(Google Imagens) |
Inês
entrelaçou os braços nos irmãos e foram à sala assistir ao programa de domingo.
A mãe permaneceu na cozinha preparando o bolo de chocolate para o lanche da
tarde, hábito deixado pelo pai, que ela nunca acertava o ponto.
–
Já comprei as passagens. Vamos passar o aniversário de 50 anos com o pai em São
Paulo – cochichou aos dois, enquanto sentavam em frente a tevê.
Filhos
de pais separados há cerca de dez anos, atualmente o genitor morava na capital
paulista com a nova mulher.
–
Aff Inês, você conhece a mãe, não gostará nenhum pouquinho – André era o mais
solidário a genitora.
Depois
da separação, alimentou mágoa do tamanho da Torre de Televisão de
Brasília. Julgava-se prejudicada por cuidar dos filhos, um fardo pesado para
mulher só. Afastou-os o que pode do pai, buscando oportunidades de usá-los para
vingar “a humilhação sofrida”. Da última vez que tentaram aproximar do genitor,
ouviram ameaça de suicídio e acusação de ingratidão. Aproveitava para
jogar pitadinhas de veneno na imaginação filial,
–
A pensão que paga mal dá para comer – mentia descaradamente. Era a imagem do
desconsolo.
–
Lembra o que fez quando fomos visitar papai há alguns anos? – Comenta André, o mais
novo – Se jogou na frente de um ônibus.
–
Tá na cara que não pretendia se matar. Machucou apenas porque um ciclista estava
de carona e a pegou de raspão – defendeu Inês que adorava o pai, mesmo com os
defeitos que a mulher atribuía.
A
filha a conhecia bem. Era destemperada, rancorosa e vingativa. Quando discutiam,
Inês desmascarava,
–
Você depositou a culpa da sua infelicidade nas costas do pai, quem aguenta isto,
mãe? Ele abandonou foi você e não os filhos – E acrescenta – Sempre manteve
contato com a gente.
Inês
estava de malas prontas, mas os irmãos, reticentes, ainda buscavam desculpa
convincente para não melindrar a mãe.
Mais
alguns dias e a moça atende telefonema destemperado da genitora.
–
Então quer levar os irmãos para visitar teu pai, filha ingrata, mesmo depois do
que fez contra nós. Ele só soube fazer o bem bom, sustentar e amassar o pão
para comer foi eu que fiz. Pois se quiser ir, que vá, mas esquece teus irmãos,
senão........ - e deixou em aberto a ameaça.
Inês
entendeu a intenção da mãe. Era capaz de tudo para impedir a aproximação. Considerava
os filhos só dela. Passou a duvidar que viajassem.
Tinha
razão. Dias depois Marcelo liga para a irmã.
–
Mana, André e eu não vamos. – Explicou rispidamente – Tenho receio que mamãe
cometa uma loucura e a gente fique preso na consciência.
A
mãe usara mais uma vez os argumentos suicidas com os filhos.
–
Ela se aproveita Marcelo. Isto é chantagem e estão embarcando na conversa – Inês
argumenta sem convicção.
–
Pelo menos eu, não vou. Está decidido e nem ligue mais. Só para falar outro
assunto.
Se
Marcelo assim pensava, André nem valia a pena tentar, era genioso igual à mãe.
Desconsolada,
Inês procura a loja de turismo para vender as passagens, mas no caminho recebe
novo telefonema do irmão, desta vez agitado
–
Mamãe acabou de ir para o hospital. Estávamos falando sobre a viagem a Sampa,
quando reclamou de forte dor de cabeça e desmaiou. Chamei a ambulância.
Inês
desvia o trajeto do carro e chega esbaforida ao hospital conveniado. Ao ver a
mãe entubada e pálida, percebe a gravidade.
O médico se aproxima dos irmãos e desfia o diagnóstico com a realidade e
clareza que só eles tem nestas horas.
–
Jovens, sou neurologista. A mãe de vocês teve um AVC e está com sequelas. Por
enquanto, apresenta dificuldades de falar e mente confusa. Só poderemos avaliar
daqui a uma semana. Por enquanto é isto. Sem previsão de alta. As visitas estão
suspensas, pois só farão piorar a situação.
Após
ouvirem os esclarecimentos, sentam no banco da enfermaria, perdidos em mundos
imaginários.
Percebendo
os irmãos calados, a mãe naquele estado e avaliando o diagnóstico do médico, Inês
pega o celular e decidida, liga para Sampa.
–
Pai, surpresa – e, olhando os irmãos – Iremos os três no sábado. Prepara aquele
bolo de chocolate.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é importante