(Rua das Jardineiras-Sitges-Arq Pessoal) |
Em uma das ruas, rumando ao Mediterrâneo, conheci Carmem. Caminhava distraído clicando fotos por todos os lados, encantado com flores bem cuidadas e a limpeza da cidade, quando percebi a mulher que, do alpendre da casa olhava desconfiada. Baixei a máquina de fotos para deixa-la a vontade e ela me recebe com sorriso amistoso. Tem pouco mais de metro e meio, magra e veste chambre azul claro, meias brancas com pantufas azuis da cor do roupão. O cabelo branco preso ao lado da cabeça com pequeno grampo dourado, contrasta com o rosto alvo e os olhos verdes calmos e risonhos. Puxo assunto no melhor sotaque espanhol que consigo, “minha mãe tem oitenta e seis anos e mora sozinha”. “De onde vocês são?” Pergunta curiosa se referindo a Malu e eu. “Do Brasil”. Acena com a mão indicando que entendeu a distância. Olha para cima. “Muitas horas de avião. Tenho muito medo.” Após meia dúzia de comentários, vencida a desconfiança, a espanhola cria coragem e fala do que é inofensivo segredar a um viajante.
“Tenho oitenta e quatro e vivo com meu filho, que voltou a morar comigo após a separação da mulher. Me chamo Carmem e nasci em Córdoba. Aos dezesseis anos mudei para Sitges, a fim de cuidar dos filhos de minha irmã que mora aqui. Em um baile conheci Ramirez, dez anos mais velho, o único homem de minha vida, com quem casei e tive dois filhos. A vida era difícil naquela época”. Olhou fixamente um ponto qualquer no arquivo da memória, certamente se referia a Revolução Civil Espanhola. “Meu marido tinha negócios em Madri e para lá seguia de motocicleta toda semana. Condução barata que preocupa. Um dia quando meu filho menor completava seis meses, foi e não voltou mais. Ele e o amigo com quem dividia despesas de viagem encontraram o carro na contramão que os matou”. Se já era difícil, piorou e Carmem passou a trabalhar incansavelmente para criar os filhos.
Orla de Sitges-Arq. Pessoal) |
Carmem abaixa e pega agilmente o papel de bala perto de meu pé. “Isso não é meu,” esclarece “mesmo assim, recolho e o colocarei na lixeira lá de casa”. Despeço-me com abraço e beijo nas faces. Ao fechar a porta, acrescenta: “Um beijo em sua mãe”. Faço sinal positivo com o polegar e chamo Malu para continuarmos pela rua até o Mediterrâneo.
A vida se repete não importa o lugar do mundo.
ResponderExcluirWilma Cardozo.