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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

COMA

O caminho incerto - Arquivo pessoal
Hilton sempre fora um homem quieto, que evitava sair da rotina. Sargento da Guarda Nacional, exemplo de pontualidade e obediência as ordens superiores. Como prova, conta com orgulho que certa vez teve de ser salvo de morrer afogado em um lago da Amazônia, por ocasião de manobra militar. O comandante do pelotão logo após ordenar a tropa “em frente, marche”, se distraiu com um telefonema e Hilton seguiu adiante água a dentro sem saber nadar. Só não morreu afogado, porque o comandante o retirou da situação.
Com tanta dedicação a farda e as coisas da carreira, Hilton teve pouco tempo para dedicar a vida pessoal. Permaneceu solteiro boa parte da vida, conhecendo Cristiane durante o velório da avó. Logo prestou atenção a mulher que o amparava no momento difícil. Cristiane era viúva e mãe de três filhos adolescentes. Aconselhado pelo pai que temia o filho solteiro, Hilton providenciou a papelada e em menos de um ano, estavam casados. Por acordo, o casal decidiu não ter filhos e assim Hilton dedicou-se a cuidar dos filhos da mulher, a dar-lhes educação, amparo e orientação para seguirem suas vidas. Teria sido uma vida igual a tantas outras não fosse o destino tocar com sua varinha modificadora e a vida de Hilton tomar outro rumo aos setenta anos. A fiel companheira Cris, em tarde que assistiam a um filme na sala de estar, passou mal, deu um grito e caiu em frente a televisão sem vida, num ataque do coração fulminante.
Hilton, acostumado à convivência com a companheira desde que fora para a reserva, desenvolveu depressão profunda e só não morreu porque em visita a irmã para espairecer da viuvez trágica, conheceu Laura. Morena de olhos verdes, quarenta anos, moça simples, mas possuidora de uma meiguice  que cativou o militar na primeira olhadela.
Laura fora casada com um beberrão que lhe tratava com grosseria e a havia abandonado com três filhos. No militar, Laura encontrou exatamente o contrário, um homem carinhoso e carente, ainda sofrendo com a perda da mulher. Hilton, por sua vez, deixou-se levar pelos sinais do coração e iniciou o planejamento da vida a dois. Juntos sonhavam com um ninho para viverem seu amor. Ele vivia na casa de parentes e andava cansado do desconforto. Ela, em casa pequena e simples em região rural. Mas a vida arquitetava das suas.
Em uma noite, após momentos de amor a dois, na qual o apaixonado tomara a pílula do amor para fortalecer sua libido, Hilton sentiu-se mal. A amada chamou a emergência. Eles chegaram rapidamente e a médica foi categórica, “vamos levá-lo a um hospital, o homem está quase morrendo”. Mandou o motorista abrir a sirena do veículo e saíram em disparada.
Os dias passam rápidos. O homem dorme profundamente. Do quarto da UTI, onde passou quase três semanas, é transferido para o quarto do hospital militar. Vez por outra abre o olho, mas olha sem ver. O olhar brilhoso da paixão despertada, deu lugar a opacidade indiferente. Ao seu lado, Laura espera incansável que seu homem acorde. Reza e faz promessas a todos os santoss. Um dia Hilton sairá do adormecimento e continuará seus planos com a mulher que o tirou da depressão. Ou morrerá docilmente a olhar para lugar nenhum. A vida é assim, corre para um lado e outro em rumos indefinidos. Todos acompanham.