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domingo, 11 de dezembro de 2011

NATAL SEM ERVA MATE

(foto Google Imagens)




Final de ano, sinônimo de confraternizações. É a vez da curtição e das lembranças de símbolos da infância. Seria omissão voluntária deixar de escrever sobre a época. Estou em Porto Alegre, são vinte horas e o calor de trinta e quatro graus encharca a camisa. Mesmo assim, como todo gaúcho que se preze, esquento água para chimarrão. A chaleira chia e abro um pacote de erva mate nova, recém-comprada no supermercado, que exala o cheiro de Natal da infância. Como? Paro e analiso. Porque a lembrança?
Recordo de Uruguaiana, onde residi entre os dois aos sete anos. A ansiedade era reprimida pelo Natal que iniciava apenas em vinte de dezembro. Hoje a data começa em princípio de novembro, de tal forma que quando chega a véspera de Natal, as crianças estão cansadas de Papai Noel. Em minha casa, quem assumia as tarefas relativas a chegada do bom velhinho, era a vó, que preparava a árvore para receber presentes cortando um pinheirinho nos matos perto da General Câmara. Enfeitava a base da árvore com presépio, manjedoura e miniaturas compradas em Libres de José, Maria, Reis Magos, ovelhas, burricos fincados no pasto verde de mentirinha, feito com erva mate. Tudo era feito às vésperas, depois que eu dormisse, pois “criança deve conservar o encantamento de Papai Noel”, dizia.
No dia seguinte, a surpresa. Em um canto da sala, a arrumação cuidadosa, com presentes embaixo da árvore. O cheiro forte da erva mate por dentro de casa, invadia todas os aposentos apesar das paredes de alvenaria de cerca de trinta centímetros de espessura. O forte odor circundava a árvore, os lagos artificiais formados por espelhos e o pasto oferecido às vacas de porcelana.
Quando mudei para Porto Alegre, após a separação dos pais, com oito anos, sentia o mesmo cheiro do Natal na árvore da tia Tedi, irmã da mãe que, assim como a vó, esmerava em conservar a tradição de aconchego de presentes embaixo do pinheirinho enfeitado com bolas multicoloridas e presépio.
Este referencial de cheiro de erva mate nos pés das árvores de Natal, esqueci ao longo dos anos. Em Brasília onde passei a residir, casado e com filhos, o hábito de montar presépios foi preservado em finais de anos. Mas o uso do pozinho verde para compor a paisagem do aparato natalino, nunca mais usei.
Usar mate como pasto dos animais de presépios gaúchos, aguçava a imaginação da gurizada, que ligava o odor aos presentes de Natal. Hoje, não encontro ninguém nos rincões gaúchos que permaneça com este hábito. Quem sabe no interior do estado! Em Porto Alegre, parece perdido entre as parafernálias eletrônicas, luzes, árvores artificiais e sacolas de presentes de grifes.
Em almoço na Tristeza, bairro onde morei até quinze anos e onde reencontro amigos, conversei sobre mais este nobre uso do mate. Foi quando alguém comentou que parou de usar quando os filhos, na correria de abrir presentes, espalharam o pó pela sala, sujando tudo.
Hoje, os pais não querem saber de sujeiras, Papai Noel fala inglês, toma coca-cola, uísque escocês e champanhe francesa. E os animais tradicionais em volta do presépio, não precisam de pasto, pois comem ração sabores arroz, salmão, frango. Os presentes, outrora roupas ou brinquedos fabricados a mão, hoje são eletrônicos sofisticados como Ipod, ifone, joysteacks, celulares multifuncionais e jogos cada vez mais violentos.
E a alegria, a ceia, o reencontro da família? Dependem do valor investido na festa.
Feliz Natal a todos.

domingo, 27 de novembro de 2011

MANAUS ONTEM E HOJE

(Teatro Amazonas- arquivo pessoal)









O sobrevôo sobre a cidade e a leve inclinação da asa esquerda, alinhando a aterrissagem, evidenciou a diferença da Manaus de agora com há de trinta anos. Em oitenta estive a trabalho na cidade e a zona franca fervilhava de turistas atrás de novidades importadas a preços módicos. Naquele ano, viajei por três ocasiões. Em cada uma, permaneci por períodos de trinta dias banhado pelo calor dos trópicos.
Em finais de semana procurava aprender danças típicas e assim, meio por acaso, conheci o forró nordestino. Fui cativado imediatamente. Lembro do quanto transpirei ao som de Morena Tropicana animado por shows ao vivo na potente e melodiosa voz de Alceu Valença. Muitas noites de forró dancei com Moema, charmosa índia amazonense que me iniciou pacientemente nos primeiros passos da dança. Ainda hoje ao ouvir forró, não resisto e balanço até o sol raiar.
Retornar a Manaus representava mais do que simples passeio. Era o reencontro com a cidade que desabrochou da floresta como a mangueira que cresceu no meio da selva. Para Malu, representava rever a filha jornalista, que fixou residência e trabalha na Rádio Amazonas.
O mormaço se instalou na passarela de desembarque e reportou o mal estar daqueles tempos. Certo dia ao beber tacacá no centro da cidade, sentei na calçada. Ameaçava desabar por queda de pressão. Tacacá é bebida calórica, fervente que, servida à temperatura ambiente de quase quarenta graus, derruba turistas desavisados. Na verdade, Manaus carecia de estrutura para enfrentar o mormaço intenso dia e noite. Agora, a situação é outra. Em todos os lugares há aparelhos de ar condicionado e ventiladores. Até em bancas de revista.
A diversidade de restaurantes e bares chamou a atenção de Malu. Em lugares pitorescos dentro da mata acolhedora, as margens da estrada ou em praças de alimentação ao ar livre que recebem o povo manauara e turistas com exótico encanto. A variedade de opções nos cardápios aguça o apetite com os pratos a base de peixe das cidades ribeirinhas. A culinária manauara é de pescados, deliciosamente preparados. Pratos como lombo de Pirarucu e Tambaqui na brasa, melhores peixes da região, competem com as carnes vermelhas em qualidade. O pirarucu é conhecido como o bacalhau brasileiro e a fama faz jus. Ao provar, remeti a cidade do Porto em Portugal. O vinho importado, pela proximidade com outros países, tem bom preço, mesmo em restaurantes sofisticados.
O trânsito? Uma loucura! Copiando as grandes metrópoles, o número de carros excede a capacidade das avenidas largas e sinalizadas, que em nada lembram a dos anos oitenta, cortada por ruas estreitas e esburacadas.
Em passeio no centro da cidade, no conjunto de ruas que formavam a famosa zona franca, lembrei os aromas que exalavam das lojas de artigos importados. O odor de material plástico, da tinta dos tecidos indianos, dos biombos, dos baús da China e nas famosas fragrâncias dos perfumes franceses. Muito percorri o comércio atrás de novidades para três filhos indóceis aguardando presentes em Brasília. Na infância, tive um amigo que possuía o ferrorama, brinquedo caro, fora de alcance. As mãos coçavam para tocar os vagões e assumir o controle do comboio, mas o amigo zeloso só permitia a observação. Pois foi o presente dado aos filhos, que mais curti. Comprei, mas só liberava se brincassem comigo. Era a oportunidade de resgatar a infância e o comando do brinquedo.
Com a zona franca desativada, as ruas que abrigavam as enormes lojas de artigos importados, foram substituídas por camelôs em barracas amontoadas pelas calçadas, vendendo produtos de procedência duvidosa.
Em compensação, Manaus recebeu inúmeras fábricas favorecidas pela política de impostos. Instaladas em ritmo veloz, colocam no mercado os produtos “Made in Manaus”, custando cerca de vinte por cento menos que no restante do país.
O teatro Amazonas, decorado com a arte européia, esbanja a riqueza do estado, obtida da extração da borracha natural das seringueiras. Os atores das peças que atuavam no teatro eram franceses ou italianos. Para a apresentação, navegavam três meses, apresentavam-se por um mês e retornavam em mais três meses pelo oceano Atlântico. Permaneciam, portanto, cerca de sete meses longe de casa. O cachê, quatro vezes superior ao praticado no país de origem, era justificado pelo medo da contaminação por malária. Na pintura do teto da sala de descanso dos atores, executada em tela, na Itália, outra curiosidade. Ao ser trazida ao Brasil foi escoltada pelo artista que acompanhou a colagem no teatro. Depois do trabalho concluído, ao retornar a cidade natal, morreu de malária. Se soubesse o quanto custaria a tela, penso que não a executaria. Um turista preocupado, perguntou a guia se entre visitantes acontecera algum caso semelhante. Ela ignorou a indagação e passou a outra sala onde narrou: “Até então, as mulheres da realeza usavam nove anáguas engomadas para armar as roupas e valorizar quadris e seios passando a impressão de boas parideiras e amamentadoras. A inteligente esposa de Napoleão III, para substituir a quantidade de panos, projetou uma armação de ferro e mandou confeccionar pela fábrica de espetos francesa Peugeot. O artefato foi aprovado pela nobreza e o fabricante recebeu tantas encomendas que foi salvo da falência. Aproveitou o bom momento e investiu em fabricação de guarda-chuvas, bicicletas e automóveis. Além de causar bom efeito visual nas mulheres, o produto facilitou a higiene das partes íntimas, melhorando a saúde das usuárias.”
Turismo obrigatório aconteceu na novíssima ponte sobre o Rio Negro, que une a pequena Iranduba à Manaus. Inaugurada a cerca de um mês, durante as festividades de aniversário da capital, tem cerca de três quilômetros e meio de extensão. Orgulho dos manauaras serviu para encurtar caminho entre as cidades. Após a ponte, a rodovia é cercada por mata nativa que exala o odor da vegetação exuberante. A umidade dificulta a respiração dos brasilienses acostumados com a seca do cerrado. Árvores altas com copas fechadas e no pé com vegetação espessa, dificultam o acesso. Ao entrar dez metros mata adentro, mergulhará na escuridão dificultando o retorno.
Por estrada de terra esburacada chega-se a beira do rio Negro, onde o cais flutuante evidenciou que o rio nas cheias, deve ser respeitado. Iranduba é a cidade com maior quantidade de hotéis de selva, pena que com diárias inacessíveis ao turista médio brasileiro, sendo fortemente visitados por turistas estrangeiros.
Na chegada ao cais de Iranduba encontramos o prefeito de Manaquiri que, antes de embarcar ao destino, falou sobre a construção de mais uma nova ponte na região. A ligação a Fonte Boa, visa integrar a região sul do estado. A conversa só acabou com a noite que esparramou um manto negro sobre o rio, libertando os mosquitos que adoram sangue de turista. O prefeito se despediu, embarcou na voadeira e afastou-se da margem velozmente para vencer os cento e quarenta quilômetros até Manaquiri.
Pitoresco foi a revisita a Ponta Negra, cujas transformações foram profundas. O trajeto por lamaçal, de difícil acesso, foi substituído por larga avenida de duas pistas. O tambaqui, curtido num piquenique ao pé da mata, preparado em folha de bananeira e cozido em braseiro de chão, desta vez comi temperado com sal grosso, em restaurante refrigerado. As árvores nativas a beira do Rio Negro, sob as quais caminhei colhendo murici, foram substituídas por prédios de luxo. Hoje a orla do rio é comparável a beira mar das principais cidades brasileiras. Edifícios habitados por parcela da classe média alta, dividindo águas com frequentadores menos abastados.
Manaus é das cidades que mais crescem no Brasil e é considerada como a capital brasileira que mais evoluiu em qualidade de vida nos últimos dez anos. Não é a toa que é das doze capitais que sediará jogos da Copa do mundo 2014.
A chegada ao aeroporto foi em cima da hora. Malu e eu despachamos a bagagem, subimos ao avião e, exauridos, sentamos. À medida que o avião subia, a mata transformava em imenso tapete espesso e verde. Fechei os olhos e adormeci. Vez por outra acordava, abria os olhos e percebia as clareiras das áreas desmatadas pelas mãos do maior depredador do planeta. Voltava a dormir embalado pelo ronco das turbinas e pelos soluços contidos de Malu com saudades da filha.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

ADEUS, HOTEL ALVORADA

(Foto arquivo pessoal)




















(Foto Agência Brasil)




















Cheguei a Brasília em três de janeiro de 1974. Por obra do destino, fui contratado ainda em Porto Alegre, sem pistolão, fique claro. A contratação incluía residência oficial, carro com combustível e refeições, mas o imóvel estava em reforma e hospedei-me no hotel por quarenta e cinco dias. Na memória, a imagem do oitavo andar de onde, aos finais de semana, admirava a Esplanada dos Ministérios, o Congresso Nacional e o pouco movimento da Rodoviária.
Atualmente, ao passar pelo viaduto da W3 norte, sentido W3 sul, mostrava o prédio aos filhos, netas e amigos:
- Este é o hotel Alvorada, minha primeira residência no Distrito Federal.
A única bagagem era a mala com roupas, diploma e documentos pessoais. Hospedar na suíte do Alvorada marcou o início da carreira, a primeira residência solo e a conquista da independência econômica. Chamava atenção a fartura do desjejum, verdadeiro café colonial com frutas de todos os tipos, variedades de pães e especiarias. Sinto até hoje o delicioso cheiro de café que exalava naquele ambiente, iluminado pela luz amarela do sol plantado no céu límpido de Brasília, como nunca vira igual. Depois, pleno de energia, seguia a pé aos estúdios da Rádio Nacional, no Edifício Antônio Venâncio da Silva, Setor Comercial Sul.
A ganância acabou com o referencial de meu endereço número um.
Dois meses antes, comentara a um amigo sobre o edifício, e falamos sobre a vantagem de Brasília ser tombada pelo Patrimônio Histórico, preservando a memória. Doce ilusão!
Fato interessante ocorreu na primeira semana de hospedagem. Esquecera o pijama em Porto Alegre e obriguei-me a comprar outro. Receoso que desaparecesse, escondi. Na noite seguinte, após uma deliciosa ducha, procurei e nada. Guardei-o tão bem que sumiu. Liguei para a portaria, e solicitei que a camareira procurasse. Dois dias após, encontrei na suíte um pacote e um bilhete de desculpas. Ganhara pijama novo para substituir o perdido. Ao final da temporada, no fechamento das diárias, encontrei o desaparecido dobrado no fundo da mala. Procurei o gerente e, envergonhado, expliquei o ocorrido. Queria ressarcir o débito, mas insistiu que aceitasse como cortesia da casa.
Agora, só recordação. Bastou um estrondo e dez segundos depois, o prédio virou cinzas. Desabou indefeso. Os hotéis Alvorada e Das Nações existem agora apenas na imaginação.
Três dias depois reuni forças para visitar o local. Fiz algumas fotos do enorme entulho mal cheiroso e triste e disfarcei a emoção que me dominava profundamente.
- Há poucos dias havia um prédio aqui e agora, nada – falei brincando a um motorista de táxi.
- É verdade – falou, baixando a cabeça.
Em Portugal no ano de 1755, um terremoto de magnitude nove seguido de tsunami, destruiu Lisboa. Os portugueses, por valor à história, reconstruíram os monumentos destruídos, com fidelidade.
Os construtores brasileiros declararam que farão prédios modernos no lugar dos hotéis obsoletos. Programarão derrubar outros? Obedecerão ao gabarito? Qual o futuro dos monumentos de Brasília? Teremos cedido à ganância dos construtores que apagam o passado e fazem o novo numa infinita construção e reconstrução? Onde está a fonte luminosa dos anos setenta?
Se Brasília, capital moderna, cede a estas pressões, o que será das demais cidades? Os Maias, os Astecas e os Incas foram dizimados, mas, sem implosão, permaneceram preservadas as ruínas como relíquias às novas gerações.Dos Hotéis Alvorada e Nações, nem ruínas, apenas cinzas a serem removidas ao lixão da estrutural. Foram cremados no Dia dos Mortos.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A FOFOCA

(foto google imagem)


Existem os donos da verdade. Os que se julgam acima dos demais e, nesta condição, dispostos a criticar, culpar, julgar e condenar. Capazes de tudo para crescer e aparecer. Até colocam palavras na boca dos outros.
Chegam disfarçados. Perigosos são aqueles que chegam na condição de conhecidos e se acham no direito de definir o certo e errado. Na concepção deles, estão acima de qualquer suspeita. Julgam-se infalíveis. Analisam a vida do outro e sabem tudo profundamente.
Outras vezes aparecem na pele de ex-marido ou de ex-mulher e nesta condição, aparecem na condição de expert em relacionamentos e defeitos. Dos outros, claro. E quando amigos ou conhecidos dos ex, piorou. Por saber detalhes saborosos daquela relação, rompida muitas vezes há tempos, são plenos de informações comprometedoras.
Pena que sempre há os dispostos a ouvir. Sem estes, não teriam platéia para divulgação e montar pontes de informações, vulgarmente chamadas fofocas.
Um amigo foi vítima de um caso destes e achei interessante contar. Faço referência às pessoas envolvidas, com nomes fictícios.
Luis Carlos tem cinquenta e poucos anos, divorciado, gosta de cinema, teatro, escreve com texto até razoável, lê muito e é servidor num órgão público federal. Certo dia esperava na fila para comprar ingresso a um filme no Parkshopping, quando reconheceu um ex-colega de trabalho do qual há muito se afastara.
Descobriram-se ambos descasados e, como Luis Carlos e Diógenes, se conheciam da época de casados com outras mulheres, a conversa correu sobre as agruras da vida a dois, das dificuldades das relações e de como as separações influenciam os familiares dos ex-companheiros.
Em determinado momento, Diógenes desandou a falar da família da ex-mulher do Luis a qual conhecia. E falou tudo que veio a cabeça, desabafou mazelas passadas, as festas em família regadas a chopp e churrascos e teceu comentários maldosos sobre a vida dos membros, só sabidas por quem convivera por longa data.
Luis Carlos assustou de tanto falatório. Desculpou-se que o cinema começaria em instantes e entraria cedo, apesar da poltrona numerada, mesmo sabendo que o tempo que faltava era bastante.
- Um mês depois - falou-me Luis Carlos - recebi um recado da minha ex-mulher para que parasse as fofocas sobre a família. Espantei-me e após muito pensar, descobri o motivo. O Diógenes, que também é amigo dela, falou tudo o que conversamos no encontro do cinema. Com apenas um detalhe: me referenciou como autor das observações.
Diógenes falara da família da ex-mulher de Carlos, atribuindo a este o falatório.
Existem tratados sobre este tipo de comportamento. Falei ao Carlos que mais cedo ou mais tarde as coisas se encaixarim. “Que no andar da carroça as abóboras se acomodam.”
Luis Carlos espantou com o fato da ex-mulher acreditar nas conversas.
- Emprestar ouvido a fofocas é contribuir com a poluição sonora que habita a audição. E fechou o assunto:
- É uma mulher madura e deveria ter assuntos mais importantes para cuidar na vida do que ouvir fofocas de ex-marido de amigas.

domingo, 23 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL - FINAL

Shopping COLOMBO-Lisboa (arquivo pessoal)


Tudo que começa, termina e assim acabou a aventura de visitar Portugal, conhecer a estrutura de transportes, os pratos saborosos, os vinhos, as maneirices dos habitantes e os turistas. Encontramos gente de todas as partes do mundo que visitavam o país, de gente hospitaleira e forma peculiar de ser e falar. E conhecemos muitos brasileiros que por motivo ou outro trocaram o país natal para residir na Europa.
Ani (Daniani), paulista com cerca de 30 anos, estava na fila quando Malu e eu comprávamos passagens para retornar a Lisboa. Iria também. O tempo era curto e o balconista aconselhou tomar taxi para, na estação Coimbra-2, embarcar no trem - bala rumo a capital, nosso último destino no país. Ao ver dois conterrâneos atrapalhados, Ani propôs rachar o taxi, solução bem brasileira para economizar a corrida.
Natural de São Paulo, moradora da Áustria, a moça participara do Congresso de saúde do qual Malu fez a conferência em Coimbra. Por curiosidade perguntei como foi parar no país tão distante, de língua difícil como o alemão. Ani disse que foi mistura, “coisas do coração com destino.” E contou. Morava em São Paulo, cursava enfermagem e vivia com os pais que certo dia ofereceram a residência para intercâmbio. Abriram possibilidade a um estudante estrangeiro residir no Brasil enquanto cursasse universidade paulista. Assim, chegou à casa um jovem engenheiro civil austríaco para residir durante o mestrado. Foi amor a primeira vista. Ao retornar, deixou o coração no Brasil, bem cuidado por Ani. Como a longa distância tornara-se um martírio, casaram-se e foram para a Áustria.
Se correrias para identificar vagão de trem e embarcar é angustiante, imaginem somado a malas, mochilas e sacolas. Pois Ani ajudou acomodar tudo no maleiro e a nós, nas poltronas. A ajuda foi importante e aliviou o estresse estampado nos rostos devido a bagagem, a trens velozes, e embarques nos labirintos das estações. Ajudou inclusive o desembarque em Lisboa. E mais, nos convidou para visitar a Áustria. Espero que leia este texto e envie e-mail para contato.
Almoçamos carregados com malas e demais apetrechos no shopping Vasco da Gama, as margens do rio Tejo acompanhados por gaivotas que brincavam de escorregar no telhado de vidro do restaurante. Fomos servidos por jovem paranaense, casada com catarinense. Há muitos brasileiros em Portugal, oh, raios!
No caminho para o hotel, o taxista desfiou um rosário de queixas. Falou do limite de produção do país ditado pela Comunidade Econômica Européia; de Portugal ter de comprar tudo de fora; que as companhias de obras de rua fazem buracos no asfalto e depois os fecham com preguiça. E enalteceu o Brasil falando ser auto-sustentável, desde o petróleo até aço, ferro, comida. A conclusão da conversa é que o país do vizinho é sempre melhor que o da gente.
Chegando ao hotel, contratei empresa de turismo para os passeios por Lisboa no dia seguinte e fomos para o metrô. Descemos no Shopping Colombo, vizinho ao colossal estádio do Benfica. Imaginei a região em dia de clássico.
Às vésperas do retorno ao Brasil, passeamos em ônibus de excursão, explorado por uma das duas únicas empresas prestadoras do serviço na capital portuguesa. Parece até monopólio, mas achei o preço de 30 euros por pessoa, justo, pois inclui passeios durante 24 horas a passageiros que podem descer e tomar os ônibus em qualquer ponto. Inclui ainda as linhas em operação na cidade com os mesmos passes.
Conhecemos monumentos históricos como o forte de Belém, o Museu Arqueológico, o Mosteiro de São Jerônimo e os monumentos erguidos aos grandes descobridores. Portugueses homenageados no país com enormes estátuas como Vasco da Gama, Infante Dom Henrique, Cristóvão Colombo e por aí vai.
No centro de Lisboa, o almoço constou de sardinhas fritas e a digestão aconteceu caminhando entre monumentos e demonstrações de artistas que imitavam estátuas vivas, como o soldado armado, o cavaleiro sedutor e o recordista do Guiness Boock que se equilibrava no ar. Procurei a explicação e um garçom de restaurante que ali permanecia desde cedo, desmistificou o equilibrista. Confidenciou que havia armação de ferro muito bem elaborada a segurá-lo.
Portugal estava desvendado. Visitá-lo em outra ocasião estará sempre nos planos. Malu e eu voltamos exauridos de cansaço, mas satisfeitos em praticar turismo por conta própria, permanecendo sem atropelos o tempo necessário em cada local visitado. Portugal é matriz da história brasileira. Queiramos ou não estamos atrelados àquele país.
Como diz um amigo meu, “viaje com alguém e descobrirá os defeitos e virtudes da pessoa”. Pois Malu e eu fizemos bom par. Toda programação foi executada a dois, sem que pesasse para nenhum em particular. A relação de viagem a tornou uma aventura instigante, exploratória e econômica em todos os sentidos.
Para os viajantes os votos de que o (a) parceiro (a) ou companheiro (a), também goste e tenha bom humor para enfrentar situações por vezes muito adversas.
Aos leitores e amigos que acompanharam as peripécias, resumidas em cinco partes, agradeço e espero continuar recebendo suas visitas ao blog, acompanhando as publicações semanais.

sábado, 15 de outubro de 2011

DESCOBRINDO PORTUGAL – QUARTA PARTE

(Pontes de Porto - arquivo pessoal)

Há quatro dias em Portugal, após visitar Coimbra, Fátima e Aveiro, a cidade do Porto intensificou a percepção das semelhanças existentes entre aquele país e o Brasil. Descendo as ladeiras rumo à cidade baixa, em meio a ruelas estreitas, entre moradias, observava as roupas penduradas nos varais em frente aos sobrados. No centro histórico de Salvador, pude observar este mesmo quadro. Peguei-me inúmeras vezes a racionalizar que estava fora do Brasil. A semelhança entre cidades dos dois países, iniciou-se em Coimbra, onde lembrei Porto Alegre, meu torrão natal, construída em 1772 por casais portugueses açorianos. A partir daí, passei a reconhecer ruas semelhantes à Rua da Praia. Malu comentou só agora entender o costume brasileiro de colocar pedras portuguesas nas ruas. Na livraria Lello encontrou livros que exibem a graça dos desenhos nas calçadas. Lá como cá e por influência destes colonizadores, as calçadas causam impacto pela beleza.
Cheguei a pensar que perderia a oportunidade de conhecer Porto, última cidade a visitar antes do retorno a Lisboa. O dia amanheceu com nuvens escuras prenunciando aguaceiro. A temperatura de treze graus também não ajudava, e despertamos em torno de nove horas. Mas Malu e eu estávamos decididos. Após o desjejum reforçado no hotel, compramos duas mochilas para melhor acomodar os pertences de mão e tomamos o trem bala. Em uma hora estávamos em Porto.
Ao chegar à cidade o dia frio e a chuva fina pareciam atrapalhar os planos.
Li que o melhor acesso ao centro era o metrô, o mais moderno do país. Seguimos para a estação, onde um jovem brasileiro de Governador Valadares, morador de Portugal, indicou onde comprar passagem. Só faltava encontrar o embarque no labirinto da estação da segunda cidade de Portugal e entender onde desembarcar. Buscava a rua Santa Catarina.
Malu resolveu abordar uma senhora de uns setenta anos, dona Dinamérica. Esta senhora, acompanhada da irmã, explicou que deveríamos descer na estação Bolhões, mesmo caminho delas, bastava segui-las. O cuidado dela se manifestava a todo momento ao olhar para trás, certificando-se que a seguíamos. Além de indicar a estação, desceu conosco, alegando que compraria crédito para o telemóvel, denominação do celular.
A rua Santa Catarina é extensa e após caminhar algumas quadras, procuramos local onde almoçar. Ao perceber o shopping Via Catarina, reconheci o lugar ideal para refeição rápida. Seguimos à praça da alimentação, igual às outras do mundo. A diferença entre as lojas que conhecemos, são as grifes, marcas européias afastadas do Brasil pela arraigada cultura às novidades americanas. O almoço no restaurante da venezuelana Guadalupe foi o tradicional e conhecido frango com salada pois confesso que Malu e eu não tivemos coragem de comer Tripas à Moda do Porto, prato típico da cidade, indicado pela gerente do hotel. Quem sabe da próxima vez, experimentamos. A dona, sempre com bom humor, ao ver o garçom dançar fado em meio às mesas, disse adorar o povo português, “pela gaiatice e sorriso fácil.”
À tarde dedicamos visita aos monumentos, igrejas, museus e, como não poderia deixar de ser, a livraria Lello, local ímpar pela arquitetura e cuidado na conservação de obras históricas. No passeio por entre as estantes percebi a fama da casa. Folheei livros das conquistas portuguesas e conheci parte das orientações dadas aos navegadores, incluindo Cabral ao partir para conquistar terras brasileiras. Mas o tempo era curto e logo saímos. Malu pagou os livros em euros, a livraria não recebe cheques nem de Portugal, não aceita cartão e não emite nota fiscal, nem recibo de vendas. Senti-me em casa.
A cidade do Porto é banhada pelo Rio Douro, que abriga inúmeras pontes e um teleférico e é por isto conhecida como Cidade das Pontes, cada qual mais bonita. Uma delas possibilita a entrada e saída dos trens à cidade, a grande altura.
Para chegar à margem do Rio Douro seguimos um caminho em ziguezague de ruas estreitas e prédios antigos que lembram as favelas do Rio de Janeiro. Roupas estendidas nos varais das janelas e prédios coloridos emprestam um aspecto mundano e ao mesmo tempo cultural. A região é tombada pela UNESCO e mostra a preocupação pela memória da primeira capital de Portugal e ponto de partida dos grandes navegadores. O povo se orgulha de Infante Don Henrique, um dos filhos mais ilustres.
Ao avistarmos o Rio Douro, lembrei de Porto Alegre e fiquei pensando na nostalgia que os fundadores açorianos experimentaram quando, as margens do rio Guaíba, fixaram a pedra fundamental da capital. Penso que olhar o rio gaúcho, os remetia ao distante quinhão natal, hoje distante nove horas de avião, na época, quarenta e cinco dias em caravelas. Realmente estafante, mas melhor espaço do que entre os bancos da classe econômica.
Malu e eu margeamos o Rio Douro e avistamos um prédio monumental do outro lado, no topo do morro. De construção antiga numa das pontas e na continuidade com muros altos, que não pareciam da mesma obra. Aguçou a curiosidade e aproximei de dois portugueses que discutiam em altos brados defendendo os times do coração. Antes que pudessem reclamar da intromissão, tasquei a pergunta sobre os prédios. Um deles me olhou vermelho, irado da discussão e mirando nos meus olhos, de frente para o antagonista, falou, “aquilo é o Mosteiro da Serra do Pilar, oh! raios”. Ainda insatisfeito, perguntei, “e os muros altos?” e a resposta “um quartel”. Pronto, estava respondido, agradeci e complementei “podem continuar a discussão”. Não testemunhei, mas percebi que a pergunta não aplacou a contenda.
Sair da cidade baixa para a alta foi penoso, estávamos exaustos de caminhar e a subida íngreme, obrigou descansar diversas vezes. Numa das paradas entrei num café e tomei um espresso. Aproveitamos para refletir sobre a angústia de estar longe da terra natal e como afeta pessoas em turismo solitário. Pior quando em país de língua diferente.
Neste dia descobri que azeite de oliva português é forte mesmo. Bom remédio para prisão de ventre.
Talvez o retorno da viagem tenha sido o mais tranquilo do período turístico em Portugal. O cansaço nos prostrou na poltrona do trem-bala e dormirmos ao chacoalhar da carruagem.
Na estação Coimbra – 2, local de baldeação obrigatória entre comboios, embalados pelos acontecimentos de cada dia, cantarolei uma valsa e Malu e eu dançamos assistidos por passageiros curiosos que talvez pensassem “de onde será o casal?”.