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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

TRABALHO SEM FÉRIAS

(Raposa-MA)
Ao nascer a primeira filha, o pai maranhense, escolheu  o nome em homenagem ao estado natal. Chamou-a Mariana, a filha do Maranhão. Cedo a criança conheceu a fome. Mais velha de oito irmãos, dois morreram por desnutrição. Após a perda, o pai desesperado com a situação, arrumou trabalho no caís do porto de Belém e, por conta do transporte de cargas pesadas, adquiriu hérnia inguinal. Retornou a São Luís e, prostrado na cama morreu com as dores da fome e da doença a queimar o estômago. Mariana com dez anos perdeu a infância e inocência para o vizinho compadre.
A partir do dia seguinte ao enterro do pai, Mariana passa a ajudar a mãe no sustento da família. Ainda madrugada, enquanto as amigas dormem, acorda e toma o ônibus rumo à Vila Raposa. Lá arrecada peixe e entrega na capital.
Aos quinze, grávida, amasiou-se com biscateiro viúvo e assume quatro filhos, somados aos do casal, formaram família de onze pessoas. O marido Chiquinho tinha na aguardente verdadeira paixão. Jamais a espancou, mas para criar coragem, bebia muitas, até chegar a casa. Então, jogava a mulher na cama e possuía no único prazer por ele conhecido. Os filhos nasciam sem controle até que no quinto, o doutor ligou as trompas. Cedo ficou viúva e a partir daí, ajudada pela mãe sustentou filhos e enteados.
É uma vida sem descanso. Levanta às quatro da manhã. Labuta na rotina de chegar a Raposa, ajudar os pescadores e arrumar os barcos. Trabalho duro que  rende algum peixe em pagamento. Permanece na feira, conversando com um e outro até às 12h a espera dos barcos carregados de pescadas amarela, pescadinhas e peixes-espada, quando novamente ajuda no esforço de descarregar. E ganha mais peixes.  Quando a quantidade é boa, abastece os clientes com preço convidativo. Caso contrário, complementa comprando o restante que é quando o preço fica salgado.
Hoje com quarenta, Mariana estampa rosto sofrido que emoldura aparência de sessenta. A vida difícil golpeia incansavelmente. Após estender camada de gelo nos isopores, corre a tomar o ônibus de volta. Há pouco tempo para entregar e conta com o auxílio do filho mais velho, o Zé, a espera-la no ponto. Pegam os isopores e seguem ladeira abaixo para abastecer o primeiro cliente. Um restaurante à beira-mar, cujo dono reclama do atraso. Mariana recebe o pagamento e segue para o próximo. Ansiosa e cansada, levanta os olhos aos céus e entra em prece para chegar logo em casa e poder descansar. São meia noite e trinta. Remexe nas panelas, prepara angu com farinha, come e deita. Reza antes de dormir. Agradece o dia, a saúde dos filhos, a dela, o alimento. Há trinta anos a mesma rotina. Dorme antes de orar pelo marido. Morto maltratado por dores, cachaça, fome e desavenças. Mariana enxuga a lágrima e cai em sono pesado. Sonha com a pescada amarela abrindo a boca para a engolir.

2 comentários:

  1. Se a realidade fosse diferente, eu até não me emocionaria. Lindo texto, dura vida.

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    1. A verdade crua que apaixona quem convive. Nem que seja por horas.

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