(Google Imagens) |
Quando
resolveu casar, Amadeu encontrou em Dalva a companheira ideal, mesmas
características físicas e emocionais da mãe. Baixa estatura, cabelos curtos, redemoinho
no alto da cabeça, dócil e boa cozinheira. Até as famílias eram iguais, numerosas,
fanfarronas e cheias de humoristas beberrões. Bem acolhido pela namorada, em
pouco tempo participava das churrascadas de finais de semana, regadas a muita
cerveja. Enquanto isso, passava pela
análise do tio André, a espera da oportunidade de apelidar os “agregados”.
Tio
André, para os curiosos, é irmão da mãe de Dalva, tem cerca de cinquenta anos,
branco como cera, cabelos ralos, olhos pretos e agitados que a tudo reparam, mirando
alvos por cima de óculos comprados na feira dos importados. Quando chega às
rodas familiares, ninguém mais fala, pois sempre tem novidade e é metido a
entender de tudo quanto é assunto. Numa discussão, ao pressentir que perderá, apela
buscando alguém para comentar outra coisa, interrompendo o oponente. Na família
é tido como “o gozador” e é suportado
pelos familiares com benevolência, pelas inúmeras tragédias que enfrentou na
vida. O tio sabe disto e esconde a gaiatice atrás da parentada enternecida. A
especialidade é colocar apelidos pejorativos nos novos integrantes. Certa vez,
superou-se no mau gosto das imitações grotescas. Fez-se de sombra atrás do
próprio pai que, idoso, caminhava arrastando os pés devido à idade, sob o olhar
de censura de uns e riso de outros.
Nesta
época, passava na televisão um famoso seriado que exibia as agruras de uma
família de classe média e suas mazelas, incluindo clichês de amor, de ódio, de cheques
sem fundos, brigas entre patroa e empregada e por aí vai. Entre os personagens,
se destacava Dinho, sinônimo de trampolinagem e sem-vergonhice, que sempre se
dava mal nas intenções de passar a perna nos outros. Exemplificava o malandro
cara dura tirador de vantagens das situações, principalmente do sogro,
motorista de taxi ingênuo e trabalhador.
Amadeu
e Dalva marcaram casamento na certeza do amor entre eles e devido à gravidez
precoce da noiva. Nasceram gêmeos. Tudo corria entre beijos, cuidados dos
meninos e as festas de família que aconteciam aos finais de semana. Mas nem
tudo eram flores. Amadeu começava a torcer o nariz pelo apelido que recebera.
Quando chegava as reuniões, tio André apontava e gritava, “chegou o Dinho” e imediatamente
a parentada passava a relembrar o episódio semanal do seriado. O que incomodava
o rapaz era o mau-caratismo do personagem, pois tinham grande semelhança
física. A comparação desencadeava um nó que
subia a garganta de Amadeu, as orelhas avermelhavam, o rosto pegava fogo e a
raiva dominava, aumentando a cada dia a repulsa de Amadeu às festas.
Os
meses passavam e só fazia aumentar a chacota. Amadeu queixou-se a Dalva avisando
que detestava as investidas do tio e que assistiu entrevista sobre estas
práticas na escola no programa da Ana Maria Braga que classificou isto de bulling. Dalva ocupada com o casal de
gêmeos riu do marido e o aconselhou a ser benevolente com o tio gaiato. Mas há
cinco anos o rapaz agia assim e a prática continuava. Estava exausto daquilo.
É
comum famílias numerosas receberem os membros recém admitidos com rótulos nem
sempre tão inocentes, em alguns casos até pejorativos. Isto acontece porque existem
forças contrárias aos não consanguíneos que afetam até os parentes de sangue. Muito
parecido com bulling, este tipo de
discriminação, pode desencorajar idéias e transformar pessoas sadias em fracas
e dependentes de opiniões, principalmente os mais jovens, suscetíveis a este
tipo de comentários.
O
casamento prosseguiu a trancos e barrancos, mas, vazando água por todos os
lados, acabou afundando. Cada um para seu lado, hoje Amadeu vive a segunda
relação. Segue a vida de forma cautelosa, liberta da opinião de terceiros que
tanto o afetaram. Dalva, após a separação, está no terceiro namorado que, ao
frequentar a família, percebeu quem é quem e abriu o jogo, “este tio André é um
saco Dalva, me apelidou de Ratinho”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é importante