Renato e THOR (arquivo pessoal) |
Ao buzinar em frente ao estacionamento, THOR, o cão rotweiller se aproximou do portão com cadeado e olhou furtivo, quieto, esperando. Estava de prontidão de olho no invasor. “Já vou”. Gritou a voz dentro do barraco de alvenaria. O cão, com ares de nobre, sentou a espera, calmo, mas vigilante.
Logo após, aparece a figura magra, esguia, roupa surrada. Reconheceu o recém-chegado imediatamente, apesar do tempo que estavam afastados. Não se viam há mais de 40 anos. Atualmente com 58 anos, os dois se olharam e riram como a medir os estragos que o tempo fizera a cada um.
“Tá velhão hein meu?” disse Renato, o morador. “Todos estamos”. Respondeu o visitante. O anfitrião gritou para Thor entrar no canil. “Espera que vou prender este vira lata filho da puta”. Chamou o cachorro e retirou-se para o fundo do estacionamento.
O recém-chegado constatou que o tempo fora cruel com o velho amigo. Não poderia imaginar encontrá-lo em Campinas naquele estado, morando em casebre pequeníssimo. Conheceram-se quando ambos contavam seis anos de idade e descaminhos da vida os fez vizinhos em Porto Alegre. O homem que prendia o cão, fora filho de família abastada, menos pelo pai que procedia de família de portugueses remediados, mas pela mãe de procedência alemã, dona de fortuna considerável amealhada com grandes comércios e próspero banco familiar. A rua praticamente pertencia a família e os membros moravam em palacetes e desfilavam em carros importados. Enquanto fechava o carro para descer, pensava na enorme diferença social entre eles. Naquela época, residia em casa alugada e de madeira. Mas nada disto os distanciara e a amizade iniciou desde as primeiras brincadeiras. Separaram-se quando adolescentes e os objetivos de vida tornaram-se antagônicos.
Após prender Thor, o portão foi aberto e Renato convidou a entrar. Carlos, viajara cerca de mil quilômetros para visita-lo. Foi difícil encontrar. “Pensei que estava escondido”. Quem passara as pistas fora o filho, batizado com o mesmo do amigo, Carlos. “Teu filho passou o fone, após me localizar no Orkut”. Renato exibia rugas profundas e sorriso triste marcava o rosto. O semblante era o mesmo, costas eretas, andar balançado pelas longas pernas magras, alternando passadas largas.
“Estava preocupado com vocês”, disse dirigindo-se ao amigo que chegara com a namorada. “Demoraram demais”. Comentou que ao combinarem o encontro pelo fone, ouvira de Carlos que chegaria antes do almoço. Eram três da tarde e isto o incomodara. “Espera no escritório que vou arrumar. Mas não entrem no quarto” demonstrava o receio de ter a intimidade miserável invadida. O escritório era pequeno, com mesa, computador e arquivo de aço com três gavetas. A cadeira atrás da mesa, o único móvel para sentar. Na tela do PC, um jogo pela metade. As paredes sujas passavam impressão de abandono. Aos fundos, a churrasqueira modesta. “Alugo por 50 reais o dia”. Ao lado, o banheiro.
O amigo-visitante senta no escritório e continua o jogo de paciência exibido na tela. A namorada passeia pelo quintal, pois verifica que no escritório não há lugar para dois. Meia hora depois o anfitrião surge na porta. Parece mais velho. O cabelo grisalho encardido, preso num rabo de cavalo, a camisa xadrez e a calça surrada o apresentam para o almoço. “Preferem uma churrascaria?”. Estende a toalha bege que um dia foi branca num varal de fio elétrico. Carlos diz que anda afastado da carne vermelha. Prefere peixe e salada. O dono da casa entende o recado. Entram no carro. Muito havia para dizer, mas o silêncio repentinamente se fez entre os três.
Chegam ao restaurante em bairro elegante.
“Estou sem fundos no banco para bancar o almoço”, brincou. “Além do mais serei despejado. Não tenho onde morar a partir do mês que vem”, comenta Renato misturando bom humor com preocupação. “Não se preocupe, a conta é minha”.
“Meu grande problema é que nasci na família errada”. Os três riram.
Apesar da alegria aparente, o caminho de retorno até a casa de Renato aconteceu em profundo silêncio. No hotel, a moça perguntou a Carlos: “Como teu amigo chegou a esta situação”?
Ótimo texto!
ResponderExcluirmomentos compartilhados pra matar a saudade!!!
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