LEIA TAMBÉM:"ARQUIVO" e "PÁGINAS"

Dificuldades para comentar? Envie para o email : marcotlin@gmail.com
****************************************************

sexta-feira, 13 de março de 2015

UM ANJO PERUANO CHAMADO ADLER

(Menino desaparecido- Arquivo pessoal)
Após breve repouso no hotel, tomei o chá de coca e prontamente restabeleci dos efeitos da altitude. Cusco é cidade pequena, limpa e segura, com polícia preocupada em tranquilizar os visitantes. Vive do comércio dedicado ao turismo arqueológico e de pequenos bares e restaurantes. Na praça central, cortada por ruas estreitas de mão única, a catedral e prédios antigos são atrativos a visitação.
Caminhava displicente pela Avenida El Sol quando a chuva apertou. Comprei uma capa descartável que, impotente para defender do aguaceiro, me fez procurar abrigo no Centro Artesanal, localizado no início da Alameda Pachacutec, perto da Paccha de Pumacchupan. Na porta de entrada, soube do desaparecimento do pequeno Adler no dia anterior. Havia grande movimento  em frente a feira com cartazes e fotos do menino. Uma criança de olhos negros e tristes. Peguei um dos papéis: SE BUSCA – Se suplica información acerca del niño extraviado en el dia de domingo 18 de enero de 2015 edad 1 ano y 8 meses. No rodapé, fones e indicações do centro policial.
Uma senhora com os olhos inchados e vermelhos aproxima e se apresenta como tia. Pede ajuda para auxiliar nas buscas. Segundo ela, os pais da criança estavam em casa, dopados de medicação. A polícia, as redes sociais, as pessoas em geral procuravam por Adler. A comoção era geral. Passei recado ao grupo Whatzap de jornalistas em Brasília e pedi que divulgassem a foto do menino no Brasil, pois poderia ser sequestro internacional. Quem sabe se divulgado no Brasil, alguém poderia dar noticia. Nada mais que isso podia fazer. A chuva amainou e retornei ao hotel onde soube que o pai da criança trabalhava como garçom. Era tarde e no dia seguinte haveria quatro passeios programados. Custei a conciliar o sono. A imagem do menino ficara na mente.
Onde estaria o pequeno Adler? Acordei na manhã seguinte com a pergunta martelando. Mas o compromisso com o grupo da excursão, me fez desejar o êxito da polícia nas buscas e segui a agitação das visitas ao Parque Arqueológico de Sacsayhuaman, ruinas da civilização Inca, plena de mistérios sobre a arte de construir deslocando enormes pedras por distâncias inimagináveis. A tarde, cumpri o roteiro de visitas aos prédios da cidade, as igrejas e ao Mercado Público, pouco higiênico é verdade, mas superado pela hospitalidade dos feirantes. À noite, na Praça das Armas, procurei por lanche leve e entrei em um café.
A praça iluminada pelos postes da rua criava um ar interiorano. A temperatura estava agradavelmente fria. Da janela do segundo andar do restaurante avistava o morro com a favela ornamentada pelas luzes multicoloridas dos barracos. Na praça, pequena e ruidosa procissão com velas trêmulas. Perguntei a garçonete o que seria e a resposta: “alguma manifestação religiosa”, me fez lembrar Adler. Paguei a conta e corri para saber notícias. A polícia se desdobrava. O lamento das mulheres se traduzia em reza triste e gritada, elevada aos céus por mãos suplicantes. Lamentavam a falta de informações e outra noite com o pequeno desaparecido. A cidade chorava solidária com a dor dos pais.
Voltei decepcionado ao hotel. Temi pelo que poderia estar ocorrendo a Adler.
O tempo corria e chegou quarta-feira, dia da esperada excursão a Machu Pichu, onde passei a noite em Águas Calientes, pequeno vilarejo de apoio a turistas. Um passeio especial que relato em outra narrativa.
De volta a Cusco, durante o lanche no hotel conheci o trágico desfecho da história do pequeno Adler. A polícia analisara as imagens do circuito fechado do Centro Artesanal e concluiu como assassinato cruel. Naquela manhã, o inspetor fora à barraca do Centro Artesanal e mostrou as imagens ao principal e único suspeito. Ao assistir, o tio assassino, com a frieza dos psicopatas e a inocência dos doentes mentais confessou o crime hediondo em detalhes e sua motivação. Foi encarcerado. Casado com a irmã da mãe agiu em represália a desavenças familiares. Na mesma noite que roubara a criança, o homem, que segundo a polícia, sofre das faculdades mentais, silenciou o garoto, enforcando-o. Após, colocou o corpinho miúdo em uma valise e depositou na prateleira junto a mercadorias na barraca dos pais. Voltou para casa como se nada tivesse ocorrido, assistiu televisão com a mulher e os filhos e dormiu.