(Foto Google Imagens) |
Diariamente
quando chegava a casa, Rodolfo aplicava tremenda surra em Isaura. Destemperado,
tratava a todos como raça inferior e descarregava os dissabores da rua contra a
mulher. Os filhos evitavam interferir e o provedor perdulário, comprava esta
cumplicidade com mimos financeiros. Sem apoio, após a violência recebida a esposa
chorava escondida no quarto da filha. Após a violência, esvaziado da tensão, o
homem se empanturrava de comida, jogava os cento e dez quilos na cama e roncava
até seis da manhã, quando acordava como se nada houvesse acontecido.
A
família, moradora de bela mansão em região nobre de Brasília, ostentava o alto
poder aquisitivo desfilando roupas de griffe
e automóveis novos. Coniventes com os destemperos do pai, os filhos exigiam caras
compensações, as quais, uma vez prometidas, Rodolfo cumpria a risca. Para bancar as exigências, retirava altos ganhos de
sua empresa de construção civil. Até Isaura usufruía das benesses. Em
compensação, vivia sobrecarregada e submissa, pois o marido queria servidão
total a si e aos filhos.
A
fortaleza do homem era abalada apenas por uma única fraqueza. A apnéia do sono.
Costumava acordar agoniado nas madrugadas, tentando respirar. Para minimizar o
problema, que poderia se transformar em tragédia, após exames o médico receitou
o uso de aparelho de oxigênio para ser colocado ao dormir. Como o homem deitava
alcoolizado, Isaura, ao dormir, colocava a máscara no marido.
Quando
a filha mais nova completou dezoito anos, ganhou seu carro novo e, além de
ignorar as brigas dos pais, passou também a desmerecer a genitora, já que
estudava psicologia e começava a entender a mecânica das relações.
–
Mãe, você o conhece muito bem. Pára com estes faniquitos. A relação doentia de
vocês me enoja – e, na hora da chegada do pai, saía com amigos.
Um
dia Isaura cansou. Revoltou-se, colocou óculos escuros para esconder o olho
roxo e correu a Delegacia da Mulher registrar queixa.
A
delegada, de seus cinquenta anos, cabelo preso num rabo de cavalo, olhou-a por
cima dos óculos, chamou a escrivã e as duas ouviram a mulher que falava sem
parar. Isaura chorou e falou por duas horas, até que, exausta, resumiu sua dor.
–
Sim, todos os dias há vinte anos. Agora cansei – a delegada ouvia pacientemente
e a escrivã lavrava o Boletim de Ocorrência, séria e solidária. Mas logo o ar policial
se transformaria em espanto. Ao consultar os arquivos pelo CPF da reclamante, a
delegada verificou que constavam oito queixas por agressão do marido nos
últimos cinco anos. Em todas desistira da ação.
Em
casa o martírio continuou por mais uma semana, quando, sete horas da manhã do sexto
dia, a campainha tocou e a empregada atendeu.
–
Poderia chamar o senhor Rodolfo? – pergunta a visitante.
A
mulher chama o patrão que chega se arrastando com cara de poucos amigos por ser
incomodado tão cedo na segunda-feira.
–
Sou oficial de justiça – anuncia, apontando a linha pontilhada para assinatura
– intimação para audiência na delegacia da Mulher.
Na
sala, Isaura esperava apreensiva, avisada pela serviçal. O homem ao passar
colocou o dedo em riste em seu nariz.
–
Bem, vou te esclarecer. Ta vendo a chave da Mercedes que te dei de aniversário?
Vou levar e saiba que está no nome do meu irmão. Esta casa é de meu pai e a
fazenda, de Clarinha. – e o marido desfiou todos os bens e os nomes dos
“laranjas”, da própria família. – Mas tudo bem, irei a Delegacia na data marcada.
Pode arrumar minhas malas – E saiu porta afora. À noite, o motorista pegou a
bagagem do patrão e levou ao apartamento da asa sul, que estava vazio.
Não
se viram até a audiência, quando Rodolfo chegou na hora marcada.
–
Senhor Rodolfo, sua esposa retirou a queixa. O senhor está isento de prestar
depoimento, mais uma vez. Fique avisado
que dona Isaura sempre terá a lei do lado – no íntimo, a delegada demonstrava
indignação com a ex-reclamante.
A
saída, Isaura esperava encostada na BMW do marido.
–
Rodolfo, você ganhou, cadê a chave da Mercedes? – e estendeu a mão enquanto o
homem entrava no carro.
–
Está embaixo do tapete da sala. – gritou à mulher – agora vou trabalhar.
Prepara janta leve para mim, volto para casa hoje – E ordenou ao motorista que arrancasse
com o carro.
A
delegada afastou a persiana e espiou Isaura andando decidida ao ponto de
ônibus, com óculos escuros, sapatos baixos e roupas simples. Diferente da
mulher plena de jóias e roupas caras quando registrou queixa.
–
Mais uma desistência de ação – Comentou com a escrivã que rasgou o documento e jogou
na lixeira, balançando a cabeça.
Isaura
chegou cedo a casa preparou a janta e sentou-se a espera de Rodolfo. Logo ouviu
o carro que entrava na garagem e avaliou o estado da embriaguês pelo ruído do
motor. Esperou-o na porta da garagem com suco de caju.
Preparou
janta a base de saladas e logo após, sem banho nem escovação de dentes, Rodolfo
a chamou para o amor obtendo plena participação da mulher com direito a gritinhos
e suspiros.
Após
amor intenso, Isaura retirou-se ao banheiro. Ligou o aparelho de som e,
enquanto esperava a banheira encher, dançava sensualmente ao som de Zizi Possi. Colocou
sais aromatizantes e iniciou o banho relaxante.
Absorta
pelo som, saciada pelo êxtase da noite e aquecida pela água morna, a mulher não
escutou o marido desesperado acometido por crise de apnéia no quarto.
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