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sábado, 15 de junho de 2013

A VELHA AMIZADE

Renato e THOR (arquivo pessoal)
“Meu grande problema é que nasci na família errada”. Sem explicações, parece dito por quem faltou oportunidade na vida. Alguém carente de apoio financeiro, que permitisse estudar com qualidade.  Um desafortunado, com poucas chances de desenvolvimento. Ledo engano, a frase proferida deve-se a quem no passado foi filho de banqueiro, nascido em berço de ouro como se diz no jargão da vida endinheirada. Contarei.
Ao buzinar em frente ao estacionamento, THOR, o cão rotweiller se aproximou do portão com cadeado e olhou furtivo, quieto, esperando. Estava de prontidão de olho no invasor. “Já vou”. Gritou a voz dentro do barraco de alvenaria. O cão, com ares de nobre, sentou a espera, calmo, mas vigilante.
Logo após, aparece a figura magra, esguia, roupa surrada. Reconheceu o recém-chegado imediatamente, apesar do tempo que estavam afastados. Não se viam há mais de 40 anos. Atualmente com 58 anos, os dois se olharam e riram como a medir os estragos que o tempo fizera a cada um.
                   “Tá velhão hein meu?”  disse Renato, o morador. “Todos estamos”. Respondeu o visitante. O anfitrião  gritou para Thor entrar no canil. “Espera que vou prender este vira lata filho da puta”. Chamou o cachorro e retirou-se para o fundo do estacionamento.
O recém-chegado constatou que o tempo fora cruel com o velho amigo. Não poderia imaginar encontrá-lo em Campinas naquele estado, morando em casebre pequeníssimo. Conheceram-se quando ambos contavam seis anos de idade e descaminhos da vida os fez vizinhos em Porto Alegre. O homem que prendia o cão, fora  filho de família abastada, menos pelo pai que procedia de família de portugueses remediados, mas pela mãe de procedência alemã, dona de fortuna considerável amealhada com grandes comércios e próspero banco familiar.  A rua praticamente pertencia a família e os membros moravam em palacetes e desfilavam em carros importados. Enquanto fechava o carro para descer, pensava na enorme diferença social entre eles. Naquela época, residia em casa alugada e de madeira. Mas nada disto os distanciara e a amizade iniciou desde as primeiras brincadeiras. Separaram-se quando adolescentes e os objetivos de vida tornaram-se antagônicos.
Após prender Thor, o portão foi aberto e Renato convidou a entrar. Carlos,  viajara cerca de mil quilômetros para visita-lo. Foi difícil encontrar. “Pensei que estava escondido”. Quem passara as pistas fora o filho, batizado com o mesmo do amigo, Carlos. “Teu filho passou  o fone, após me localizar no Orkut”. Renato exibia rugas profundas e sorriso triste marcava o rosto. O semblante era o mesmo, costas eretas, andar balançado pelas longas pernas magras, alternando passadas largas.
“Estava preocupado com vocês”, disse dirigindo-se ao amigo que chegara com a namorada. “Demoraram demais”. Comentou que ao combinarem o encontro pelo fone, ouvira de Carlos que chegaria antes do almoço. Eram três da tarde e isto o incomodara. “Espera no escritório que vou arrumar. Mas não entrem no quarto” demonstrava o receio de ter a intimidade miserável invadida. O escritório era pequeno, com mesa, computador e arquivo de aço com três gavetas. A cadeira atrás da mesa, o único móvel para sentar. Na tela do PC, um jogo pela metade. As paredes sujas passavam impressão de abandono. Aos fundos, a churrasqueira modesta. “Alugo por 50 reais o dia”. Ao lado, o banheiro.
O amigo-visitante senta no escritório e continua o jogo de paciência exibido na tela. A namorada passeia pelo quintal, pois verifica que no escritório não há lugar para dois. Meia hora depois o anfitrião surge na porta. Parece mais velho. O cabelo grisalho encardido,  preso num rabo de cavalo, a camisa xadrez e a calça surrada o apresentam para o almoço. “Preferem uma churrascaria?”.  Estende a toalha bege que um dia foi branca num varal de fio elétrico. Carlos diz que anda afastado da carne vermelha. Prefere peixe e salada. O dono da casa entende o recado. Entram no carro. Muito havia para dizer, mas o silêncio repentinamente se fez entre os três.
Chegam ao restaurante em bairro elegante.
“Estou sem fundos no banco para bancar o almoço”, brincou. “Além do mais serei despejado. Não tenho onde morar a partir do mês que vem”, comenta Renato misturando bom humor com preocupação. “Não se preocupe, a conta é minha”.
“Meu grande problema é que nasci na família errada”. Os três riram.
Apesar da alegria aparente, o caminho de retorno até a casa de Renato aconteceu em profundo silêncio. No hotel, a moça perguntou a Carlos: “Como teu amigo chegou a esta situação”?


domingo, 2 de junho de 2013

ARAXÁ - Local onde primeiro se avista o sol

(Museu de D. Beja e da cidade - arq. pessoal)
Dona Beja tem histórias de luta, projeção social e conquistas em Araxá, recheadas de amor, sensualidade e ternura. Mulher analfabeta escandalizou a sociedade tornando-se mãe-solteira duas vezes. A primeira em Paracatu, onde morou ao ser sequestrada pelo ouvidor Joaquim Inácio Silveira da Mota com apenas 14 anos de idade e a segunda com um padre de Araxá, que reconheceu a filha, forçado por Beja. Ainda de Paracatu, a mulher de personalidade forte, foi responsável pela reconquista a Minas Gerais do território do Triângulo Mineiro, anexado que estava ao estado de Goiás. Prova de prestígio da bela mulher, o museu montado em sua casa no centro da cidade, abriga também o Museu do Araxá.

Além de Beja, Filomena por razões bem diferentes também deixou a marca na história araxaense. Pobre e
(Santuário de Filomena - arq. pessoal)
escrava de capitães de engenho, a mulher teve a infelicidade de adquirir varíola. Sabedores da condição mortal e contagiosa da doença, os patrões convenceram a todos que para livrar do mal era necessário enterrar a doente até o pescoço. Assim permaneceu até morrer, desprovida de comida e água, face ao temor de contágio. Sepultada fora da cidade, passou a atrair peregrinação de fiéis que lhe creditavam curas miraculosas. Para proteger o jazigo, construíram singela igreja transformada em local de orações e reverências. Responsáveis pela preservação do santuário garantiram que quem “troça” da escrava, sofre punições. “Certa vez, um homem saiu gargalhando do templo e caiu da bicicleta e outro após fazer piada, entrou no carro e bateu em uma árvore”. Na construção ao lado, há exposição de fotos e relatos manuscritos das graças alcançadas. “Filomena tem processo de canonização no Vaticano” garantiu o zelador.


(Árvore dos Enforcados - arq. pessoal)
A procura pela Árvore dos Enforcados foi intensa. Somente no segundo dia, após visita ao Cristo, réplica miniaturizada do grande Redentor do Rio de Janeiro, um senhor que passava indicou a galhada.  Em um elevado, majestosa e seca, a árvore se projeta silenciosa, parecendo esconder o passado misto de glórias e infortúnios. Palco do enforcamento de dois escravos acusados de matar o patrão virou atração pelo choro do tronco. Moradores garantiram que os galhos frondosos, faziam barulhos assustadores nos dias de vento. Hoje com dias contados, jaz o gigante morto que logo adubará o subsolo, seu destino final. Nem o botânico expert em revitalização de árvores, foi capaz de reviver a árvore. O ciclo de vida se cumpre após duzentos anos.

O Grande Hotel é imponente e passeio obrigatório. Oferece banhos com água e lama sulfurosas e
(Grande Hotel - arq. pessoal)
massagens aos dispostos a desembolsar boas quantias. Inaugurado em 1944 por Getúlio Vargas, teve o paisagismo composto por fontes, lagos e jardins executados por Burle Marx. O projeto arquitetônico segue edificações espanholas, lembrando obras de países como Colômbia e Venezuela. Mas a maior das obras a Natureza se encarregou de executar exposta na trilha da fonte Dona Beja. Uma árvore no topo do muro, cujas raízes para reforçar a base, descem externas ao paredão. Belo exemplo de simbiose, entrelaçadas em proteção mútua.


(Atente para as raízes - arq. pessoal)
O centro de Araxá deve ser observado em detalhes. Na parte superior da praça central, da majestosa igreja Matriz se avista o Cristo no alto do morro, “braços abertos sobre a cidade”. Ao descer a avenida, faixas de pedestres, elevadas cerca de vinte centímetros do nível da rua, ordena o trânsito e obriga veículos a trafegarem vagarosamente. Ao final da rua central, no amplo canteiro, o teatro e a fonte luminosa. Cynthia, diretora do Teatro Municipal, garantiu que há vários projetos culturais inter-secretarias em execução. A  disposição do turista, além do roteiro tradicional, filmes no telão e representações teatrais gratuitas. Basta consultar a programação mensal.
A cidade demonstra preocupação com turistas e moradores. Gera conforto e preserva a memória.

(Abraço a Araxá - arq. pessoal)
(Centro - arq. pessoal)