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domingo, 29 de julho de 2018

NOTICIAS

(Foto Google Imagens)
Era uma carta. Simples. porém teve um poder de meteoro em minha vida. O carteiro chegou, o cachorro latiu insistente como sempre. Perguntei da janela para quem era, só ouvi "registrada". Fiz sinal que esperasse  vestir a capa. Chovia forte quando saí a rua.
Esperava noticias há cerca de dois meses e a carta representava muito para mim. Enquanto me dirigia a frente da casa onde se localizava a caixa de correios, me perguntei o motivo que a teria feito ir embora. Não recordava. Teria outro?
— Precisa ir embora? — perguntei com um nó na garganta.
Nada respondeu e fiquei no apartamento sozinho. Lembro que anoiteceu rapidamente e, sentado no escuro, pensava nos acontecimentos daquele dia, pouco antes dela chegar e anunciar a decisão de ir embora.
Estávamos juntos há cinco anos, sendo os últimos três meses em uma quitinete de fundos na Vila Assunção. Eu perdera o emprego terceirizado no governo e passei a fazer trabalhos de tradução e revisão literária, o que me causava profundo tédio. Izabel sustentava a situação financeira sem reclamar, mas com visível insatisfação. O aperto financeiro nos obrigou a cortar gastos importantes como a escola do nosso filho Rafael e os almoços fora de casa aos finais de semana. Havia parado minha natação e ela as aulas de piano, o curso de espanhol e o sonho de cursar MBA na Fundação Getúlio Vargas. Ultimamente andava fria e confesso que eu também. Meu livro estagnara. A situação acabara com a inspiração.
O leve perfume de Izabel no envelope denunciou o remetente. Coloquei-o de lado e preparei o desjejum. O envelope pardo, pelo tamanho e peso, indicava várias folhas.
O dia chuvoso parecia encomendado. Abri as cortinas e deixei entrar a claridade. Confesso que retardava a leitura. Acendi a lareira para esquentar o ambiente gelado do inverno gaúcho. O café quente me saciara e, com o calor da lenha queimando, leve satisfação tomou conta de meu corpo. Peguei novamente o envelope e olhei contra a luz, pela textura eram três folhas de papel oficio, escritas a mão, como era seu hábito.
O perfume era o que usava quando saiamos com casais de amigos ou sozinhos para lanchar.
Com certeza seria uma carta cheia de lamúrias pela situação ter chegado ao ponto que chegou. Ou talvez de queixa por ficar esperando que eu arrumasse outro emprego, enquanto a situação da casa ficou por conta dela. Mas não tenho culpa pela crise que o pais passa. Ontem mesmo o Jornal da TV apresentou a queda alarmante do índice de emprego.
E se o conteúdo fosse outro? Quem sabe se arrependera e queria reatar. Uma carta de descrição de nossa relação, do sentimento de perda do pequeno Rafael. Apresentação de nova tentativa de ficarmos juntos. Afinal escrevia bem e certamente apostava que eu quebraria meu mutismo de dois meses de falta de contato. Se fiquei mudo por dois meses, ela também não fez questão nenhuma de contatar.
O celular interrompeu meus pensamentos. Era Izabel. Deixei tocar. Certamente cobraria alguma posição referente a proposta da carta. Voltei a lareira, peguei o envelope e, já estava me aninhando no sofá para abrir, quando levantei e, sem pensar duas vezes, joguei o envelope na lareira.

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