(Google Imagens) |
Até
a cirurgia os dias passaram depressa. Os sintomas pioravam, o sangramento
preocupava e o médico tinha pressa. Eu também, mas nem tanto. Continuava a sensação
de vazio e o receio quanto ao que viria. Com os exames prontos, a operação foi marcada.
Na véspera procurei dormir cedo para chegar descansado, mas rolei na cama e
quando percebi, amanheceu. Adormeci com o sol nascendo e, ao despertar o relógio,
o corpo doía, rígido e tenso. Em jejum, segui os procedimentos para limpeza do
intestino e, no horário combinado, rumei ao hospital. Fui conduzido a uma suíte
confortável e, após a checagem da documentação, recebi um avental verde e a indicação
do banheiro. Obedecia mecanicamente, e lutava com a vontade de fugir pelos
corredores para a rua. Após espera de cerca de trinta minutos, chegaram duas
enfermeiras e, recomendadas pelo cirurgião, aplicaram o soro e uma injeção de doping e fui conduzido dormindo ao centro
cirúrgico.
Calculo que o procedimento tenha demorado umas quatro horas. Ao acordar estava no mesmo quarto de antes e, à medida que saía do torpor da anestesia, uma dor lancinante queimava o abdômen. Pedi em voz alta e com intimidade “Deus, não me abandone. Livre-me desta dor”. Minhas condições foram definidas pelo médico. “Está tudo bem?” perguntou pegando meu pulso. “Muita dor” reclamei. E ele perguntou sorrindo, “a sensação é como se um caminhão o atropelou?” Nem respondi. Mandou aplicar outra medicação. “Isto é uma espécie de morfina, o senhor se sentirá melhor em seguida”, explicou o enfermeiro enquanto injetava o líquido vagarosamente na mangueira do soro. O receituário previa seis aplicações a cada oito horas. Na quarta aplicação abri mão das outras. O alívio imediato causava sensação tão deliciosa e refrescante que temi querer aquilo pelo resto da vida. A cada hora que passava, havia melhora visível e no terceiro dia, amparado por Fábio, meu filho, saí do quarto. Da janela do corredor observei a tarde ensolarada, linda e brilhante e, apesar da dor, esta imagem, vista tantas vezes pela vida afora, nunca esquecerei. Ali tive certeza que o que mais desejava era simplesmente viver, pois o mundo estava melhor do que o deixara.
Calculo que o procedimento tenha demorado umas quatro horas. Ao acordar estava no mesmo quarto de antes e, à medida que saía do torpor da anestesia, uma dor lancinante queimava o abdômen. Pedi em voz alta e com intimidade “Deus, não me abandone. Livre-me desta dor”. Minhas condições foram definidas pelo médico. “Está tudo bem?” perguntou pegando meu pulso. “Muita dor” reclamei. E ele perguntou sorrindo, “a sensação é como se um caminhão o atropelou?” Nem respondi. Mandou aplicar outra medicação. “Isto é uma espécie de morfina, o senhor se sentirá melhor em seguida”, explicou o enfermeiro enquanto injetava o líquido vagarosamente na mangueira do soro. O receituário previa seis aplicações a cada oito horas. Na quarta aplicação abri mão das outras. O alívio imediato causava sensação tão deliciosa e refrescante que temi querer aquilo pelo resto da vida. A cada hora que passava, havia melhora visível e no terceiro dia, amparado por Fábio, meu filho, saí do quarto. Da janela do corredor observei a tarde ensolarada, linda e brilhante e, apesar da dor, esta imagem, vista tantas vezes pela vida afora, nunca esquecerei. Ali tive certeza que o que mais desejava era simplesmente viver, pois o mundo estava melhor do que o deixara.
Os
dias que se seguiram foram de recuperação, misturados a dores, muita medicação e
de melhora no estado geral. Por duas vezes os enfermeiros ofereceram a injeção
de alívio e rejeitei.
Após
uma semana o médico atestou alta, “minha missão com o senhor acabou. Daqui para
frente, vá em frente, sua vida lhe pertence, faça com ela o melhor”. Saí da clínica pela porta lateral, em um dia
encomendado para renascimento. Encontrei o céu sem nuvens e uma tarde de muito
sol e entendi que deveria me conhecer e a partir deste autoconhecimento, viver de
forma conveniente. Amparado, caminhei devagar ao carro, com dores no abdômen que
obrigavam a parar. A percepção estava a mil e percebi cantos de pássaros, o
mendigo que pedia esmolas e um taxista sorridente. Assim, aos poucos, o
renascimento entrava em mim como se realmente estivesse encontrando pela primeira
vez valores despercebidos. Renascia admirando com atenção ao que me rodeava e
percebi que outra pessoa ficara no hospital. Tornáva-me um novo ser, capaz de admirar
a beleza do viver e a alegria de poder recomeçar mais perceptivo.
A
recuperação da cirurgia foi estimada em quinze dias, e após, deveria
providenciar a nova etapa. A quimioterapia. Diariamente caminhava vagarosamente pela rua onde morava.
Impressionante a quantidade de massa muscular que se perde em uma semana,
percebia as pernas finas e fracas. Queria voltar a nadar, pois acreditava acelerar
a recuperação, mas o médico segurou-me por dois meses. “É justo que queira
apressar as coisas, mas deve ter paciência e esperar o tempo certo. Cuide-se,
pois um esforço extra pode causar hérnia”. As caminhadas que a cada dia
aumentavam em percurso, serviam para fortalecer o emocional e preparavam o
organismo para enfrentar o que vinha pela frente. “É uma doença de várias fases
e cada uma o fará mais forte, não tenha pressa. Por enquanto, aproveite”. Assim
o médico acompanhava o processo. Pelos lugares onde passara apressado, a pé ou
de carro, agora, a passos lentos, prestava atenção e percebia detalhes
escondidos de olhos ignorantes. A claridade do sol, as árvores, os pássaros e o
carreirão de formigas. O direito a vida me obstinava.
Nesta
fase de introspecção, aprendi a refletir sobre os acontecimentos e iniciou-se
um processo de seleção com relação a tudo e todos. Entendi mais tarde que era
processo natural por que passam os renascidos após traumas. Confesso que por
vezes me senti estranho dentro da própria casa. Inexplicável.
Oscar
Wilde dizia que “... encontrar um sentido para a dor é, segundo a logoterapia,
um bálsamo para a própria dor. Se, além disso, soubermos revestir de beleza
essa consciência, então transformaremos cada momento difícil em uma experiência
sensível e enriquecedora.”
Levantava
cedo e admirava o amanhecer. No inverno, os dias em Brasília são muito claros e
o frio ameno. Dáva-me prazer vestir um casaco leve e esperar o calor do sol aquecer
o corpo num caminhar preguiçoso. Para
curtir o pós almoço, colocara uma poltrona reclinada no quarto, onde dormia por
uma hora antes de iniciar a leitura. Ao final do dia, voltava a andar.
Na
primeira consulta com a proprietária da clínica, pequena japonesa, jovem e sorridente
da qual ouvi a frase que compartilho. Pausadamente olhando diretamente meus
olhos, como se quisesse colar as palavras na mente, “foi-lhe dada uma segunda
chance, faça a diferença e mostre que valeu a pena ter ficado por aqui”. Alguém
a chamou, pediu licença e saiu para atender um paciente. O comentário martelava
minha cabeça. Mas afinal, o que eu teria que fazer? Quando voltou, tirei algumas
dúvidas sobre o tratamento e ela especificou vinte e quatro sessões, agendadas
para as quintas feiras, nove horas da manhã. As sessões começaram imediatamente,
a partir da primeira quinta após a consulta.
Somente
no segundo mês das aplicações recebi liberação para nadar e, a partir daí,
incorporei este exercício três vezes por semana ao tratamento. Quando saía da
piscina, passava numa lanchonete e tomava açaí, fruta que mais tarde se
aplicava muito bem ao meu caso, pois contribuía com a manutenção da imunidade.
Foram
seis meses de medicação redentora e de busca constante do autoconhecimento. Não
pelo que ouvira dos médicos, mas compreendia que a fórmula vivida até então,
esgotara. Precisava buscar a verdadeira razão de viver.
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