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quinta-feira, 3 de abril de 2014

DESESPERAR JAMAIS

(Google Imagens)
Romero estaciona a Kombi 1962, desce lentamente apoiado na direção e inicia o trabalho de preencher o engradado vermelho com mercadorias. Falta a agilidade de quando enchia dois engradados e os levava um em cima do outro para dentro da residência. Organiza os mantimentos, pacientemente. Primeiro os tomates, depois abacates, abacaxis, limões, laranjas. “Por cima folhas de alfaces, repolhos, couves-flores,  e rúculas, senão amassa”. Levanta a caixa na altura do peito e a leva à despensa. “As verduras foram escolhidas a dedo”, fala bem humorado ao dono da casa.
Há 35 anos fornece verduras frescas semanalmente. Em uma casa do Lago Sul, almoça toda terça a convite do proprietário. Durante a refeição, senta-se à mesa onde é tratado como membro da família. Serve feijão diretamente da panela de onde extrai paio, carne e linguiça.
Tem ar cansado, o Romero. No rosto, marcas da vida de sacrifícios. “Já fiz de tudo para sobreviver, desde caseiro a carregador de bagagens.”. O trabalho pesado custou hérnia e varizes doloridas, operadas por perigo de trombose. A aposentadoria é pequena. Diariamente, amanhece na Central de Abastecimento (CEASA) onde escolhe verduras e frutas frescas e distribui a compradores fiéis. Na casa onde almoça, dedica especial atenção ao fornecimento dos produtos. “Este casal é muito bom para mim. Aprendi muito com a família. Considero-os segundos pais”. Refere-se ao casal de 85 anos, donos da casa. Fala sobre as dificuldades, sentado à cabeceira oposta ao dono da casa.
“Perdi a mãe aos quatro anos de idade e poucos meses depois, perdi meu pai”. A partir daí, tudo fica difícil para o vendedor. A vizinha se encarrega de cuidar do menino, mas o submete a mãos impiedosas. A qualquer contrariedade, o castiga severamente. Certa vez, na insanidade dos maus-tratos, a mulher arranca-lhe metade de uma das orelhas. “Neste dia, jurei que na primeira oportunidade fugiria daquela tortura”. Acreditava haver um mundo melhor do que o que o acolheu. Aos cinco anos, arquiteta a primeira tentativa de fuga. Tenta uma, duas, três vezes, mas sempre é trazido de volta. A cada vez que retorna, os castigos pioram. No entanto, a cada fuga, adquire experiência e em certo dia de tempestade violenta, em meio aos trovões, foge correndo, alcança a estrada de terra e envereda pelo mundo desconhecido. Temendo ser reencontrado, caminha por três dias em direção incerta.
Dorme pelas ruas, debaixo de bancos e, de favor, em fazendas. Desesperado, à procura de lugar onde se fixar, Romero é abordado por um homem que o leva para casa e apresenta-o a mulher. “Olha quem encontrei na rua, está sem dono”, brinca. A mulher serve um prato de comida ao menino franzino e triste. “Pode ficar conosco. Não temos filhos. Dê ao jovem ocupação, boas roupas, salário e coloque-o na responsabilidade pelas vacas”.
Romero cresce aos cuidados do casal que, bons e hospitaleiros, o tratam como filho. Amadurece em lugar acolhedor e amoroso. Mas a vida prepara mais testes. Certo dia, o dono da fazenda amanhece adoentado e, após exames, é constatada doença terminal. A enfermidade é rápida e em poucos meses o homem falece. A mulher, idosa, assediada por parentes distantes é convencida a vender os bens. Chama Romero e fala que é chegada a hora de seguir caminho. Como ajuda, o indeniza com uma velha bicicleta, a qual será útil para trabalhar. O rapaz enfrenta o mundo novamente. Melhor preparado, mas de novo abandonado pelas pessoas que ama, convida a namorada para acompanhá-lo, fazendo uma irrecusável proposta de casamento. Com família para sustentar, monta o primeiro negócio próprio e, de bicicleta, passa a distribuir leite pelas vilas da vizinhança.
Um dia, em 1957, Romero ouve falar de Brasília: “canteiro de obras no meio do cerrado”. Consulta o mapa de um caminhoneiro, coloca as tralhas na bicicleta, a mulher na garupa e parte para o novo empreendimento.
No Distrito Federal, cresce financeiramente. Em pouco tempo, compra uma Kombi, arrenda uma chácara e passa a plantar para venda. E é com a distribuição de legumes e verduras que forma filhos independentes.
“Por que planos para o futuro? Vivo o presente, sigo as determinações de Deus, que só podem ser boas. Saúde é dádiva que agradeço todos os dias”. Hoje, Romero tem 75 anos e ensina que problemas existem para serem administrados e que dias melhores sempre existirão. “O dia bom, mais cedo ou mais tarde chega. Isso ninguém tira. Como me considero? No lucro”.

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