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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

PROCURA-SE A VERDADE

(Google imagens)
Era o ano de 1970 e a cidade ainda provinciana, apesar de capital, se movimentava lentamente, sob as ordens e contra-ordens dos coronéis pouco  interessados nas aplicações de justiça, decidindo  a vida da cidade nas salas das mansões.  Em tarde assim, que a vida escorre devagar, Mudinho, a mando do patrão, passeia pelo sítio à procura de formigueiro. Ao longe, ouve os tiros da caça aos capotes, comum nas grandes propriedades, onde os pais treinavam a pontaria dos filhos. Mudinho sua muito, enquanto pulveriza o veneno. O dia ensolarado e seco torna a tarefa penosa e vez por outra, quando encontra sombra acolhedora, arria o pulverizador no chão e senta.
Durante as paradas, observa os laranjais minguados. Numa destas incursões de vigilâncias percebe o corpo estirado ao pé do cajueiro. Aproxima-se lentamente, olha para os lados e identifica a fisionomia do jovem de pele clara, sujo de terra, com perfuração no meio da testa. Era o filho do dono da chácara em frente. Passa um pouco das cinco da tarde e o corpo exala o cheiro da morte exposto ao sol escaldante. Sai em carreira desabalada rumo a sede e encontra o patrão cercado pelos filhos, a guardar os apetrechos da caçada aos capotes. Mudinho gesticula desesperado, informando o que vira. O homem termina a tarefa e prepara um cigarro de palha. Após acender o pito, sinaliza ao Mudinho para indicar a trilha.
O morto está de bruços e a arma na mão indica mais que morte natural. A polícia é chamada, faz o reconhecimento e após inquirir testemunhas recolhe o corpo e os indícios. Os desdobramentos causam profunda estranheza aos familiares do morto e comentários indignados da população. O falecido era um belo jovem de 16 anos, amante da vida e das coisas boas que oferece. Pelo tipo de vida que levava, pleno de alegria e despreocupado em nada indicava os motivos do infortúnio. Em dois meses, a perícia lavra o laudo e conclui o inquérito. Indica a causa da morte, para surpresa de todos, como suicídio com arma de fogo e arquiva o processo.
Quem viu o corpo, jura que “não havia vestígios de pólvora na mão do rapaz” e afirmaram ainda que “a perícia omitira a evidência do corpo esfolado com sinais de arrasto”. Alguns rumores foram ventilados, mas nenhum levado em consideração, como por exemplo que o rapaz fora flagrado na mata com a filha do dono do sitio onde foi encontrado o corpo. Menina comum, mas fogosa e sapeca, apaixonada pelo “vizinho lindo” que era como a ele se referia. Durante o velório, alguns presentes cogitaram ser bala perdida. Três dias após a ocorrência, a mulher do dono da fazenda onde o garoto foi encontrado internou-se no Hospital Municipal com grave crise nervosa. O Mudinho desapareceu sem prestar depoimento e na mesma semana a família mudou-se e nunca mais se ouviu falar deles.
A irmã mais nova contava a época 13 anos e estava de férias na praia quando ficou sabendo da morte do irmão. Imediatamente retorna às pressas a tempo de consolar a mãe que, muito mal, nem abria os olhos inchados pelo choro. Entre os cinco filhos, era a mais próxima e faz descrição comovente do rapaz. “O mais bonito dos irmãos”. Hoje com 57 anos, ainda se emociona ao falar do caso. Recorda de quando ele deitava a cabeça em seu ombro e comentava que era ossudo, diferente do da namorada que era “macio e aconchegante”. Assim fluem as lembranças do rapaz brincalhão, alegria da família, que desesperava as empregadas ao jogar nelas a lagartixa de estimação. E revive na memória, com saudades “um lindo sonho de infância e adolescência”.
O crime prescreveu e nunca se saberá ao certo o que aconteceu. Fica a marca profunda na família que enterrou o ente querido sem conhecer a verdade dos acontecimentos. Tragédia que, para a policia, foi mais um caso de solução discutível.

2 comentários:

  1. A verdade está no coração das pessoas que amaram esse lindo jovem cheio de vida e feliz!

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    1. Com certeza, será lembrado por seu inocente amor pela vida.

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