(Loquinhas- Arquivo pessoal) |
Levantei cedo, fechei a conta e dei adeus ao povoado São Jorge. Um dia voltarei em tempo seco e aproveito as cachoeiras. Às nove horas estava em Alto Paraíso e localizei a pousada que ficara há vinte anos. Após projeto paisagístico, passava a sensação de estar incrustrada na mata. No jardim, o totem com ares misteriosos proporcionou momentos de meditação. Ao perceber interesse, o proprietário explicou “veio em contêiner diretamente do Tibete ao porto de Santos, depois seguiu de carreta a Alto Paraíso”.
Liguei para Bia, amiga de Brasília e moradora na cidade. Fez a diferença. Indicou visitas e por conhecer numerologia e astrologia gerou conversas interessantes sobre autoconhecimento. Bia foi incansável e programou passeios atraentes.
(Cachoeira de Loquinhas - Arquivo pessoal) |
Na manhã de sábado, conheci detalhadamente a região das Loquinhas, com seus poços e cachoeiras. O tempo ensolarado ajudou. A excelente estrutura turística proporcionou passeios seguros em trilhas de madeira com corrimãos. São várias quedas d’água, sendo a última, espetáculo de beleza ímpar. Um teatro armado pela natureza, cuja atriz principal é a cachoeira que contracena com árvores, borboletas coloridas e água corrente entre rochas. Permaneci plenamente harmonizado com a natureza.
No meio da tarde, Bia passou na pousada e rumamos ao paralelo 14. Pleno de misticismo, é o mesmo quadrante geográfico da lendária cidade de Machu Pichu no Peru originando histórias de ligações subterrâneas entre as cidades. A formação de enormes pedras construiu o Jardim Zen, ornamentado por flores naturais, conjunto avistado de longe. Em uma das pedras que sentaríamos para descansar, tomava banho de sol a pequena cobra Limpa Campo. Acompanhou e guardou o monumento com olho atento e língua nervosa.
Assuntos de discos voadores e seres extraterrestres são temas corriqueiros entre moradores. Várias “tribos”, formadas por místicos, filósofos e religiosos, buscam formas de vida alternativa e transformam Alto Paraíso em cidade única e especial.
Há representantes de todo mundo residentes na cidade. São húngaros, franceses, indianos, espanhóis, originários da América Latina e do Norte e brasileiros do Oiapoque ao Chuí. São pessoas que afirmam ter recebido chamado inexplicável. No período conhecido por “fim do mundo” em final de 2012, acreditava-se, segundo as profecias, ser a única cidade sobrevivente o que trouxe várias personalidades. Uma delas Xuxa, convidada pela amiga Maria Paula, dona de fazenda na região. Acredito que a ex-rainha dos baixinhos esperava sobreviver para alegrar as crianças remanescentes.
Após o almoço, encontrei Tila, a cabelereira que chegou em dezembro vinda do interior de São Paulo e trouxe quatro dos seis filhos. Deixou para trás o marido alcoólatra após suportar desatinos por quase trinta anos. Há muito namorava Alto Paraíso pela internet. Os filhos a apoiaram e estão satisfeitos. Pretende crescer na carreira e montar o próprio salão. Há inúmeros estrangeiros que se radicaram na cidade. Trazem heranças, compram terras
Bia conta que a população cresce na mesma proporção da evasão. Muitos chegam, montam negócios prósperos e, após certo tempo desaparecem assim como apareceram, sem pistas. Comércios fortes de um ano para outro, fecham as portas e os donos somem.
Espalhados pela região existem cerca de quarenta grupos místicos, são daimistas, oshoístas, espíritas, evangélicos, budistas e outros. Alguns se fecham a visitação. Há seitas disponíveis apenas aos membros e localizam onde menos se espera. Como ao pé dos inúmeros morros.
Assim é Alto Paraíso de Goiás. Talvez as pessoas sintam atração pela incrível beleza natural e depois caem na realidade de que o belo não gera sustento, pois o turismo é sazonal. Contemplar paisagens enche os olhos e não os bolsos. A cidade respira espiritualidade e, queira ou não, o visitante entra na onda cedo ou tarde.
A Chapada passa a certeza da simplicidade da vida. E assim cheguei a Brasília, pensando simples, desapegado, liberto de alguns valores que já passavam por transformação.
À saída da pousada tive dificuldade de desviar do cachorro que dormia preguiçosamente estirado no meio da rua. Em Alto Paraíso, a vida, como a deste cão, parece fluir lerda. Cidade Zen para quem está convencido que tempo escasso é ficção dos grandes centros.
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