(Google Imagens) |
Apesar
das inúmeras cobranças de parentes, de ser considerada final da fila pelos
amigos e dos sete anos de namoro, Bete permanecia convicta de que casamento é coisa
séria, decisão a ser tomada de cabeça fria e amor no coração. Antonio ao
contrário, desejava o matrimônio desde os dois primeiros anos. Achava que conhecia
Bete suficientemente e isto garantiria relação prazerosa. Nem imaginava que,
apesar de gostar muito, a moça desacreditava que a relação fosse dar certo.
O
casamento aconteceu e, ao final da primeira semana, apareceram os estranhamentos. Calcinhas e toucas penduradas no box do banheiro e, em cima da
pia aparelhos e cremes de barbear e toalha molhada amontoada sobre o vaso
sanitário. Objetos fora de lugar que no inicio nada representavam, passaram a ser os motivos de rusgas.
Dos
seis anos de casamento, cinco foram de calmaria e entendimento. Inclusive nos
gastos, até porque viviam do salário de Antonio. Precisavam economizar e as
despesas eram milimetricamente calculadas. Preferiam assistir filmes em casa a sair com amigos. As sessões de cinema precediam intensos momentos de amor, única diversão intensa do casal que, apesar disto, nem pensava em
filhos.
Bete
classificou o casamento como troca de dependência : de cuidada pelos pais, passou
a ser pelo marido. Fez psicoterapia e mudou a forma de encarar e assim entendeu
as atitudes de Antonio que a tratava como “companheira do lar”.
No
último ano, as diferenças apareceram gritantes. Ela passou a se queixar de que o
marido tinha um gênio difícil e problemático e algumas atitudes a deixaram
chateada ao ponto de iniciarem o rompimento, permanecendo dias sem trocarem
palavras.
Cada
um com seus motivos, quando estavam em casa, passaram a se comunicar com “amigos” da internet.
Permaneciam muito tempo em frente a telinha a teclar com desconhecidos em
confidências acaloradas que certamente, ambos entendem hoje, só serviram para
distanciá-los.
Ao
final, fizeram uma trégua e desfraldaram a bandeira branca e a relação
tumultuada deu lugar a convivência amigável, quase de irmãos. Como não era isto
que pensavam para a relação a dois, Antonio resolveu sair com alguém que conhecera num site de
relacionamento. Bete, estranhando o pouco interesse, chamou-o para conversar e
concluiu após vasculhar o celular do marido ao esquecer para tomar banho, “homem
é covarde, faz de tudo para a mulher pedir separação”.
Os
procedimentos de desenlace demoraram nove longos meses, período que Antonio
classificou de “muito sofrimento”, principalmente porque o pai, que adorava a
nora, segundo ele, morreu em decorrência do “desgosto”.
Bete
durante o processo de separação se consolava chorando pelos cantos do
apartamento vazio e o hábito de assistir filmes, uma das poucas diversões, finalizou
melancolicamente ao assistir “Quando a Amor Acaba”, onde gastou as últimas
lágrimas. Sozinha, perdeu o interesse em alugar novos títulos.
Filha
de pais rígidos, durante o período que permaneceu casada, Bete seguiu a risca a
educação paterna, imitando a disciplina herdada. Desde o inicio queixava-se da
visão financeira do marido da qual divergiam seriamente. Conheceram-se e casaram
em São Paulo e mudaram para Brasília, onde Antonio passara em concurso público.
Na
capital, tiveram a primeira oportunidade de convivência sem interferências da família. E foi quando as rusgas aconteceram. Por ficar longo período sem
trabalho, Bete pediu cartão adicional da conta salário do marido e nunca o perdoou
pelas negativas ríspidas, batidas de porta e silêncio com relação ao assunto. Mais
do que para proveito próprio, entendia como uma espécie de segurança para o dia
a dia caso ocorresse algo, um acidente ou coisa semelhante deixando-o
impossibilitado de passar senhas confidenciais.
Antonio
também apresentou queixas financeiras. Quando a mulher passou a trabalhar,
solicitou que dividissem as despesas e ela negou, alegando que ganhava pouco,
portanto, ele deveria arcar com tudo sozinho.
Bete
sempre detestou demonstrar fragilidade e, nos momentos de solidão no
apartamento, procurava pensar com otimismo. Aprendeu com ensinamentos de avós
japoneses que “na vida os sábios devem ouvir mais e falar menos”. Tem receio de
se mostrar e se considera autocrítica e perfeccionista.
Olha
pela janela e pensa na juventude. Lembra ser a responsável pela conquista de
Antonio e, apesar dos pesares ainda o ama. Mas se ele quiser voltar, não pensa
duas vezes “não o quero mais, ficou a experiência negativa de um sonho desfeito
a dois”. A mágoa da relação é acreditar que perdeu treze anos de vida. “No final,
tanto investimento emocional para nada”, desabafa.
Nem
tudo se perdeu para Bete, muitas coisas significantes aconteceram e reconhece
“... a relação me trouxe a Brasília, onde conheci muitos amigos e iniciei o
processo de independência financeira de minha família”.
Ambos,
separadamente, procuram caminhos. Bete dentro de si mesma, abrindo-se a novas relações,
conquistando amigos, saindo e dançando. Entre os dois, as conversas escasseiam,
não há pontos em comum, pois Antonio está em nova relação e a mulher espera um
filho. Por duas vezes encontraram na rua e preferiram passar um pelo outro sem
conversar.
Na
verdade, procuram relações que espelhem aos pais, que consideram modelos de
parcerias. Nada mais errado. São gerações diferentes e o que serve ao homem e a
mulher de hoje, certamente se diferencia dos pais.
Os
jovens casais buscam nova forma de ambientação para a vida a dois, pois com
tantas possibilidades de relacionamentos e tecnologias de redes sociais a
disposição, é impossível permanecer isolados. Manter-se conectado o tempo todo conduz
jovens casais a pseudo plenitude de relacionamentos virtuais que, mal
administrados, passam falsa sensação de completude emocional e de estarem
rodeados de pessoas, quando na verdade estão sós.
As
redes sociais, que deveriam cumprir um papel secundário nas relações apenas
para comunicação, se tornam um fim em si mesmo, facilitando, apresentando e descartando
estranhos.
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