LEIA TAMBÉM:"ARQUIVO" e "PÁGINAS"

Dificuldades para comentar? Envie para o email : marcotlin@gmail.com
****************************************************

domingo, 2 de novembro de 2014

MEU PAI, MEU TESOURO

(Google Imagens)
Tomo um delicioso café expresso em um shopping de Manaus, quando repentinamente a moça com uniforme preto de uma grife famosa tropeça no pé de Malu e se desmancha em desculpas. Matávamos o tempo, esperando o sol baixar.  A moça de preto fala do descuido e afirma que sempre foi desastrada. Explico que por acontecimentos como esse estamos todos nos conhecendo. Relata que está há pouco na cidade, antes morava com o pai e abre o celular para mostrar sua foto. Ansiosa, esquece onde está o arquivo. Estende a mão. “Muito prazer, meu nome é Daiane”. É uma jovem simpática, morena de cabelos e olhos pretos, olhar sereno e sincero e beleza única. Fala entusiasmada, com orgulho do pai que vive em Curitiba. Percebo que uma história está para surgir
Os pais de Daiane se conheceram em Manaus no ano de 1992. Ele, 22 anos, do Paraná e a mãe, 16, nascida na capital manauara. Viram-se pela primeira vez na farmácia onde o pai era gerente e a mãe fora comprar remédios para o filho doente. O amor a primeira vista os aproximou rapidamente e começaram a namorar. Um encontro que durou pouco, pois o pai foi chamado as pressas a Curitiba onde o avô de Daiane estava enfermo.
Meses se passaram antes dele voltar a Manaus. “Quando retornou, o padrinho de minha mãe o procura para tomar satisfações, acusando-o de não ser homem suficiente para assumir o que fez. E assim, soube da gravidez da minha mãe e meu nascimento.“ O pai, filho de japoneses, gerou a filha tão parecida com ele que, sem dúvidas, registrou a criança como filha. A partir daí fornece mantimentos a Daiane, como forma de ajudar o sustento, fardos de mucilon, leite, água mineral que a mãe dividia com o outro filho.
Quando o pai percebeu que sustentava o irmão de Daiane, alega outros compromissos e reduz a quantidade de mantimentos fornecidos. Assim, a situação apertou para o lado da mãe que, sem alternativa, propôs a ele assumir a menina: “Quando maior, dei razão a meu pai. Acho injusto sustentar meu irmão que não é filho dele”.
Daiane contava dois anos e lembra da sensação de abandono ao trocar de família. “Um dia, ainda pequena e sem entender, acordei nas mãos de duas pessoas. Meu pai, que eu detestava influenciada por minha mãe e uma mulher estranha, que depois soube ser irmã dele, minha tia. ” Quando perguntava pela mãe aos parentes do pai, “não me recordo o que diziam”. A resposta, no porão do inconsciente, espera para aflorar na hora certa.
“Ao passar dos anos, morando com meu pai, passei a odiar minha mãe, que não telefonava”. Se alguém perguntava, dizia que não tinha. “Para mim, era como se tivesse me jogado no lixo”.
Quando chega à adolescência, a jovem passa a ter problemas com a família do pai. “Havia muita rigidez na minha criação. Eu tinha 14 anos e morava com minha batian, é como chamo minha avó em japonês, e pai resolve me levar para morar com ele em Rondônia. Assim conheci minha madrasta e a experiência foi das piores. Ela tinha ciúmes da aproximação de Daiane com o pai. As discussões pioraram. “Morei com eles por quase 4 anos.
“Aos 18, saí de casa para morar com o namorado. Acreditava que assim conquistaria  liberdade e cuidaria de uma casa só minha. Mas não havia amor entre nós. Penso que só eu amava. Não me sentia amada”. Ela ainda não percebera que o amor é um sentimento tão especial, que vale a pena oferecer mesmo que o outro não sinta. Após dois anos de convivência, separaram e, sem espaço para voltar para casa, Daiane volta a morar com a mãe. “Ainda bem que não tive filhos.”
Em Manaus a encontra vivendo com o padrasto há 16 anos. É a terceira mulher do homem que tem cinco filhos de outras relações. “Hoje estou bem, procuro   melhor. Sempre fui independente e é isso que eu quero, conquistas, não quero depender de ninguém.”
Daiane continua a pesquisa do arquivo de fotos no celular. Após longa procura, acredita ter foto na loja onde trabalha. Pega o braço de Malu e o meu e a seguimos. Entramos no sofisticado ambiente da grife. Remexe as gavetas e percebo a frustração da jovem ao não encontrar. Queria materializar a imagem do pai e está desapontada.
Pergunto se gostaria de morar com a mãe ou com o pai. Com sorriso triste e de cabeça baixa, responde quem sabe que a vida nem sempre é como gostaria. “Com o pai. Amo meu pai.”
Em sua sinceridade, acrescenta, “as vezes chego a pensar que não sou amada por ninguém, nem minha família. Pelo menos não demonstram”. Falo que simplesmente ame, sem exigir amor dos outros pois há pessoas que não sabem demonstrar amor.
Três dias depois, em Brasília, recebo dela a foto do pai pelo Whatsapp.