(Foto: Google Imagens) |
Em
janeiro de 1990 curti férias no Morro dos Conventos, Distrito do município de
Araranguá, estado de Santa Catarina, onde hospedei em um camping com
excelentes instalações. Dispõe de cabanas,
bons banheiros, restaurante com cozinha de qualidade, supermercado, butique, quadras
de esporte, enfim, todo conforto para aproveitar férias.
Naquele
ano havia adquirido uma carreta-barraca que engatava na traseira do meu Monza 1986 e viajava pelo Brasil com a casa a
reboque, igual caramujo, economizando hotel. Assim, sobrava dinheiro para abusar
no consumo de bons pratos da culinária local, basicamente composta de peixe.
Cheguei ao camping no início da noite, instalei rapidamente a parafernália na
área de moto homes e dormi. Viajara
cerca de sete horas na BR 101, verdadeira maratona em estrada congestionada de turistas
argentinos que gastam as economias no atrativo comércio local e nas lindas praias
do litoral catarinense.
O
dia seguinte foi de sol, banho de mar e pescaria. À tarde encontrei um amigo de
Brasília, hospedado em cabana com a família que convidou para um churrasco. Ainda
cansado da viagem, respondi que depois do almoço tiraria um cochilo e, quem
sabe, aceitaria o convite à noite. Enquanto conversávamos, olhei por cima dos
morros e percebi nuvens escuras a subir vagarosamente. Após a refeição, me
dirigi para a barraca aconchegante. Ao entrar ouvi dois zeladores que
comentavam a previsão do rádio para o tempo, “...vento Noroeste se prepara para
hoje...”. Não dei muita atenção, fechei o zíper da entrada, estirei no colchão
e dormi.
A
carreta-barraca é muito confortável e, com duas cervejas saboreadas no almoço,
acabei estendendo o sono mais do que pretendia.
Acordei
na completa escuridão sobressaltado com o tranco forte da barraca deitando para
o lado esquerdo. Saí tateando de quatro atrás da lanterna e, quando encontrei,
conferi o relógio. Eram oito horas. Novamente a carreta tombou a esquerda e
depois pesadamente à direita e a lona estufou violentamente para dentro. Peguei
a televisão portátil que me acompanhava aos acampamentos e saí à rua. Levei
forte lufada de vento no rosto e gigantes pingos de chuva molharam minhas
costas. Árvores centenárias que nos dias de sol ofereciam sombra generosa se
debatiam e enormes galhos se soltavam perigosamente. Em meio a este caos, corri
para buscar abrigo na administração central. No caminho, uma rama desprendeu-se
e caiu no capô de um carro estacionado. Mal cheguei ao prédio e uma forte
claridade anunciou o estrondo de trovão.
Não
havia energia elétrica nas dependências e os hóspedes se apertavam procurando
lugares seguros para enfrentar o que parecia o fim do mundo. A administração
estava entupida de aflitos e corri ao restaurante e pude perceber o primeiro
sinal de perigo. As cozinheiras haviam acendido velas não para iluminar, pois
choravam ajoelhadas no chão, mas sim para rezar com rosários de contas grandes,
em meio a mãos crispadas. Reconheci nas faces o medo da natureza raivosa. A tempestade
amedrontava o pessoal da região.
Depositei
a televisão portátil em cima da mesa e me aboletei embaixo de outra onde uma
jovem tremia e rezava em voz baixa com seu rosário surrado. Tentei puxar
assunto para saber mais acerca da tempestade, mas me cortou rezando em voz alta.
Tinha medo de perder a cadência e decidi deixá-la concentrada.
Mais
alguns arrancos do vento, chuva com clarões e estrondos e a tempestade amansou
deixando atrás de si um rastro de destruição. Saí de baixo da mesa seguido
pelas cozinheiras que se benziam e davam graças pela resistência das instalações.
Ao
aproximar da barraca percebi-a desmontada e a ferragem torta. Bem melhor que o trailer ao lado que sustentava um galho
quebrado. Só restou juntar o que era de valor e ir para hotel, afinal, a rezadeira,
amiga de mesa esclareceu que as tempestades costumam vir do mar ao continente e
horas depois voltam para o oceano com mais força.
No
dia seguinte procurei o amigo que, aparentemente com medo da ventania, fechou a conta e saiu esquecido do churrasco.
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