Saru costurando ( arquivo pessoal ) |
Saru
Yamagushi tem 97 anos, nasceu em 08 de novembro de mil novecentos e quatorze. Mora
em Caldas Novas desde 1988, mas já morou em São Paulo e Paraná, onde tem a
maioria dos parentes. Aos dezessete anos, ainda adolescente, chegou ao Brasil, procedente
de Hokkaido, segunda maior ilha do arquipélago japonês, na esperança de
testemunhar o que ouvira ainda na terra natal : “um país ótimo para viver”.
Casou-se
com um paulistano dez anos mais velho com quem aprendeu que a vida não era tão
simples como lhe ensinaram. O marido alcoólatra obrigou Saru, educada a
aguentar tudo do companheiro, a conviver com a doença resignadamente até sua
morte, por problemas no fígado. Teve nove filhos dos quais oito estão vivos e residentes
em diversos lugares do país. Com a morte do marido, manteve a mercearia da
família na cidade do Gama em Brasília, de onde sozinha, tirava o sustento da família.
Criou
os filhos repassando a rígida educação aprendida dos pais que ficaram no Japão.
Apesar disso, Saru sempre tratou os filhos com carinho, os quais “encaminhou
com princípios de ética e honestidade”.
Ao
chegar a casa de Saru encontrei-a pedalando em uma bicicleta adaptada por seu
filho caçula Mutian, que proporciona que ela pedale praticamente deitada. Um
exercício que o filho caçula a submete diariamente por pelo menos uma hora.
“Assim mantenho a mãe muito bem exercitada e com a mente boa”, diz com
convicção. Mutian é o filho dedicado e de quem procede toda ajuda e com quem
mora numa espaçosa casa da cidade termal goiana. Quando fala sobre a mãe, se
emociona e demonstra orgulho em ser o único a dedicar amor, tempo pessoal e
conforto na velhice de quem classifica ser a responsável pelo seu sucesso como
ser humano.
Pedalar
vem de família. Mutian, coleciona entre medalhas e troféus, mais de 240 itens
relativos a participações e boas colocações no ciclismo. Ao mesmo tempo que
exercita a mãe, a prepara para melhor competir com o avanço da idade.
“Há
treze anos atrás mamãe vivia no Gama com minha irmã, mas quando lá cheguei percebi
que estava em condições muito difíceis, prostrada em uma cama e com um
furúnculo nas costas, pronta para morrer. Minha irmã não dava conta de cuidar
dela. Trouxe-a para Caldas Novas definitivamente e aqui criei uma estrutura
confortável. Aos poucos, constatei a veracidade do ditado que os pais criam
oito filhos, mas oito filhos não cuidam dos pais”. Mutian fala da mãe com orgulho, “...ela
cozinha e costura diariamente, a mão ou na máquina.” Vira-se para
o pequeno relógio de parede do quarto onde costura e pede a mãe que fale as
horas e ela responde com firmeza “são cinco e meia.”
Mutian,
que é aposentado, ainda prepara surpresas para a mãe. No natal de 2011, arrumou
a veraneio e, dizendo que iriam a um passeio pelo interior goiano, alojou-a no
banco traseiro e a levou para visitar parentes em Paranavaí no Paraná. Foram
mais de mil e quinhentos quilômetros de estrada. Saru, que ignorava aonde iam, quando
lá chegou teve uma das maiores emoções, pois encontrou pessoas das quais estava
afastada a mais de cinquenta anos. Mas sempre falava ao filho querer realizar
este sonho.
Esta
japonesa que escreveu sua história no Brasil, onde teve negócios e concebeu
família, esbanja ótima saúde. Prova disto é que há dez anos atrás, já aos 87
anos, quebrou o fêmur e se submeteu a delicada cirurgia para colocação de vários
pinos. Seu filho cuidador não mediu esforços com a mãe impossibilitada de engessar
e, graças a esta dedicação, o osso colou naturalmente e Saru caminha com a
mesma facilidade anterior, sem seqüela.
Pelo
visto conseguirá realizar o sonho de comemorar os cem anos na cidade natal,
desejo que Mutian quer proporcionar a mãe, para rever parentes que nem sabe se
ainda vivem. Saúde física e mental tem de sobra, com 40 quilos e pedalando
diariamente, se condiciona para a realização do sonho da viagem. Saru quando
fala do Japão se emociona, contagiando a todos e principalmente ao filho que é
parte indispensável no projeto. Mutian disfarça a emoção e recomenda “para a
senhora ter forças para esta viagem, terá de pedalar muito nesta bicicleta”.
Saru pede licença, levanta, despede e, disciplinada, se dirige a varanda onde
está o aparelho.
Um sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas um sonho que se sonha junto é realidade. (Me deparei lendo o texto e ouvindo a Elba Ramalho cantando esta canção).
ResponderExcluirDona Saru tem um grande filho.
A dedicação dos filhos para com seus pais gera vida longa para eles. Bons filhos, serão bons pais e assim segue a humanidade. Abraço.
ExcluirTexto sensível e cheio de lições. Parabéns!!!
ResponderExcluirObrigado Amanda. Elogio vindo de colega de Jornalismo Literário, me incentiva cada vez mais neste trabalho.
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