(Google Imagens) - Salão Principal da casa Dom Inácio |
Abadiânia
é município do estado de Goiás, sem atrativos turísticos ou belezas naturais,
mas conhecido mundialmente. Afinal, abriga a Casa Dom Inácio, complexo Centro
Espiritual cujo mentor, João de Deus, faz cirurgias e tratamentos espirituais dedicados
a cura de doentes dos quatro cantos do mundo. A cidade com cerca de 16 mil
habitantes serve de corredor aos municípios de Corumbá e Pirenópolis e está
localizada as margens da BR 040,
a meio caminho entre Brasília e Goiânia, numa das melhores
estradas brasileiras. Pista preferida de motociclistas amadores e profissionais
com potentes máquinas sobre duas rodas. Nem tudo são flores, turistas
acostumados com o conforto e organização das cidades de origem, caminham nas
ruas entre automóveis. Faltam calçadas para pedestres e os carros transitam por
ruas apertadas e mal conservadas.
O
município vive a reboque da Casa Dom Inácio, provocando até comentários do
prefeito tipo “não sei o que seria da cidade sem João de Deus”.
Mas
não é sobre o município que pretendo me estender, muito menos sobre motoqueiros
velozes da estrada.
Precisei
de cerca de hora e meia para cobrir os 120 quilômetros da
distância de casa até a rua de acesso onde o médiun trabalha. Cheguei as dez
horas da manhã. Ao sair da estrada principal e entrar no município, deparei-me
com forte comércio local. Vendem camisetas, pedras semi-preciosas, imagens de
santos em gesso e outras lembranças destinadas a turistas de todo mundo, ávidos
por recordações de um momento tão único. A cor predominante das indumentárias é
o branco, símbolo da pureza do espírito. Pequenas pousadas e lanchonetes
esperam os visitantes com comidas típicas de Goiás. Quando falo turistas do
mundo todo, não é exagero. Encontrei americanos, franceses, alemães, enfim,
europeus em geral numa mistura de línguas que emprestam a pequena Abadiânia um
ar imponente.
Deixei
o carro em um estacionamento em frente ao Centro e me dirigi a pé aos pavilhões
que compõem o complexo. Administração, grande salão com cobertura para entrada
aos trabalhos, biblioteca, farmácia, banheiros sempre muito limpos e espaços a
céu aberto com vistas panorâmicas com bancos para meditação, tudo extremamente
limpo e ordeiro. Sentei frente a um desfiladeiro com mata muito verde, cercado
por morros por todos os lados. No fundo do vale, um gato amarelo se preparava
para o bote em pássaros silvestres que comiam displicentes sobre a relva. Ao
lado um rapaz de pele alva lia um livro alemão e do outro uma senhora anotava impressões
num caderno ao mesmo tempo que comentava algo com alguém em uma língua indefinida.
Permaneci absorto por uma hora e me dirigi ao pavilhão de venda de água
fluidificada e pedras onde retirei a senha de 1ª VEZ com atendimento indicado para
o meio dia.
Mais
algumas voltas e resolvi almoçar no Jerivá, restaurante conhecido para quem
frequenta a BR 040.
Retornei
ao centro em cima da hora marcada, 11h 55. O salão que recebe as pessoas para
atendimento estava repleto, mas consegui sentar em uma cadeira almofadada.
Vários ventiladores espantavam o forte calor de início de tarde. Uma voluntária
prestava instruções em português, inglês, alemão e francês. Reparei que muitos
atendentes dominam estas línguas, afinal os estrangeiros precisavam entender o
que acontecia. De tempos em tempos ela rezava um Pai Nosso e uma Ave Maria e
pedia silêncio, afinal, como dizia um quadro na parede, “o silêncio é uma
prece”. O salão permanecia lotado e uma fila enorme de pessoas de branco, se
alinhava no centro. Mais tarde percebi que eram
médiuns incorporadores de entidades de auxilio a João de Deus.
Após
duas horas de expectativa, João entrou por uma porta lateral e ficou defronte a
platéia solene e curiosa. A comoção imediatamente tomou conta de todos e iniciaram-se
cirurgias espirituais com corte. Muitos levantaram para testemunhar de perto e
outros ligaram máquinas fotográficas e filmadoras e iniciaram, sem
constrangimento, a filmar os procedimentos. As pessoas destinadas a cirurgias formaram
um semi-círculo a volta do médiun, o qual fez o reconhecimento da doença de
cada e iniciou os trabalhos. Pegou uma tesoura pontiaguda e enfiou pelo nariz adentro
em uma moça que parecia estar em transe pois não esboçou nenhum medo ou dor. Após
pegou uma faca de cozinha e iniciou o processo de raspar os olhos de outra. A
seguir futucou na barriga da terceira, retirou algo e depositou na bandeja, que foi retirada. Cada paciente que passava
pela cirurgia, perdia os sentidos e era colocado em maca e transferido a outra
sala, onde ficava recuperando, semelhante ao pós-operatório na medicina
tradicional.
Após
os procedimentos o médiun retirou-se e a
moça que falava várias línguas conclamou aos outros que esperavam cirurgia, que
fizessem fila no local indicado. Formou-se nova fila enorme que, após breve
tempo, todos adentraram de forma ordeira por outra porta. A jovem que
organizava os passos dos visitantes continuava sua pregação destinada a evitar
as conversas paralelas e manter a concentração das filas. Um vídeo mostrava
cirurgias com cortes sem sangue, o pessoal olhava e comentava. O calor apertava,
mas ventiladores amenizavam o efeito e o ambiente permanecia confortável. Reinava
descontração com respeito no ambiente manifestado pelo bom humor de atendentes
e pacientes.
As
pessoas com fichas de 1ª VEZ, como a minha, foram chamadas e formaram fila e, fomos encaminhados a porta por
onde seguimos através da sala de médiuns, vestidos de branco, que permaneciam concentrados
em torno dos pacientes. João de Deus atendia ao fundo de outra sala e logo o percebi
sereno sentado e dando atenção a romaria que um a um se aproximava de mãos
baixas. Ele ouvia as queixas, anotava em um papel e entregava a cada um. Quando
chegou minha vez, reparei que a anotação era inteligível e compreendi que era
simbólica e representava um pote de remédio a ser adquirido na farmácia local. Perguntou-me
o que sentia, respondi e João falou com toda simplicidade acostumado a ouvir
queixas o dia inteiro, todos os dias da semana, “cirurgia”. Peguei o papel, saí pela porta indicada e
comprei a medicação prescrita.
Enquanto
espero a cirurgia, que, por decisão pessoal será sem cortes, fico a pensar na
procura ilimitada do ser humano quando o assunto é saúde. Gente do mundo todo
deixa para trás os afazeres, suas casas, confortos e se dirigem a inexpressiva
Abadiânia a procura de alternativa para o que a medicina, por mais avançada que
seja, responde de forma inadequada ou oferece tratamento doloroso, caro e por
vezes inócuo. Nas tantas mensagens proferidas pela orientadora, uma dizia que
grande parte da eficácia da cura estava na forma de encarar o tratamento
espiritual e na força do Deus pessoal. Entender que a cura está dentro de cada
um, certamente ajudará o tratamento mediúnico a um efeito eficaz. E, por
diversas vezes instrui ao paciente a continuar seguindo a orientação médica. “Obedecer
ao tratamento que faz com a medicina alopática é garantir a participação e o
acompanhamento pessoal no caminho da cura.”
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