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terça-feira, 21 de abril de 2015

BRASILIA, 55 ANOS

(Autódromo Nelson Piquet-1974- Arq. Google)
Janeiro de 1974. Data que cheguei a Brasília, contratado para compor a equipe do projeto Radiobrás. Três meses depois, o governo trocou e fiquei desempregado. Mesmo assim nunca pensei em voltar. A fama da cidade era injusta. Diziam que apresentava poucos atrativos e oferecia aos moradores, três sentimentos com a letra D: deslumbramento, desencanto e desespero. Em Porto Alegre, de onde vim, ao me referir a capital federal, ouvia comentários de que era cidade fria, sem diversões. Composta por população triste que trocara a cidade natal para viver no meio do cerrado.
Mas a realidade era outra. A beleza exuberante do dia extremamente claro e da noite estrelada contagiava. A população estava sempre disposta a aproximar, pois carente de convívio, se unia para a diversão sadia. Isto colaborou para a adaptação. As poucas casas noturnas eram bem frequentadas, as espaçosas ruas contribuíam para um trânsito excelente. Brasília oferecia pouca diversão mas muito espaço para reunir. Cachoeiras com águas límpidas em localizações privilegiadas, onde a natureza, pródiga em beleza, deslumbrava visitantes.
Em finais de semana amigos do trabalho procuravam lugares para gostosas conversas ao ar livre. Para isso, o tempo de Brasília é perfeito e previsível, alterna seis meses de chuva e seis de seca. Além disso, que outra cidade oferece possibilidade de dividir espaço para degustar churrasco com chimarrão entre cariocas, goianos, mineiros, gaúchos?
Em Brasília, casei três vezes, gerei cinco filhos e hoje curto três netas. Sinto orgulho de ter feito a vida pessoal e profissional na cidade. Aposentado, continuo a morar na capital acolhedora e a faço porto seguro, base das excursões de viajar pelo mundo.
Nesse vinte e um de abril completa cinquenta e cinco anos. Para cidade, é pouco tempo de vida, mas sou testemunha do quanto cresceu. Sinto a obrigação de a homenagear, pois oferece uma das melhores qualidades de vida a sua população a qual é afagada pelo clima ameno que acolhe.
O que aprendi nestes anos? Perder e reconquistar emprego sem desesperar. Fazer concurso para melhorar de vida. Encarar a derrota e a vitória. Amar e desamar, ganhar e perder. Viver. E ter a certeza de que em qualquer outro lugar, deixaria de aprender o que Brasília ensinou.
Os políticos? Propositalmente, deixo de tocar no assunto. Por aqui chegam e na mesma velocidade, vão embora. Mais um motivo para parabenizar ao brasiliense que aprendeu a conviver com essa população nômade, sem se envolver.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

TROCA DE DESTINO

(Google Imagens)
Paulo contorna o balão de descida à ponte JK e telefona à secretária avisando estar a caminho. Na longa descida rumo ao Plano Piloto, o carro serpenteia pela pista sinuosa. Liga o aparelho de som e escolhe o CD de Nora Jones, que ganhou de Martha. O inicio da música e a linda paisagem o convidam a desacelerar. Distrai-se com o morro gramado geometricamente e o amanhecer do Plano Piloto, emoldurado pela névoa seca que paira sobre a cidade.
A melodia suave o remete a Martha. Há cinco dias se amaram no sofá da sala, no tapete de pele de carneiro que tanto os acolhe nesses momentos. O tempo com Martha parece infinito. Mais do que amantes, uma relação de cumplicidade. Cheira a roupa e o aroma do amor paira em cada costura e botões do paletó que a mulher manuseou para abriga-la do frio. Martha usa pouco perfume. Conhece e respeita a condição do amante, mas seu corpo exala delicioso odor de fêmea no cio. Quando juntos, gosta de pegar nas suas coxas grossas enquanto a beija, algumas vezes ternamente, outras com ardente. Incendiar desejo no  corpo maduro de Martha é o passatempo favorito.
A ponte JK aparece ao fundo da paisagem. Acima do lago crispado pela brisa gélida, pairam os arcos geométricos costurados ao espelho do lago Paranoá.
Lembra-se do último encontro e excita ao recordar os beijos apaixonados de Martha. Tem certeza que a deseja tanto quanto ela. Olha o relógio. No Congresso, seu destino, a secretária recepciona os participantes brasileiros da reunião. Aos executivos americanos, inventa desculpas em inglês doméstico.
Paulo continua suas fantasias e a voz suave da cantora o transporta à presença da amante provocando desejo de vê-la. A sua volta, apenas o trânsito silencioso dos carros que o ultrapassam rumo à travessia da ponte. Liga para Martha. O telefone toca uma, duas, três vezes. "Alô?” atende voz suave, dengosa, preguiçosa, recém-desperta. "Oi, tudo bem?" Ela reconhece a voz. "Como vai, meu amante?" É assim que o trata, carinhosa e acolhedora. "Tudo bem. Te acordei? Sinto sua falta". Diminui a velocidade ainda mais. "Também estou com saudade" fala a mulher. "Como está nossa filha"? Pergunta Paulo com carinho. "Dormiu fora de casa, irá direto ao trabalho. Vamos nos ver hoje?" Propôs a mulher. “Claro, quando quiser, estou louco de tesão por você". “Vem agora”, provoca a mulher. “Estou indo", Paulo é sensível a seus convites.  A mulher desliga e vai ao banho. São assim os encontros. Imprevisíveis, acalorados e nas horas mais inesperadas.
Paulo liga ao escritório e transfere, sob protestos, a reunião para a tarde.
Entra no viaduto do CCBB, faz a tesourinha de retorno e parte ao encontro de Martha. Passarão a manhã juntos. O amor os espera embaixo das cobertas.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

MACHU PICCHU - PERU

(Machu Picchu - arquivo pessoal)
Para facilitar ao turista, os hotéis de Cusco guardam a bagagem sem custo adicional, pois visitar Machu Picchu requer pouso de uma noite no simpático vilarejo de Águas Calientes. Preparei a mochila com apenas uma muda de roupas, dei saída no hotel e entreguei a mala na portaria.
Eram 5h30 da manhã quando o ônibus chegou para iniciar a aventura. Neste ponto do passeio fomos agregados a um grupo com cerca de dezesseis pessoas, maioria brasileiros. O percurso é subida de serra e, após 1h 40 minutos, avisto a estação de trem de Ollantaytambo, onde se localiza uma feira incrível que comercializa tudo. As 8 h da manhã o trem parte, com longo apito e a partir daí paisagens se alternam entre montanhas e planícies. Em praticamente todo trajeto, a ferrovia segue paralela ao caudaloso rio Urubamba, o mesmo que quando chega a época das chuvas, causa inúmeros estragos as rotas turísticas de Machu Pichu. A composição oferece bom conforto, com poltronas almofadadas e farto lanche incluindo frutas tropicais. Após o término da viagem de trem, mais uma etapa de ônibus, agora subindo a Cordilheira dos Andes em zigue-zague. De um lado ribanceira e do outro, íngreme morro. Quando encontram dois veículos em sentido contrário há necessidade de buscar local seguro onde possam cruzar. Isso aconteceu por três vezes. Um dos veículos dá marcha ré até encontrar o local certo para atravessar.
Tudo é esquecido quando se avista a estrutura de pedras da cidade Inca. Única cidade preservada dos ataques espanhóis, quando invadiram a América. A civilização Inca mostra por meio das ruínas de Machu Pichu todo o esplendor como obra de um povo tecnicamente bem preparado. Um verdadeiro mistério de como formações rochosas esculpidas em enormes quadrados e retângulos foram elevados ao cume das montanhas. Mesmo que se diga que foram por meio de roldanas, fica difícil imaginar o deslocamento. A tardinha, voltamos ao povoado de Àguas Calientes. O ônibus cuidadosamente desce rodeando o morro da Cordilheira, ora a esquerda, ora a direita. Algumas vezes precisou manobrar para passagem de outro que subia. À chegada ao pé da montanha lia-se o alívio nos rostos tensos.
A noite em Águas Calientes, cidade ao pé das montanhas do sítio arqueológico, foi fria e chuvosa, mas não prendeu ninguém no hotel. Passear e tirar fotos na Praça das Armas, onde um monumento aos Incas se destacava majestoso, foi programa obrigatório. Ao lado do hotel, durante a noite, o caudaloso rio Urubamba teimava em sair do leito mas, contido pelas pedras, apenas assustou com barulho ensurdecedor a turistas insones que recordaram o noticiário de 2010 quando a inundação atingiu a cidade.
O retorno de trem teve até desfile de modas. Amostra de um tipo de lã denominada alpaca bebê, que, além de divertir e encurtar a viagem, rendeu bons lucros em soles, moeda peruana. Os assovios de brasileiros para as modelos, provocou estranhamento em turistas americanos e alemães, desacostumados a espontaneidade tupiniquim. No fim todos riram e participaram. Da estação de Ollantaytambo, de ônibus, teve início o percurso de cerca de uma hora e meia para Cusco. No caminho, os olhos curiosos dos turistas brasileiros avistaram camadas de neve no topo das montanhas da Cordilheira. No nosso nível de altitude, a leve brisa que entrava pela janela de alguém que fazia fotos, indicava que a temperatura estava baixa.
Machu Picchu e seus segredos ficaram para trás e o “soroche” aos poucos retornou, o que forçou o grupo a repetir mais uma dose de chá de coca ao chegar ao hotel em Cusco.