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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

CONHECENDO A AMÉRICA LATINA – PERU – PARTE 3 – LIMA

(Larcomar - Lima -Peru - arquivo pessoal)
Na primeira parte da manhã do domingo, segundo dia em Lima, providenciamos a troca de hotel. Neste, haveria a concentração do grupo de turistas brasileiros, que fariam o roteiro de visitas a Cusco, aos sítios arqueológicos e a uma das maravilhas do planeta, Machu Pichu. Desta vez, um cinco estrelas. Mas como julgo que tempo para curtir hotel é perdido, após deixar a bagagem, pedi ao porteiro que chamasse um taxi de confiança e rumamos ao Larcomar. Seria a despedida em agradável local turístico.
A corrida foi relativamente pequena até o complexo arquitetônico. Uma enorme e elegante estrutura a beira-mar, com três andares, ao ar livre com confortáveis escadas rolantes, repleta de lojas de marcas famosas. Apoiada nas pedras da orla ao alto de um penhasco, a obra margeia o Oceano Pacífico que, majestoso e intrigante, quebra as ondas ao pé da montanha. Com sorte, consegui mesa em um restaurante de frente ao Oceano Pacífico, onde o almoço foi um precioso lagostin acompanhado de vinho tinto. Para completar, vez por outra um parapente sobrevoava o amplo janelão do restaurante, tirando um fino das montanhas que circundam a estrutura.
Ao contrário do que se possa imaginar, os preços praticados por esse comércio são atraentes. Mas como as compras não eram o objetivo da viagem, resisti bravamente e saí sem sacolas.
O acesso à praia é por enorme escadaria que, após analisar a escalada de volta, desisti antes de começar a descer. Avistar e sentir o odor da maresia do Pacífico me satisfez e ficamos, da amurada, mirando as ondas que levavam e traziam surfistas e kitesurfistas a deslizar suavemente. Por toda orla a perder de vista, a areia cinza me chamou a atenção, visto estar acostumado às areias brancas do litoral brasileiro. As cinco da tarde o shopping transbordava de turistas ávidos que consumiam de tudo. Lanchonetes e restaurantes lotados e filas de espera quilométricas. Era hora de voltar. Negociei o preço da volta igual ao de ida e retornamos com o taxista buzinando freneticamente a qualquer movimento estranho.
(Vista da Orla do O. Pacífico, a partir do Larcomar - Arq pessoal)
No prédio do hotel, com acesso interno, um shopping foi o destino para lanchar antes de dormir.
Tive noite agitada. O movimento de conhecer lugares diferentes, e talvez o fato de estar fora de meu país, provocou um pesadelo noturno, que me deixou acordado por várias horas na madrugada. Vale a pena relatar, para que leitores, analistas de sonhos façam suas interpretações.
Sonhei que dormia em lugar desconhecido e um barulho me despertou. Ainda na madorna, identificava alguém a serrar a grade na janela de acesso ao quarto. Tentava despertar, mas estava difícil. O sono era muito forte e, no sonho meus olhos permaneciam teimosamente fechados. Sem forças para reagir, acordei suado sem resolver o conflito.
Anotei para interpretar com a analista em Brasília, liguei a TV e assisti ao noticiário matutino em espanhol antes de novamente adormecer.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

CONHECENDO A AMÉRICA LATINA – PERU – PARTE 2 – LIMA

(Plaza Mayor - Lima Peru - Arquivo pessoal)
O segundo dia em Lima, sábado, estava nublado o que aliviava o clima quente e favorecia os passeios. Sem programação com a empresa de turismo, recorri a gerente do hotel que indicou visitar a Plaza Mayor, onde haveria grande show em comemoração ao aniversário de 480 anos da capital peruana. Ela chamou o taxi e falou o valor a desembolsar em Sol  Novos, a moeda corrente no país. Sem pressa e buzinando até para cachorro que atravessasse a rua, o condutor percorreu o trajeto em trinta minutos. Mais tarde descobriria que o motorista peruano se divide em cabeça, rodas e buzina.
A Plaza Mayor é um enorme espaço cultural no centro da capital, que abriga vários prédios centenários e onde acontecem festividades e shows ao ar livre. Quando desci do carro, o grande palco das festividades de aniversário passava pelas últimas preparações. Enquanto aguardávamos, fizemos o turismo padrão visitando a Catedral e o Palácio do Governo e iniciamos a travessia da Jirón (rua) Carabaya, que dá acesso a estação dos Desamparados, onde, no subsolo,  está a biblioteca Mario Vargas Llosa.
Eram treze horas e o almoço se fazia necessário. A procura de um local tranquilo, aconchegante e pitoresco terminou no Bar Cordano que, com um banner de dois metros de altura pendurado em uma das portas, anunciava a data de inauguração: 1905, portanto, comemorava 110 anos. Entramos. O lugar estava lotado. Cadeiras e mesas de madeira e uma arquitetura centenária com inúmeras fotos de celebridades que ali compareceram. Percorri as mesas com olhos a procura de vaga.  Nossa mesa esperava no meio do restaurante, para onde segui rápido. Pedi prato de peixe a vapor, acompanhado com água sem gás e ficamos a observar turistas que conversavam em altos brados. Vários países do mundo estavam ali representados. Éramos os únicos brasileiros.
Da praça, ouvíamos os primeiros acordes a informar o inicio do show. Uma afinada voz de mulher indicou a qualidade do evento e inundou o bar Cordano. Terminamos o almoço e rumamos à praça. A linda cantora, jovem e loira interpretava um repertório nativo e alegre. Por trás, um grupo de seis bailarinas dançava contagiando os assistentes. O número de pessoas que assistiam a cantora ocupava a frente do palco e se espalhava por todos os cantos da praça. A música entrava alegre pelos ouvidos, e comecei a acompanhar o ritmo. Primeiramente, batendo com a palma da mão aberta na perna, mas logo peguei Malu pela mão e saímos a dançar observados pela plateia solidária que abriu espaço para a dança particular. Foram duas horas de dança e suor em sol escaldante, até entender que o solo aquecido queimava a sola do pé, atravessando os tênis. Hora de parar. O descanso foi num café com ar condicionado, afastado da praça.
Após um breve descanso, hora de continuar. O sol baixara e rumamos a Alameda de Cultura Popular de Livreiros. A ACPL, é uma feira formada por infinidade de barracas, semelhante a Feira dos Importados de Brasília, com a diferença que é dedicada exclusivamente a venda de livros usados. Os preços convidativos me fizeram adquirir vários. Terei oportunidade de esmerilhar o espanhol. Da feira saímos a pé para a Praça San Martin, mas desistimos no meio do caminho. O cansaço do dia foi mais forte e parei um taxi para retornar ao hotel. Negociar preço com os taxistas foi orientação seguida a risca. Perguntava na portaria do hotel o custo da corrida e quando chegávamos ao destino, o conhecimento prévio do valor, nos salvou de muitos dissabores.
Após um pequeno descanso, busquei informações sobre janta típica no hotel e recebi a indicação de um restaurante, onde foi possível experimentar delicioso Anticucho, pedaços de coração de rês, assado em carvão, acompanhado de vinho peruano. Em retorno ao hotel, uma saudável caminhada pelas ruas do bairro Miraflores, ajudou a digestão. Era uma hora da manhã e dormir seria bom preparativo para o dia seguinte.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

CONHECENDO A AMÉRICA LATINA — PERU — PARTE 1

Arquivo pessoal
Após rodar por território uruguaio, em janeiro de 2014, conviver com a população e vivenciar histórias, decidi incursionar pelo Peru. Foi bastante familiar visitar o Uruguai pois o intenso turismo brasileiro, próximo aos uruguaios, ajuda-os a entender o português.  Porém no Peru a situação é outra e servirá como teste ao meu curso de espanhol.
A viagem começou quando Malu, minha companheira de viagem e eu fechamos o pacote turístico que incluía aéreo, hotéis, traslados e passeios por sítios arqueológicos. Incluímos tempos livres para conviver com a população o que surpreendeu em situações bem interessantes.
A partida de Brasília foi no dia dezesseis de janeiro de 2015, com escala em Foz do Iguaçu para depois rumar para Lima, capital peruana.
Chegamos a Foz as 14h40 e, como a conexão a Lima sairia as 20h55, decidimos conhecer as Cataratas. Negociei com um taxista e, em quinze minutos, estávamos no pé de uma das Sete Maravilhas do Mundo, as Cataratas do Iguaçu. Tudo que se possa dizer sobre a magnitude já foi dito. O montante espantoso de águas despejadas segundo a segundo formando a nuvem que banha turistas embasbacados é indescritível. Pessoas de todo o mundo, observavam em silêncio o rumor incessante e ensurdecedor. Ouvi que a visão pelo lado brasileiro era mais atrativa que pelo argentino. Após observar o fenômeno por duas horas, consultei o relógio e falei ao motorista que seguisse para a ponte da Amizade, onde permanecemos por meia hora a observar as filas de pedestres com caixas e mais caixas de produtos. De acordo com o taxista, produtos cujas destinações mudam com o horário. Durante o dia, aparelhos elétricos e eletrônicos, a noite, os ilegais.
Iniciar o passeio com a conexão em Foz abriu com louvor o passeio. Retornamos ao aeroporto dentro do horário previsto, lanchamos e tomamos o voo rumo a Lima. Após uma viagem tranquila, aterrissamos as 01h10 horário de Brasília. Em Lima, 22h10. Ajustei o relógio.
O aeroporto de Lima está localizado em distrito distante e, mesmo cansados, ouvimos com atenção a guia descrever o caminho e características   da capital, tudo falado em espanhol, por opção nossa. A jovem apresentava dados estatísticos enquanto a van rodava devagar em trânsito caótico e barulhento. Estávamos com fome e, no hotel, dado o avançado da hora, nos apresentaram a opção de fast food. Perguntei se seria seguro caminhar pela rua naquele horário. A gerente riu e falou que não existe risco. Fomos desconfiados mas voltamos tranquilos, traçando o roteiro para o primeiro dia em Lima.
Para a capital peruana não havia programação com a companhia de turismo e a ida a Cusco seria daí a dois dias. Tínhamos tempo livre a preencher por conta própria. No dia seguinte, levantamos cedo e fomos para a Plaza Mayor. Era sábado e precisávamos aproveitar o comércio aberto. Havia muito a conhecer.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

OLHO POR OLHO

(Google Imagens)
Anselmo acorda cedo para o trabalho.  Prefere fazer o desjejum em casa na companhia da esposa e do filho de dois anos. Após a refeição, a mulher o leva até a porta e despendem-se. “Procure chegar no horário” comenta maliciosa, “hoje o tempo está bom e não precisará dar carona a colegas.” Anselmo, que a beija sempre na despedida, dá meia volta e sai sem responder.
No mês anterior, antes de ir para casa, dera carona a uma amiga e demorou no comércio a esperar o alívio da enxurrada. O atraso custou dispendiosa cena de ciúme.  Sua esposa tomou a direção do carro e o jogou insistentemente contra a pilastra da garagem até avariar o motor e só sair rebocado. Aos gritos, dizia conhecer os encontros do marido e as traições com as colegas de trabalho. Por conhecer a mulher e haver presenciado cenas iguais anteriores, a aconselhou a procurar ajuda profissional, o que ela rejeitou.
O homem acostumara ser cuidadoso nos trajetos. Cronometrava os trechos e distâncias e os cumpria meticulosamente, pois sabia que a mulher memorizara os percursos. Preocupava-se em chegar sempre no mesmo horário. Desassossego era quando o chefe marcava reunião para o final do expediente. Era quando Anselmo teria de explicar detalhadamente o quanto demorou a pizza que os colegas encomendaram, ou algum outro detalhe que o pudesse atrasar.
Mesmo assim, era insuficiente. Vez por outra aconteciam atrasos, engarrafamentos, enchentes e aí tudo desandava. Anselmo se tornava um homem excessivamente preocupado com as horas. Consultava o relógio a todo instante, no pulso, no painel do carro, no ponto eletrônico.
Certo dia, um novo atraso e mais uma cena dramática. Ao chegar a casa, o filho de dois anos estava refém na varanda do apartamento. A mãe o ameaçava com uma faca no pescoço, exigindo de Anselmo que confessasse a traição. A custo conseguiu dominar, emocionalmente a mulher que se abandonou em seus braços e aceitou finalmente se submeter a tratamento.
Ela permaneceu  internada três meses. Ao sair, parecia outra, dominara a obsessão e a família finalmente experimenta período de calmaria. Diligente,  seguia por conta própria as recomendações  profissionais.
Anselmo, para garantir continuava o cuidado com distâncias e horários e, após alguns meses, em que a situação parecia controlada, um engarrafamento o atrasa por três horas. Ao chegar é recebido com sorriso e beijo na boca. A mulher passa a mão pelos cabelos do marido, ajeita a gola da camisa, tira-lhe o paletó, os sapatos. “Ah! Como é bom estar livre da ciumeira. Sinto-me liberta. Tanto é verdade, que mesmo sabendo de suas traições, estou tranquila”. Anselmo arregala os olhos. Ela continua. “Aproveitei teu atraso e visitei o vizinho, o solteirão do 304.”

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O JANTAR

(Google Imagens)
Quintino estaciona na portaria principal do hotel cinco estrelas, o manobrista abre a porta e o casal desce admirando a majestosa árvore de Natal. Localizado defronte ao mar, o prédio ergue-se imponente, iluminado por holofotes para as festas de final de ano.
— Estranho o convite do Márcio. O restaurante aqui é carésimo. E não me vem dizer que é só porque a mulher dele trabalha com você, pois sei que pouco se conhecem. — Quintino já explicara a Simone que a intenção de Márcio era estreitar relações.
— Nada estranho, Yara é minha colega há três anos! — fala impaciente.
A recepcionista os conduz a uma pequena sala reservada onde espera um garçom com impecável terno branco. Com reverência, afasta as cadeiras.
— Doutor Márcio fez uma reserva privativa.
Quintino consulta a carta de vinhos, mas nem tem tempo de pedir, pois o homem chega com um Flor de Pingus safra 2009. Por curiosidade, localiza na carta e aponta o preço a Simone que arregala os olhos.
— O doutor recomendou enquanto esperam — explica o homem, referindo-se ao vinho.
Após submeter a prova aos convidados, serve as taças. Enquanto esperam, observam as pinturas a óleo originais das paredes. O casal anfitrião chega com trinta minutos de atraso. Cumprimentam-se com cordialidade e ao estender a mão para cumprimentar Márcio, Quintino percebe o sorriso enigmático, até zombeteiro. Simone, descontraída por duas taças de vinho, inicia a conversa.
— Tá podendo, hein Márcio? Esse vinho é delicioso e caríssimo. — falou alto para quem pouco conhece os recém-chegados. Quintino e Yara se entreolham. Dois garçons afastam as cadeiras e todos sentam.
Márcio pega o cardápio, mas ao invés de escolher, faz sinal para providenciarem o pedido combinado. Argumenta aos convidados que confiassem na escolha.
Durante o jantar, a conversa girou, entre os homens, em torno do campeonato brasileiro e política, de times de futebol, das eleições, dos partidos políticos. Entre as mulheres, os recentes tratamentos de beleza, cremes, lipoaspirações e aplicações de botox. Vez por outra, Márcio jogava algo referente as novelas, filmes ou amenidades referentes ao amor no casamento moderno, paixões, relações interpessoais, modismos sociais. Assuntos que aos poucos Quintino percebeu, eram um aquecimento para o verdadeiro tema do jantar. Nestes momentos, sentia-se desconfortável, pois Márcio voltava a sorrir  zombeteira.
Ao lado do marido, Simone apresentava uma desenvoltura inocente e Quintino pensou se teria sido melhor confiar-lhe o motivo real do encontro.
Ao término do jantar, as mulheres foram ao toalete retocar a maquiagem. Quintino preenchia o silêncio contando as peripécias sobre uma pescaria e, na tentativa de explicar, esbarrou na garrafa de vinho derrubando-a sobre a toalha branca. Márcio chamou o garçom que imediatamente trocou a toalha e o vinho. Quando as mulheres retornaram, Quintino cutucou a mulher, e levantou explicando que acordaria cedo no dia seguinte. Márcio fez sinal para que sentasse.
— Vamos tratar de um assunto que afetará profundamente nossas relações. — Fala o anfitrião. Quintino sente certo rubor e, assim como Yara, arruma-se na cadeira. O garçom trouxe a garrafa de vinho, taças limpas, garrafas de água e copos. Recolhe os pratos, talheres, copos usados e a um sinal de Márcio, desaparece pela porta, fechando-a.
— O que tenho a dizer Simone, pode ser surpresa, mas é algo que ocorre há dois anos. A decisão a ser tomada afetará a vida de vocês, como afetou a nossa. Yara e eu já conversamos e temos uma posição conjunta. Quintino a está poupando, mas a partir de agora, não poderemos mais conviver com a situação por mais tempo. — Marcio fez breve silêncio. A vontade de Quintino era pegar o carro e sair. Viajar sem rumo. Teve certeza que preparar Simone, seria a melhor solução, mas agora já estava feito.
— Há dois anos percebo a mudança de Yara com relação a casa, a mim e as crianças. Antes atenciosa, preocupada em administrar nossas vidas, repentinamente tornou-se mulher desajeitada e irritadiça, quebradeira de  louças como se houvesse perdido a firmeza das mãos. — O grupo observava Márcio. Yara de cabeça baixa. — Conviver comigo nos últimos tempos, se tornou um tormento, certo, Yara? Pensei inicialmente ser passageiro e que logo retornaria a ser quem era.
Quintino podia adivinhar onde andavam os pensamentos de Yara. Mas voltou a atenção a Márcio, que mudara o tom de voz, monopolizando as atenções.
— Logo, descobri o motivo. — o sorriso sumiu do rosto e Marcio encarou diretamente Quintino, como se o assunto agora pertencesse somente aos homens — Como fora idiota. Yara tinha outra relação. Alguém ocupara meu lugar em seu coração e constatei o quanto estava despreparado.
Márcio baixou a cabeça e a fortaleza que até então tentara transmitir, ruiu. Pegou uma rolha e começou a brincar. Quando levantou a fronte, sofrera profunda transformação e Quintino notou rugas nos cantos dos olhos e da boca.
Simone fuzilou Quintino com o olhar, levantou da mesa e foi à janela. A praia estava vazia. Precisava de ar fresco. Abriu a porta e saiu em direção à orla. A praia era privativa, localizada na ponta da enseada e rodeada de pedras.  Márcio retirou o guardanapo do colo, limpou a boca, pediu licença e saiu atrás da mulher do convidado, deixando sozinhos Quintino e Yara. Da janela envidraçada, visualizavam o casal que conversava. O convidado pediu a conta e o garçom informou que estava quitada. Pensou em ir atrás de Simone, mas desistiu ao trocar olhares com Yara.
— Márcio e eu vamos viajar de férias e na volta, assume um cargo diplomático no Sri Lanka. — estendeu a mão e trocaram beijos nas faces — Adeus Quintino.
Sem olhar para trás, Yara entra no carro, liga o motor e arranca jogando pedrinhas.
Quintino espera algum tempo, consulta o relógio e liga ao radiotaxi. Enquanto espera, vai até a portaria do hotel e dá instruções ao manobrista sobre a entrega da chave do carro.
Quando o taxi chega, dita o endereço e dá a última olhada a orla. Recosta-se no banco e acende um cigarro.

domingo, 2 de novembro de 2014

MEU PAI, MEU TESOURO

(Google Imagens)
Tomo um delicioso café expresso em um shopping de Manaus, quando repentinamente a moça com uniforme preto de uma grife famosa tropeça no pé de Malu e se desmancha em desculpas. Matávamos o tempo, esperando o sol baixar.  A moça de preto fala do descuido e afirma que sempre foi desastrada. Explico que por acontecimentos como esse estamos todos nos conhecendo. Relata que está há pouco na cidade, antes morava com o pai e abre o celular para mostrar sua foto. Ansiosa, esquece onde está o arquivo. Estende a mão. “Muito prazer, meu nome é Daiane”. É uma jovem simpática, morena de cabelos e olhos pretos, olhar sereno e sincero e beleza única. Fala entusiasmada, com orgulho do pai que vive em Curitiba. Percebo que uma história está para surgir
Os pais de Daiane se conheceram em Manaus no ano de 1992. Ele, 22 anos, do Paraná e a mãe, 16, nascida na capital manauara. Viram-se pela primeira vez na farmácia onde o pai era gerente e a mãe fora comprar remédios para o filho doente. O amor a primeira vista os aproximou rapidamente e começaram a namorar. Um encontro que durou pouco, pois o pai foi chamado as pressas a Curitiba onde o avô de Daiane estava enfermo.
Meses se passaram antes dele voltar a Manaus. “Quando retornou, o padrinho de minha mãe o procura para tomar satisfações, acusando-o de não ser homem suficiente para assumir o que fez. E assim, soube da gravidez da minha mãe e meu nascimento.“ O pai, filho de japoneses, gerou a filha tão parecida com ele que, sem dúvidas, registrou a criança como filha. A partir daí fornece mantimentos a Daiane, como forma de ajudar o sustento, fardos de mucilon, leite, água mineral que a mãe dividia com o outro filho.
Quando o pai percebeu que sustentava o irmão de Daiane, alega outros compromissos e reduz a quantidade de mantimentos fornecidos. Assim, a situação apertou para o lado da mãe que, sem alternativa, propôs a ele assumir a menina: “Quando maior, dei razão a meu pai. Acho injusto sustentar meu irmão que não é filho dele”.
Daiane contava dois anos e lembra da sensação de abandono ao trocar de família. “Um dia, ainda pequena e sem entender, acordei nas mãos de duas pessoas. Meu pai, que eu detestava influenciada por minha mãe e uma mulher estranha, que depois soube ser irmã dele, minha tia. ” Quando perguntava pela mãe aos parentes do pai, “não me recordo o que diziam”. A resposta, no porão do inconsciente, espera para aflorar na hora certa.
“Ao passar dos anos, morando com meu pai, passei a odiar minha mãe, que não telefonava”. Se alguém perguntava, dizia que não tinha. “Para mim, era como se tivesse me jogado no lixo”.
Quando chega à adolescência, a jovem passa a ter problemas com a família do pai. “Havia muita rigidez na minha criação. Eu tinha 14 anos e morava com minha batian, é como chamo minha avó em japonês, e pai resolve me levar para morar com ele em Rondônia. Assim conheci minha madrasta e a experiência foi das piores. Ela tinha ciúmes da aproximação de Daiane com o pai. As discussões pioraram. “Morei com eles por quase 4 anos.
“Aos 18, saí de casa para morar com o namorado. Acreditava que assim conquistaria  liberdade e cuidaria de uma casa só minha. Mas não havia amor entre nós. Penso que só eu amava. Não me sentia amada”. Ela ainda não percebera que o amor é um sentimento tão especial, que vale a pena oferecer mesmo que o outro não sinta. Após dois anos de convivência, separaram e, sem espaço para voltar para casa, Daiane volta a morar com a mãe. “Ainda bem que não tive filhos.”
Em Manaus a encontra vivendo com o padrasto há 16 anos. É a terceira mulher do homem que tem cinco filhos de outras relações. “Hoje estou bem, procuro   melhor. Sempre fui independente e é isso que eu quero, conquistas, não quero depender de ninguém.”
Daiane continua a pesquisa do arquivo de fotos no celular. Após longa procura, acredita ter foto na loja onde trabalha. Pega o braço de Malu e o meu e a seguimos. Entramos no sofisticado ambiente da grife. Remexe as gavetas e percebo a frustração da jovem ao não encontrar. Queria materializar a imagem do pai e está desapontada.
Pergunto se gostaria de morar com a mãe ou com o pai. Com sorriso triste e de cabeça baixa, responde quem sabe que a vida nem sempre é como gostaria. “Com o pai. Amo meu pai.”
Em sua sinceridade, acrescenta, “as vezes chego a pensar que não sou amada por ninguém, nem minha família. Pelo menos não demonstram”. Falo que simplesmente ame, sem exigir amor dos outros pois há pessoas que não sabem demonstrar amor.
Três dias depois, em Brasília, recebo dela a foto do pai pelo Whatsapp.