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terça-feira, 14 de julho de 2015

GRANADINO CENTENÁRIO

(Google Imagens - Plaza Bib-Rambla-Granada Espanha)
A.C. está sentado no banco de pedra da Praça Bib Rambla em Granada. Sem encosto para escorar, descansa as mãos em cima da bengala preta com cabo dourado, apoiada no chão. “Com licença” sento ao lado. Comento sobre a pomba que come pipoca na mão do garotinho com a babá. A resposta é bem humorada, “esses animaizinhos arriscam tudo por um petisco”. A ironia é sutil e fico na dúvida a quem se refere. Resolvo praticar espanhol. Entendo tudo que fala. Tem 92 anos, viúvo. Até se aposentar , trabalhou com fabricação e venda de móveis em sociedade com quatro irmãos. O negócio os sustentou até a idade avançada afastá-los. Esperavam ser substituídos pelos filhos.
Como não se tem controle sobre as gerações, seus três filhos abriram mão do negócio. Os primos então assumiram a incumbência de administrar a empresa. Inicialmente, a fizeram prosperar, porém, após algum tempo, a fábrica passou a encolher. Seguiram-se aportes financeiros dos patriarcas até estabilizar em tamanho e lucro bem menor do que quando assumiram.
Cada um dos irmãos de A.C tratou de cuidar da própria independência financeira. Alguns compraram ações na bolsa, outros investiram em negócios pequenos, mas sem exceção, assistiram minguar as economias em sucessivos empréstimos para suprir a baixa lucratividade da empresa moveleira.
Na contramão dos sócios, meu amigo da praça investiu boa parte do capital poupado na construção de um prédio. Um conjunto de lojas e quitinetes para alugar. Ao ouvir que era brasileiro, pediu desculpas, depois falou da sua experiência há vinte anos com um conterrâneo meu. “Minha mulher ainda era viva e esse homem chegou muito simpático, falando em espanhol sem sotaque. Conquistou minha família”. A. C. vivia do aluguel das lojas e apartamentos que estavam mais da metade fechados por falta de inquilinos. “A situação econômica do país estava difícil e ninguém queria arriscar”.
O brasileiro convenceu A.C. a alugar o imóvel inteiro a ele. Garantiu que havia investidores na Espanha interessados em aplicar. Ele acreditou no estranho de aparência tranquila. Visualizou a oportunidade de obter ganhos com apenas um inquilino. “Até então, era necessário cobrar o aluguel de várias pessoas e isto era desgastante para mim”. Desocupou o imóvel e o entregou ao estranho sem imaginar que ali se iniciava a maior dor de cabeça da sua idade madura. O homem permaneceu cinco anos com o prédio. Deixou de ocupar e de pagar o aluguel do edifício desde o primeiro dia após pegar as chaves. Após anos de luta na justiça, ganhou a sentença em seu favor para receber os aluguéis, com o direito de reaver o prédio. De nada adiantou, pois o brasileiro desapareceu. “Coisas da vida” desabafa o granadino. “Um dia se perde outro se ganha. Nada contra seu povo, adoro os brasileiros, este foi exceção que poderia ser de qualquer lugar”, completa resignado. Ao final do relato, levanta ágil. “Vou embora, hoje é dia de faxina e a moça me expulsou de casa porque sou alérgico”, fala jovialmente, sai a passos rápidos com a bengala em cadência de causar inveja a muito sessentão.