Quando cheguei em Porto Alegre, vindo de Uruguaiana, contava seis anos de idade. Por influência de minha tia que morava na rua Landell de Moura, me estabeleci com a família na rua Mario Totta, para o “lado da praia”, como se dizia.
A casa era de madeira com enorme porão. Ao lado, cinco pés de cinamomo forneciam a sombra ao verão escaldante. Nos fundos do terreno havia um abacateiro que dava frutos deliciosos no inverno e eram colhidos no pé. Também havia quatro pés de mamão, em cuja lateral, minha avó fez um galinheiro. Dali tirávamos os ovos para o almoço e as gemadas batidas com açúcar. Era uma casa com portão de madeira, árvores, caramanchão, cachorro, gata com filhotes, torneira de ferro. Tudo isso bem próximo a um rio com barcos, natação em água limpa e peixes.
Lembro de meus amigos. Eram o Renan, o Ronald, o Miguel, o Hamilton, o Darcy, o Lotário e o irmão Ricardo, o Marcio e o irmão Adão, o Carlinhos. E as gurias, nossas companheiras inseparáveis e torcedoras sem trégua, algumas irmãs daqueles, como a Eunice, a Ellinha, a Vivian, a Magda, a Valéria, a Ingrid, a Siegrid. Minhas primas Viviani, a Rose e o primo Luiz Carlos, o “Taio”, também eram da “patota” da Tristeza.
Deixávamos nossa imaginação criar coisas incríveis. Certa vez tive um cão em sociedade com a Viviani. Era o Lobo que passava o dia na casa dela e à noite vinha dormir na minha. Combinávamos que ele traria bilhetes na coleira, com mensagens dela para mim, de minha tia para minha mãe e vice-versa. E assim criamos o cão-torpedo, muito antes das operadoras de celulares.
Nesta época, idos de 1958, o Bairro Tristeza possuía matas nativas por onde a garotada se escondia durante as brincadeiras de pique-esconde. Muitas vezes usei a mata para ler. Lia ao som de sabiás, pintassilgos, canarinhos e folhas que caiam nas páginas de livros de Monteiro Lobato e Érico Veríssimo, colorindo-os.
Em dezembro passado, decidi revolver este recanto da infância. A partir da Wenceslau Escobar, iniciei a descida da rua Mario Totta, para o lado da praia. Procurei pelo número da rua. Nada. Pelos cinamomos, pelo abacateiro. Minha casa fora substituída por um prédio com quadra poliesportiva. A casa de madeira, com os pomares, as árvores, porão de brinquedos, a longa escadaria para descer até o pátio dos fundos, pode ser encontrada apenas na página da memória. Sem fotos que recordem sua existência, a casa de minha infância é ficcional. Existe. Na imaginação.
PARABÉNS MARCO!
ResponderExcluirESCREVER É UM PRAZEROSO EXERCÍCIO DIÁRIO.
Que lindo! Que chique ! Ler ao som de sabias , pintassilgos e canarinhos . Que orquestra maravilhosa..!!
ResponderExcluirLer é prazeroso. A orquestra faz parte de minha memória adolescente.
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