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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

OLHO POR OLHO

(Google Imagens)
Anselmo acorda cedo para o trabalho.  Prefere fazer o desjejum em casa na companhia da esposa e do filho de dois anos. Após a refeição, a mulher o leva até a porta e despendem-se. “Procure chegar no horário” comenta maliciosa, “hoje o tempo está bom e não precisará dar carona a colegas.” Anselmo, que a beija sempre na despedida, dá meia volta e sai sem responder.
No mês anterior, antes de ir para casa, dera carona a uma amiga e demorou no comércio a esperar o alívio da enxurrada. O atraso custou dispendiosa cena de ciúme.  Sua esposa tomou a direção do carro e o jogou insistentemente contra a pilastra da garagem até avariar o motor e só sair rebocado. Aos gritos, dizia conhecer os encontros do marido e as traições com as colegas de trabalho. Por conhecer a mulher e haver presenciado cenas iguais anteriores, a aconselhou a procurar ajuda profissional, o que ela rejeitou.
O homem acostumara ser cuidadoso nos trajetos. Cronometrava os trechos e distâncias e os cumpria meticulosamente, pois sabia que a mulher memorizara os percursos. Preocupava-se em chegar sempre no mesmo horário. Desassossego era quando o chefe marcava reunião para o final do expediente. Era quando Anselmo teria de explicar detalhadamente o quanto demorou a pizza que os colegas encomendaram, ou algum outro detalhe que o pudesse atrasar.
Mesmo assim, era insuficiente. Vez por outra aconteciam atrasos, engarrafamentos, enchentes e aí tudo desandava. Anselmo se tornava um homem excessivamente preocupado com as horas. Consultava o relógio a todo instante, no pulso, no painel do carro, no ponto eletrônico.
Certo dia, um novo atraso e mais uma cena dramática. Ao chegar a casa, o filho de dois anos estava refém na varanda do apartamento. A mãe o ameaçava com uma faca no pescoço, exigindo de Anselmo que confessasse a traição. A custo conseguiu dominar, emocionalmente a mulher que se abandonou em seus braços e aceitou finalmente se submeter a tratamento.
Ela permaneceu  internada três meses. Ao sair, parecia outra, dominara a obsessão e a família finalmente experimenta período de calmaria. Diligente,  seguia por conta própria as recomendações  profissionais.
Anselmo, para garantir continuava o cuidado com distâncias e horários e, após alguns meses, em que a situação parecia controlada, um engarrafamento o atrasa por três horas. Ao chegar é recebido com sorriso e beijo na boca. A mulher passa a mão pelos cabelos do marido, ajeita a gola da camisa, tira-lhe o paletó, os sapatos. “Ah! Como é bom estar livre da ciumeira. Sinto-me liberta. Tanto é verdade, que mesmo sabendo de suas traições, estou tranquila”. Anselmo arregala os olhos. Ela continua. “Aproveitei teu atraso e visitei o vizinho, o solteirão do 304.”

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