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— Vá lá pra trás — grita o motorista do ônibus, enquanto os passageiros afastam para ele passar. Senta no último banco. Na falta do que fazer, pega a revista do chão e a folheia. O sacolejar do ônibus, parece querer jogá-lo para fora. Os passageiros evitam aproximar. Deveria ter ido a pé.
Talvez no lugar deles, fizesse o mesmo. Sente-se estranho. Dá sinal de descida e caminha até a porta. As pessoas se afastam tapando o nariz. Salta do ônibus em movimento. Inicia a caminhada de uma hora até o trabalho do dia. O homem que o contratou espera no portão.
— Sou Severino — apresenta-se. O homem rejeita a mão estendida e o encaminha ao fundo do quintal.
— Aqui — aponta o buraco fétido, cheio até o topo.
— É fundo? — pergunta colocando a mão aberta abaixo do peito.
— Mais ou menos — fala o proprietário, apontando o barraco onde pode trocar de roupa.
Severino coloca o calção amassado, tira o chinelo, a camisa e toma um gole de aguardente. O fedor que sai do buraco deixa de incomodar. Há trinta anos limpa latrinas. Entorna meia garrafa de cachaça, para dar coragem e enfia o pé no buraco onde a pasta fétida fermenta soltando bolhas. Inicia a descida.
Desce lentamente e o líquido toma conta do corpo. Alcançando os genitais, a cintura, o peito, finalmente o pescoço antes do pé apoiar em terreno firme.
— Pensei que tinha menos profundidade — comenta Severino.
— Isso aí tem conteúdo de uns cinco anos — exclama o contratante com uma gargalhada.
Com a chegada do ajudante, Severino enche o primeiro balde. Levará o dia inteiro a retirar o produto.
As tres da tarde, após completar duas garrafas de aguardente, retira o último balde e entrega ao ajudante, que o coloca na caixa da carroça contratada. O cavalo desajeitado sai reclamando. Severino agarra a borda do buraco e pula para fora escorrendo lama marrom, viscosa. Quando ajeita o corpo, perde o equilíbrio e, na tentativa de se manter em pé, segura no braço proprietário que grita e afasta. Rapidamente o auxiliar toma Severino pelo braço e o senta no chão. Com a mangueira do jardim dá jatos nas costas, pés, peitos, braços. A água limpa e gelada reanima Severino. Pede que dê um jato em seu rosto. O proprietário, traz-lhe sabão em pó e escova e o ajudante esfrega o patrão com rigidez.
Quando o filho chega para busca-lo termina a lavação e seguem para casa lado a lado. Apesar de cansado, pai e filho seguem a pé, os ônibus não param pegar Severino.
— Pai, porque o senhor saiu da casa da frente? — Severino espanta-se com a pergunta e demora a responder.
— Sua mãe pediu e mudei para o barraco dos fundos — fez breve silêncio — Acho que enojou com meu cheiro. Logo depois tio Manoelzinho tomou conta da casa.
O resto do caminho foi em silêncio. Ao chegarem, ouviu o resmungo do homem que ocupara seu lugar ao lado da mulher.
— Já, já levarei a janta — Lindaura sorri da janela com o perfume de leite de rosas que o conquistou na juventude.
— Boa noite Severino, deposita o dindinho aqui ó, na mão do gerente do banco — esticou o braço rindo, Manoelzinho. Com a outra mão, apertava o nariz trancando a respiração.
O filho entrou na casa, ele seguiu pelo portãozinho lateral até os fundos. Desabou no banco de madeira. Perto das oito da noite, a ex-mulher chegou com o prato de arroz, feijão e carne assada. Depositou-o na mesa, junto com o boleto do IPTU e deu as costas com a respiração suspensa.
Severino raspa o prato com miolo de pão. Olha o boleto e percebe que vencimento seria no dia seguinte. Passa a mão na garrafa de cachaça, deita na cama e mira o teto de zinco. No dia seguinte teria duas fossas para limpar. Fecha os olhos e adormece ao som do violão vindo da casa da mulher. Manoelzinho toca e canta Nelson Gonçalves todos os dias para sua amada antes de dormir..
Muito bom o seu conto, parabéns, se quiser acesse meu blog também, está à sua disposição.
ResponderExcluirwww.olisoblog.com
Obrigado pela leitura e comentário. Com certeza estarei visitando o teu e deixarei minha opinião.
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