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sábado, 21 de janeiro de 2012

PIRENÓPOLIS CULTURAL

Loja do Eduardo - O Entalhador (arquivo pessoal)

Amanhece e uma chuva fina paira sobre Pirenópolis. Que fazer na cidade cuja atração principal é visitar doze cachoeiras? A pergunta foi a primeira coisa que ocorreu, mas no decorrer do dia, obtive as respostas. E foi surpreendente! Deixei o carro estacionado em frente ao Pouso do Frade, na Rua do Bonfim onde fiquei hospedado e só lembrei no dia da saída.
Anteriormente, ao visitar a cidade transitava motorizado o tempo todo e rumava para as cachoeiras. Confesso que perdia detalhes e contatos com a hospitaleira gente da cidade, empenhada em interagir com o turista, talvez a principal fonte de renda. Desta vez decidi aproveitar o contratempo da chuva e frio e, munido de casaco, chapéu e guarda-chuva, apelei para criatividade e  caminhei muito.
Logo ao sair da pousada a esquerda, subindo a Rua do Bonfim, no sentido da igreja, encontrei Eduardo, o Entalhador. O artesão de cerca de quarenta anos trabalhava em uma placa de madeira entalhando nome de  restaurante da cidade. Natural de Bonito, Mato Grosso - muita gente do comércio de Pirenópolis é de fora - solteiro e com notável talento manual, esculpia letra a letra com paciência e perícia. Malu e eu paramos e decidimos acompanhar o trabalho por instantes. A cada fincada do formão, uma lasca e letras surgiam como num passe de mágica e na rapidez de dar nó na visão. De acordo com a avaliação do Entalhador, exerce o trabalho a contragosto, encara como “rotineira forma de ganhar o pão de cada dia” e, por incrível que possa parecer, julga melancólica sua labuta diária. Explica que por prazer, tudo bem, mas por obrigação é maçante e isto que, segundo ele, é responsável pela maioria das placas em madeira do comércio municipal. São mais de mil em quinze anos de trabalho. “E muitos comerciantes que fecham seus comércios, devolvem a placa e as guardo de recordação”, na fachada da casa onde mora e trabalha, exibe com orgulho inúmeras inscrições comerciais. Armazéns, pousadas, butiques, bares, restaurantes, lojas, etc.


Igreja do Bonfim (arquivo pessoal)



Mas o dia recém havia começado e seguimos pela rua do Bonfim em direção a igreja de mesmo nome. Estava em restauração. Procurei o responsável pelo processo e fui atendido por Adriano, o Restaurador, jovem alto, usando óculos da moda, de aro grosso, bem falante, paulista morador de Uberlândia. Percebi o refinado gosto pelo trabalho quando uma senhora se aproxima e exibe a pequena mão da estátua que restaurava meticulosamente e fala eufórica “olha, Adriano, achei a mãozinha da santa”. Ele a abraça e pula de alegria. “Você é demais, achou algo valioso, muito importante no nosso trabalho”. Abraça a mulher e a beija carinhosamente no rosto. Custei a identificar a pequena mão de no máximo um centímetro na palma do restaurador. E não apenas eu, os demais brincavam “ei Adriano, pensei que você procurava um braço em tamanho natural e não uma miniatura”. A igreja do Bonfim, uma das mais antigas do estado de Goiás, foi construída entre 1750 e 1754 para abrigar a imagem do Senhor do Bonfim, o Cristo crucificado em madeira, de tamanho natural, encomendada a arquidiocese de Salvador. A viagem de lá até Pirenópolis demorou quatro meses, dada a dificuldade de transporte e a falta de estradas entre os estados da Bahia e Goiás. A estátua foi desmontada, alojada em lombo de burro e acompanhada por duzentos escravos posteriormente aproveitados nas fazendas locais. Adriano apresentou efusivamente a descoberta feita na parede da nave principal do altar. “Ao preparar as paredes para a restauração, visualizei três camadas de restaurações em épocas diferentes”. Algo espantoso de imaginar, pois as modernas técnicas datam de anos recentes. Manifestou-se indignado com o desrespeito pela arte do século dezoito, com a falta de preservação de época numa acintosa remarcação, modernizando aquilo que deveria ser preservado a qualquer custo, para mostrar as novas gerações, a beleza original da obra sacra.

Pouso, Café e Cultura (arquivo pessoal)


Continuando a peregrinação, resolvi ir mais longe a procura de café espresso. O desejo me impulsionou por caminhos e confrontou com situações inesperadas. Quando contornava a praça Santa Cruz, no Centro Histórico, fui agarrado pelo braço por um cidadão pirenopolino que nos convidou para provar um café que, segundo ele, seria o mais gostoso da cidade. Com direito a slogan escrito no cartão de visita entregue com orgulho: DESCUBRA O MELHOR DE PIRENÓPOLIS... VENHA TOMAR UM CAFÉ CONOSCO! Fomos.
Assim conheci Isócrates, o Inesperado. Acima da porta, que abria e gentilmente convidava para entrada, a placa POUSO, CAFÉ E CULTURA. E em letras menores, Uma Reverência a Pirenopolinidade. Em duas salas, uma exposição de objetos raros e antiguidades acumuladas pelo pai, diplomata Isócrates de Oliveira, que serviu em diferentes lugares do mundo. “Meu pai serviu a dois Joãos, do Goulart ao Figueiredo”. A pousada instalada num terreno de cerca de 1 500 metros quadrados, coloca a disposição dos hóspedes, amplo jardim, muito verde e árvores centenárias. As instalações sofisticadas e  confortáveis são administradas pessoalmente por Isócrates, que incansável, explica a história ali guardada. Emocionado, em certo momento durante a leitura sobre o avô Francisco de Sá, nascido em vinte e nove de janeiro de mil oitocentos e sessenta e um, pedi que lesse devagar para facilitar o entendimento. O pirenopolino enxugou as lágrimas com as costas das mãos e afirmou que a história o engasgava. Ao fundo do pátio, exibe seu orgulho, o veleiro Vento Leste que segundo falou, o levará até Buenos Ayres pela bacia hidrográfica sul ou a Belém, pela norte.  Espero ser convidado para comprovar a saída do navegador, que desbravará esta bacia hidrográfica.
E assim, por intermédio destes personagens, conheci outro lado de Pirenópolis. Em comum entre eles a adoração pela arte, pela criação, a conservação e a exposição a nós, aficcionados por história das cidades e pessoas.