LEIA TAMBÉM:"ARQUIVO" e "PÁGINAS"

Dificuldades para comentar? Envie para o email : marcotlin@gmail.com
****************************************************

sábado, 16 de novembro de 2013

PRISIONEIRO

(Google Imagens)
A fechadura abre com barulho ensurdecedor, a porta escancara e entra intensa luminosidade que fere os olhos do prisioneiro, acostumados a escuridão. Aparece a silhueta do homem que diariamente faz tremer o rapaz algemado ao banco de madeira aplicando métodos de tortura para obriga-lo a entregar amigos. Sempre a mesma gravata surrada, calças e sapatos pretos. Encara o rapaz com desdém. O prisioneiro entende que a sessão de tortura iniciará. Se igual às anteriores, o fim está próximo. O sangue gela, como acontece sempre que antecede as sessões. O recém-chegado acende a potente lamparina da mesa e foca no prisioneiro.
Atrás do homem de preto, entra outro, de avental branco e longo bigode grisalho. Fecha a porta e aproxima-se do prisioneiro. Levanta a pálpebra esquerda e pergunta o nome:
- José P. – responde após longo silêncio, rouco, voz baixa, quase imperceptível. O desânimo toma conta do rapaz.
- Dificilmente resistirá a mais uma sessão. – o homem de avental branco fala pausado, com experiência de médico de pronto socorro. Detesta o torturador, classifica-o como frio e sanguinário. Já atendera prisioneiros  passados pelas mãos do homem.
- Se quiser viver, que assine a confissão. – o carrasco fala alto, esbraveja que não é problema dele e reafirma que fará o trabalho. Atira uma folha de papel na frente do prisioneiro. A assinatura, bem sabia o médico, não afiançava a vida do torturado.
- A saúde está comprometida pelos maus tratos no pau de arara, os eletrochoques e dias sem comida e água. – reafirma.
José P. fora retirado de casa acusado de terrorismo, levado de pijama para um porão e submetido a toda sorte de sevícias. Taxado de terrorismo contra o Estado, o estado do rapaz era lastimável, com olhos vermelhos  emoldurados por profundas marcas negras. Na boca, um hematoma que pululava gosma branca a escorria peito abaixo.
- Que diga o que tem a dizer, por bem ou por mal. Basta assinar o documento sobre a mesa. – o torturador exultava os momentos que antecediam o início do interrogatório.
- Não posso atestar pela saúde do prisioneiro. Deve ser internado em um hospital imediatamente. Posso ter o diploma cassado. – o médico se preocupa com a reputação e isto enraivece o torturador.
- Pouco me interessa. Iniciarei a sessão -. Vira e liga o equipamento de som. A sala inunda o ambiente com música clássica. Abre o volume ao máximo, e enfia um par de luvas cirúrgicas.
O médico percebe o prisioneiro fixado no revólver em cima da mesa. Por instantes, se entreolham, costurando tenra cumplicidade.
Alheio aos acontecimentos, cego de raiva, o torturador coloca as luvas, o capuz, a soqueira, toma água. Ouve dois estampidos. A dor lancinante e instantânea o impede de respirar. Volta-se, leva a mão à cintura a procura da arma. Percebe-a na mão do prisioneiro. Mais dois estampidos e cai em agonia.
Enquanto o médico atende o carrasco, ouve outro tiro. Apressado larga o moribundo e atende ao rapaz que, sem coragem de tirar a própria vida, acertara o teto da cela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é importante