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domingo, 5 de fevereiro de 2012

A BISNETA E A BISAVÓ

A bisneta e a bisavó (arquivo pessoal)

Avó é considerada mãe duas vezes e avô não o é pai duas vezes. Deve ser por conta da gravidez, da amamentação, coisas de competência exclusiva das mulheres que os homens não têm direito de dar pitaco. Na viagem que fiz com a neta Taíssa para Porto Alegre, me senti avô em tempo integral por uma semana. Tanto que decidi narrar as histórias que presenciei e as peripécias desta menina de oito anos. Quem fala que somente as avós babam pelos netos, é porque nunca presenciou avô viajando com eles, principalmente sem avó para palpitar.
Nosso embarque rumo a Porto Alegre, aconteceu com atraso de duas horas. A escolha das poltronas foi estratégica, sendo uma na janela, para que a neta pudesse viajar vendo os flocos de algodão das nuvens e as cidades de Brasília e Porto Alegre, lá de cima.
Um adeus ao pai que a levou ao aeroporto e entramos no avião pela ala das prioridades. Trajava um macacãozinho vermelho, tênis branco e levava na mão a bolsa, um livro infantil sobre histórias de Leonardo da Vinci e uma garrafinha d’água, caso sentisse sede. Muito precavida a menina, deve ter ouvido que os vôos estão carentes de tudo. Pelo menos mataríamos a sede. Quando chegamos às poltronas, a surpresa, uma intrusa ocupara a da janela e ainda pediu para ficar alegando passar mal no trecho Belém/Brasília e que na janela se sentira melhor. “Afinal”, comentou, “logo que o avião sobe só aparecem nuvens e mais nada.” Brinquei que entendia que deveria viajar ali para respirar ar fresco, mas a permissão dependia da dona da poltrona, e apontei Taíssa. Após o apelo, a contragosto a neta cedeu e, mal o avião decolou, a doente virou para o lado e dormiu durante a viagem inteira. “Ela pediu a janela para dormir, vovô”.  Falei a menina que mentira tem perna curta e ela seguiu lendo o livrinho de Leonardo Da Vinci.
Chegamos a capital gaúcha e ao entrar no túnel de desembarque o calor era abrasador e Taissa sacou fora o casaco que vestira em Brasília. Olhava tudo em volta, e quando viu sua maleta na esteira, correu para pegá-la. O carro alugado nos esperava e rumamos para a casa da bisavó, minha mãe, que esperava para almoçar. No caminho apontou espantada, “vovô, o termômetro da rua está marcando 37 graus, nunca vi disto...”, externou assim a admiração com o clima gaúcho. Em Brasília as amiguinhas disseram que no sul faria muito frio.
Levá-la a Porto Alegre era apresentá-la não somente a cidade, mas também a bisavó, sua mãe três vezes segundo a cronologia popular. Taissa perdeu a avó paterna recentemente, o que ocasionou profunda mudança em sua vida e a viagem serviria de lenitivo. Foram dias de descoberta e aprendizado. Fez inúmeras amizades. Brincou de bonecas com a Eduarda do 104, de casinha com as gêmeas Carol e Bia do 203 e assim não pode reclamar de convivência somente com idosos. Quando perguntei o que mais chamou a atenção, “foi que conheci uma feiticeira de verdade, vovô” referindo-se a uma vizinha da bisa que pratica sessões de Umbanda e oferendas a imagens no apartamento 304, permanecendo a maior parte do dia com as janelas fechadas, abrindo-as somente à noite. Durante o dia, esgueira-se pelo corredor, subindo e descendo escada leve como sombra.
A bisa acostumada a viver sozinha aos oitenta e três anos demorou a acostumar com a bisneta, mas logo a menina dócil e gentil conquistou-a e passou a acompanhá-la aos passeios nos shoppings da cidade. Em casa aprendia com a bisa as lides domésticas, como lavar louça, preparar o café da manhã, arrumar as roupas, a cama e tomar banho só. Com certeza “ensinamentos importantes para se tornar de boa convivência e independente”, segundo a bisa.
Nossa rotina eram os passeios pela cidade e assim certo dia fomos a Rua da Praia onde pasmou com o movimento de pedestres. Acostumada com Brasília, andava direcionada pela mão da bisa e por várias vezes foi desviada aos trancos de passantes que a atropelavam cegos a fugir do calor do centro.
No Shopping Iguatemi, Taissa enfiou os patins, recebeu instruções e iniciou a patinação no gelo. E também os tombos. Era ficar de pé e cair. Quinze minutos de quedas de todo tipo. Até que estabilizou e deslizou melhor e quando parecia que estava tudo sobre controle, levou mais uma queda e desistiu. “Vovô, estou satisfeita, cansei de tanto cair”, disse chorando com a mão no bumbum. Foi atendida pelo bombeiro de plantão e saiu encharcada e mancando pelo shopping. Quando noutro dia, passei em uma pista de patinação e perguntei se queria exercitar, respondeu rapidamente, “não, vovô, nunca mais quero patinar”. Parece que deste esporte os pais estão livres.
No passeio por Ipanema, Taissa perguntou se o Guaíba era rio ou lago e quando respondi lago, abriu os olhinhos curiosos, “muito maior que o de Brasília.” E olhando para o infinito e os morros da cidade de Guaíba, “o que tem do outro lado, vovô?”.
Mas tudo que é bom acaba a semana findou e chegou o dia da volta. Após as despedidas chorosas da bisavó passamos na casa das cucas e rumamos ao aeroporto, loucos para sair do forno que estava Porto Alegre.
Na hora da vistoria das bagagens e da passada no detector de metais, o imprevisto. BI-BI-BI. Taissa foi barrada. Também fui, mas foi só retirar o cinto, o relógio e as moedas e passei. A mocinha retirou a pulseirinha, os brincos, os anéis e ..... BI-BI-BI. Retirou o cinto, por causa da fivela, o tênis, meia e........BI-BI-BI. E aí a fiscal empunhou o detector de metais manual, e ameaçou que passaria no corpo dela. Taíssa sentou no chão e disse “Vovô, o que é isto? Ninguém passa este negócio em mim, isto queima, nunca passei por isto.” Confundira o equipamento com o aparato chapinha usado quente para alisar  cabelos. Fiquei ali apalermado, sem saber o que fazer quando a moça impaciente da fila fez a descoberta que salvou a situação. “Tira o prendedor de cabelos”. Foi sacar fora e pronto. Do incidente sobrou a tosse que manifesta quando sofre estresse. E dei razão à neta por não deixar a fiscal passar o detector, afinal quem tolera tudo é porque não se importa com nada e nós adultos estamos acostumados a tolerar demais. A tosse cessou após tomar uns goles d’água e estávamos aptos a embarcar.
Na fila encontra a Luiza, colega de sala. Pronto, festa completa. A menina que vinha de Bagé, trocou de lugar comigo e viajaram juntas, cheias de novidades para contar. De minha parte, sentei com a mãe da Luiza, que segurava seu bebê de 4 meses. Viemos conversando, trocando fraldas e brincando com o menino.
No aeroporto entreguei Taissa ao pai que a afofou nos braços. Recebia de volta a filha mais experiente, conhecedora de coisas que somente as viagens e seus personagens nos ensinam, porque viajar é conhecer. Avô é para isto mesmo, curtir os netos e entregar aos pais para que eduquem. A viagem proporcionou muitas alegrias e isto permanecerá para sempre. Basta lembrar. E eu finalmente consegui me sentir pai duas vezes. Um avô completo.

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