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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

EM PUNTA

(Arquivo pessoal-Malu)
Em beleza, as praias de Punta del Este deixam a desejar. Prefiro nem comparar com as do Rio ou Santa Catarina. Em compensação, possuem dois fatores que agradam à primeira observação: a limpeza e a segurança das ruas. Hospedado em hotel sem garagem, permaneço despreocupado, pois a qualquer hora que saio, observo o ir e vir de turistas.
No almoço, saboreio a merluza apetitosa e fico por duas horas em frente ao mar, enquanto ocorre a digestão. Cansado, após a viagem de 190 km entre Montevideo e Punta, durmo o resto da tarde e ao sair, pressinto o belo pôr do sol que se prepara. Colecionar fotos do pôr do sol é atividade que me atrai. Fiz várias de Portugal. Desde menino, me encanto com o sol se pondo à beira do rio Guaíba, em Porto Alegre. Naquela época, a dificuldade de registro me fez arquivar na memória os raios dourados a boiar na superfície da água.
(Arquivo pessoal-Malu)
A encenação do pôr do sol de Punta é testemunhada por inúmeros turistas sentados nos gramados da orla. Procuro um banco e me distraio a registrar a cena de cinco em cinco minutos. No meio do espetáculo, uma senhora passa mal. Tem ânsia de vômito e, no pé de um coqueiro, elimina o incômodo. Fica algum tempo escondida antes de se lavar no mar. O sol se põe vagaroso, atrasando o anoitecer. Procuro um bar com música ao vivo. O cantor, um uruguaio de uns 40 anos, oferece repertório variado a um público animado. Perto do cantor, uma mulher. É a que enjoou na praia, já refeita. As mazelas ficam para trás, perdidas no entardecer, espalhadas no mar. Ela dança ao som de New York, New York.
Após o lanche, sigo em passeio pela beira-mar. São 22 horas e o calçadão lotado. Graziela e Marta, sentadas em um banco de pedra, assistem ao movimento contínuo de ida e vinda das pessoas. Ambas com 71 anos são empresárias na capital uruguaia. Marta, professora e dona de escola de segundo grau. Graziela, comerciante no ramo de representação de peças para equipamentos de exames médicos. A comerciante é a mais falante e ensina que a vida é cíclica. “O Uruguai é exemplo disso. Após ditadura militar, elege presidente um homem pertencente a grupo guerrilheiro que lutou contra a ditadura militar, o tupamaro. Sabe-se lá o que virá depois”, ri alegre. Perguntada, dá opinião quanto à liberação da marijuana. Afirma que o objetivo do governo é a migração do usuário da pasta básica de cocaína, que danifica o organismo, para a erva cultivada e fiscalizada legalmente. Desacredita que isso resolva o problema. “Pode até piorar”.
Brinca que a degradação geral do organismo humano começa aos cinquenta e segue gradativamente de cinco em cinco anos. Exemplifica imitando a envergadura das costas com o avanço da idade. Pensa em trabalhar enquanto o corpo estiver firme. “Hoje, meu filho manda na empresa, mas me consulta antes de tomar decisões”. Há dez anos a vida de Grazi mudou radicalmente. Para comemorar quarenta anos de casamento, o casal programou viagem pelo interior do país. No caminho de ida, o asfalto molhado provocou a derrapagem e o capotamento foi inevitável. O companheiro falece no local e ela, após anos de fisioterapia, permanece com sequela em uma perna. Apesar da tragédia, Grazzi é mulher alegre. “Ele me quer leve, seguindo a vida sem dores”.
Meia-noite. As senhoras despedem-se e seguem vagarosamente pela orla. Entendem que as mazelas colaboram com o crescimento pessoal e devem ser vividas sem amargura. Caminham sós pela beira-mar da Praia Mansa. Têm tempo e confiança para dialogar com estranhos sobre suas vidas e sobre política.

Um comentário:

  1. Opa! teu blog tá muito interessante. ja estou seguindo. também tenho um, se quiseres dar uma olhada...bjs!

    http://nartmosphere.blogspot.com.br/

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