista a Minas Gerais do território do Triângulo Mineiro, anexado que estava ao estado de Goiás. Prova de prestígio da bela mulher, o museu montado em sua casa no centro da cidade, abriga também o Museu do Araxá.

Além de Beja, Filomena por razões bem diferentes também deixou a marca na história araxaense. Pobre e
(Santuário de Filomena - arq. pessoal)
escrava de capitães de engenho, a mulher teve a infelicidade de adquirir varíola. Sabedores da condição mortal e contagiosa da doença, os patrões convenceram a todos que para livrar do mal era necessário enterrar a doente até o pescoço. Assim permaneceu até morrer, desprovida de comida e água, face ao temor de contágio. Sepultada fora da cidade, passou a atrair peregrinação de fiéis que lhe creditavam curas miraculosas. Para proteger o jazigo, construíram singela igreja transformada em local de orações e reverências. Responsáveis pela preservação do santuário garantiram que quem “troça” da escrava, sofre punições. “Certa vez, um homem saiu gargalhando do templo e caiu da bicicleta e outro após fazer piada, entrou no carro e bateu em uma árvore”. Na construção ao lado, há exposição de fotos e relatos manuscritos das graças alcançadas. “Filomena tem processo de canonização no Vaticano” garantiu o zelador.


(Árvore dos Enforcados - arq. pessoal)
A procura pela Árvore dos Enforcados foi intensa. Somente no segundo dia, após visita ao Cristo, réplica miniaturizada do grande Redentor do Rio de Janeiro, um senhor que passava indicou a galhada.  Em um elevado, majestosa e seca, a árvore se projeta silenciosa, parecendo esconder o passado misto de glórias e infortúnios. Palco do enforcamento de dois escravos acusados de matar o patrão virou atração pelo choro do tronco. Moradores garantiram que os galhos frondosos, faziam barulhos assustadores nos dias de vento. Hoje com dias contados, jaz o gigante morto que logo adubará o subsolo, seu destino final. Nem o botânico expert em revitalização de árvores, foi capaz de reviver a árvore. O ciclo de vida se cumpre após duzentos anos.

O Grande Hotel é imponente e passeio obrigatório. Oferece banhos com água e lama sulfurosas e
(Grande Hotel - arq. pessoal)
massagens aos dispostos a desembolsar boas quantias. Inaugurado em 1944 por Getúlio Vargas, teve o paisagismo composto por fontes, lagos e jardins executados por Burle Marx. O projeto arquitetônico segue edificações espanholas, lembrando obras de países como Colômbia e Venezuela. Mas a maior das obras a Natureza se encarregou de executar exposta na trilha da fonte Dona Beja. Uma árvore no topo do muro, cujas raízes para reforçar a base, descem externas ao paredão. Belo exemplo de simbiose, entrelaçadas em proteção mútua.


(Atente para as raízes - arq. pessoal)
O centro de Araxá deve ser observado em detalhes. Na parte superior da praça central, da majestosa igreja Matriz se avista o Cristo no alto do morro, “braços abertos sobre a cidade”. Ao descer a avenida, faixas de pedestres, elevadas cerca de vinte centímetros do nível da rua, ordena o trânsito e obriga veículos a trafegarem vagarosamente. Ao final da rua central, no amplo canteiro, o teatro e a fonte luminosa. Cynthia, diretora do Teatro Municipal, garantiu que há vários projetos culturais inter-secretarias em execução. A  disposição do turista, além do roteiro tradicional, filmes no telão e representações teatrais gratuitas. Basta consultar a programação mensal.
A cidade demonstra preocupação com turistas e moradores. Gera conforto e preserva a memória.

(Abraço a Araxá - arq. pessoal)
(Centro - arq. pessoal)