(Google Imagens) |
É interrompida pela campainha. Abre a porta. É Bené, a faxineira barulhenta, que dá bom dia e se encaminha ao quarto de serviço.
Gostaria de ter o amante ao lado, pelo menos mais uma vez. Balançou a cabeça para espantar os pensamentos, foi à cozinha e tomou o remédio da pressão. Seria o odor de café que acordara sua memória? Ao ver o calendário, identificou o motivo. Faziam vinte anos da morte do filho, melhor amigo do jovem amante. A lembrança provocou a lágrima que rolou pela face lisa e branca. Teve grandes perdas, sendo a primeira o marido que perdera jovem para uma doença terminal, deixando-a com quatro filhos.
O amante também foi perda difícil de enfrentar, mesmo sabendo ser amor impossível. Logo depois da formatura, o jovem casou com a namorada e mudou de cidade, deixando pais e parentes para trás. Sentiu vontade de confessar os sentimentos a alguém. Falar sobre esse amor que nascera com data de validade. Foi até a área de serviço, mas descartou conversar com Bené, que cantava um funk nada atrativo. Voltou à cozinha. O jovem havia sido o segundo homem, quando recém completara três anos de viuvez. Até a morte do marido, recordava-se em detalhes de como fora feliz. Uma relação sem espaço para brigas que terminou inesperada. Uma manhã de domingo, o companheiro sentiu fortes dores, foi ao hospital e lá ficou.
Enquanto toma café, consulta o Faceboock. Entra no perfil do amor da juventude. O que estaria fazendo? Com quem viveria? Estaria casado? Teria filhos? Que mais? Não lembra. Foi ao quarto, abriu a gaveta do criado mudo e pegou, com cuidado exagerado, o binóculo de teatro. Recebera de presente do rapaz, no dia que completaram um ano de convívio.
No dia anterior, o avistara chegar para a visita mensal aos pais, seus vizinhos. Ficou tão nervosa que não encontrou o aparelho de aproximação. Agora o deixaria no móvel da sala. Toda vez que vinha, ele passava a pé pela frente da casa dela. Desconfia que estacione o carro propositalmente de forma a ser visto. Será que se lembra das tardes passadas juntos? Agora de binóculo, iria aproximá-lo para junto dela.
Da cozinha, a empregada pergunta qual sua idade. Ouve, olha com impaciência para o teto e pensa: “...tenho oitenta, mas...”
— Tenho trinta, Bené, trinta e dois anos — responde com sorriso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é importante