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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

ADEUS, HOTEL ALVORADA

(Foto arquivo pessoal)




















(Foto Agência Brasil)




















Cheguei a Brasília em três de janeiro de 1974. Por obra do destino, fui contratado ainda em Porto Alegre, sem pistolão, fique claro. A contratação incluía residência oficial, carro com combustível e refeições, mas o imóvel estava em reforma e hospedei-me no hotel por quarenta e cinco dias. Na memória, a imagem do oitavo andar de onde, aos finais de semana, admirava a Esplanada dos Ministérios, o Congresso Nacional e o pouco movimento da Rodoviária.
Atualmente, ao passar pelo viaduto da W3 norte, sentido W3 sul, mostrava o prédio aos filhos, netas e amigos:
- Este é o hotel Alvorada, minha primeira residência no Distrito Federal.
A única bagagem era a mala com roupas, diploma e documentos pessoais. Hospedar na suíte do Alvorada marcou o início da carreira, a primeira residência solo e a conquista da independência econômica. Chamava atenção a fartura do desjejum, verdadeiro café colonial com frutas de todos os tipos, variedades de pães e especiarias. Sinto até hoje o delicioso cheiro de café que exalava naquele ambiente, iluminado pela luz amarela do sol plantado no céu límpido de Brasília, como nunca vira igual. Depois, pleno de energia, seguia a pé aos estúdios da Rádio Nacional, no Edifício Antônio Venâncio da Silva, Setor Comercial Sul.
A ganância acabou com o referencial de meu endereço número um.
Dois meses antes, comentara a um amigo sobre o edifício, e falamos sobre a vantagem de Brasília ser tombada pelo Patrimônio Histórico, preservando a memória. Doce ilusão!
Fato interessante ocorreu na primeira semana de hospedagem. Esquecera o pijama em Porto Alegre e obriguei-me a comprar outro. Receoso que desaparecesse, escondi. Na noite seguinte, após uma deliciosa ducha, procurei e nada. Guardei-o tão bem que sumiu. Liguei para a portaria, e solicitei que a camareira procurasse. Dois dias após, encontrei na suíte um pacote e um bilhete de desculpas. Ganhara pijama novo para substituir o perdido. Ao final da temporada, no fechamento das diárias, encontrei o desaparecido dobrado no fundo da mala. Procurei o gerente e, envergonhado, expliquei o ocorrido. Queria ressarcir o débito, mas insistiu que aceitasse como cortesia da casa.
Agora, só recordação. Bastou um estrondo e dez segundos depois, o prédio virou cinzas. Desabou indefeso. Os hotéis Alvorada e Das Nações existem agora apenas na imaginação.
Três dias depois reuni forças para visitar o local. Fiz algumas fotos do enorme entulho mal cheiroso e triste e disfarcei a emoção que me dominava profundamente.
- Há poucos dias havia um prédio aqui e agora, nada – falei brincando a um motorista de táxi.
- É verdade – falou, baixando a cabeça.
Em Portugal no ano de 1755, um terremoto de magnitude nove seguido de tsunami, destruiu Lisboa. Os portugueses, por valor à história, reconstruíram os monumentos destruídos, com fidelidade.
Os construtores brasileiros declararam que farão prédios modernos no lugar dos hotéis obsoletos. Programarão derrubar outros? Obedecerão ao gabarito? Qual o futuro dos monumentos de Brasília? Teremos cedido à ganância dos construtores que apagam o passado e fazem o novo numa infinita construção e reconstrução? Onde está a fonte luminosa dos anos setenta?
Se Brasília, capital moderna, cede a estas pressões, o que será das demais cidades? Os Maias, os Astecas e os Incas foram dizimados, mas, sem implosão, permaneceram preservadas as ruínas como relíquias às novas gerações.Dos Hotéis Alvorada e Nações, nem ruínas, apenas cinzas a serem removidas ao lixão da estrutural. Foram cremados no Dia dos Mortos.

4 comentários:

  1. Olá, Marco!

    Não pude deixar de me emocionar ao ler sua postagem sobre o Alvorada Hotel. O hotel também era importante para mim. Não fiz primeiro contato com ele em 74 como você, mas desde de 90, quando nasci, o frequentei com assiduidade. Pra mim o hotel era a casa dos meus avós. Infelizmente, assim como o hotel, meus avós não estão mais conosco.

    Obrigada por compartilhar suas memórias afetuosas.

    Procurei um e-mail para poder comentar seu post, mas não encontrei. Então deixo o meu: carollinebr@gmail.com

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    1. Oi Carolline. Quando revemos lugares, residências, bairros, cidades, que tivemos grandes ou pequenas ligações que nos marcaram de alguma forma, somos tocados por uma sensação de afago. É como se houvesse a possibilidade de um teletransporte para aquele local no tempo em que o curtimos. Pena que hoje, com a especulação imobiliária em nome de modernismo, perdemos estes reencontros saudáveis.

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  2. Bom dia, Marco!!!
    Sou Tatiane Barbosa Magalhães, primeira bisneta do Senhor Geraldo Barbosa, antigo dono do Alvorada Hotel.
    Meu bisavô junto com seus irmãos, que também eram seus sócios vieram à Brasília e com muito trabalho, força de vontade, coragem e empreendedorismo contruíram os três hotéis, Nações, Américas e Alvorada, logo no começo da cidade de Brasília. E a partir daí temos muuuuiiitas histórias.
    Tenho muuuuuito orgulho da história do meu bisavô. Ficou de exemplo para mim, sua determinação e coragem, que é nossa maior herança.
    Compartilho com você meu imenso pesar pela implosão do prédio do Alvorada Hotel, pois assim como você, valorizo a história e a identidade que aquela arquitetura possuía.
    Sinceramente, acredito que mudanças são boas, que a evolução do negócio é necessária, que temos de acompanhar o mercado, visto tratar-se de um negócio com fins lucrativos e imprescindível para o sustento de várias famílias. Contudo, não fiquei feliz com a maneira que as coisas foram conduzidas. Eu acredito que não precisava implodir aquele prédio que tinha um significado tão forte para mim e tantas pessoas. E que seria muito bonito e rico conservar aquele patrimônio histórico. Então compartilho meu desabafo com você.
    O que me surpreende e me afaga o coração é saber que um hóspede, como você e tantos outros, tinha, ou melhor, tem, um sentimento tão bonito por aquele hotel. Que aquele edifício fez parte e marcou a sua história . Me emociono por isso.
    Tinhamos funcionários muito antigos, que passaram um vida inteira ali, que nos viu nascer e crescer. Eles também sentiram muito.
    Portanto, não era só um prédio, uma carcaça velha. Era uma estrutura antiga, cheia de vidas, de histórias, de lutas, de sonhos.
    Concordo com você, quando você disse que a "ganância acabou com o referencial de meu endereço número um". Foi a ganância e mais um monte de sentimentos negativos, no meu ponto de vista, como o egoísmo, a intolerância, a ignorância, o ciúmes, a falta de diálogo, de tolerância, etc.
    Muito triste! Mas muito triste mesmo. Esses sentimentos negativos sufocaram as histórias bonitas de suor, de luta, de sonho, de união, de acolhimento, de trabalho, de coragem, e reduziram tudo a pó.
    Tudo bem que agora terá um outro prédio moderno e belíssimo no lugar, mas ficará o vazio e o pesar, pelo menos para mim, que assim como você, olhará para esse novo prédio e não enxergará mais a sua história.
    Todavia, muitíssimo obrigada por partilhar sua história e seu carinho, como hóspede, do Alvorada Hotel. Foi emocionante e muito importante para mim.
    Um abraço.
    Tatiane

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    1. Oi Tatiane. Pois é assim mesmo. O hotel fez parte do inicio de minha carreira aqui em Brasilia e me recebeu de forma muito especial. Ouvir e narrar histórias é tudo de bom e é a dos poucos legados saudáveis que podemos deixar. Poderíamos conversar sobre as histórias do hotel para montarmos belas narrativas, que acha? Entre em contato comigo pelo e-mail marcotlin@gmail.com

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