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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

AVENTURA 4 X 4 – Parte II de III

(Raizama - palco de shows - Arquivo Malu)

Na manhã do segundo dia planejei visitar cachoeiras, condicionado ao tempo, que nesta época do ano é chuvoso e as estradas, como já foi dito, nem sempre oferecem condições de tráfego.  Seguindo indicação do guia do hotel, rumei a Raizama. Há doze quilômetros do povoado, acesso de barro e alguns trechos com risco de atoleiro, contornados vagarosamente. Encontrei ambiente estruturado, espaço para shows ao ar livre com palco e banheiros. Paguei quinze reais por pessoa, relativamente barato considerando o conforto e cuidado que o espaço oferece. Malu e eu deixamos o carro e seguimos mata adentro. A trilha a pé, tem extensão de dois mil e trezentos metros, com solo de pedregulho e pedras limosas, obrigando o máximo cuidado no andar. O retorno aconteceu pelo mesmo lado iniciado, o tempo fechava e havia risco de tromba d’água, condições adversas e perigosas na região. A tentativa de chegar as termais, fontes de águas quentes, esbarrou na notícia do caminhão atolado. Quando soube que havia um veículo caído para o lado, apoiado em grossa camada de barro, preferi retornar. O contato com a natureza crua, exuberante e majestosa foi suficiente para conscientizar da pequenez do ser humano e da necessidade de curtir a natureza sem danificar, sujar ou consumir bebidas.
(Raizama - acesso - Arquivo Malu)

Percebi que a proteção ao meio ambiente é constante e, com exceção de poucos plantadores de soja inescrupulosos, os agricultores em geral estão cientes que preservar a mata é a única chance das gerações futuras sobreviverem com qualidade de vida. Os limites de terras destinadas a agricultura estão sendo revistos na região. Espero não ser tarde.
Após o almoço e breve cochilo, armei estratégia para ouvir histórias. Sentei no banco de madeira da praça central, defronte ao comércio, puxei o chimarrão e iniciei a cumprimentar pedestres. Armado o cenário, apareceram os primeiros personagens. Um casal canadense de Quebec com dois filhos, amplo sorriso e português claro com sotaque francês. Contaram que chegaram em  dezembro e retornarão em julho. No Brasil, moraram em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife.  Adoram o clima brasileiro, o Canadá é muito frio. Há cinco anos no país, o rapaz fez mestrado e doutorado em universidades brasileiras. “Nossos filhos  iniciarão os estudos”, a mãe preocupa-se. No povoado, trabalham em uma ONG prestadora de serviços na área de ajuda a pessoal carente e preservação ambiental. O papo se estendeu por uns trinta minutos, agradecem e despedem felizes com as novas amizades. Ao vê-los afastar, fiquei a pensar como um casal com dois filhos na faixa de cinco anos viviam no povoado, local com parcos recursos, comércio fraco e tamanha diferença cultural.
Outro casal aproxima. A moça gaúcha de Três Passos e o rapaz curitibano.  Estavam em turnê pelo centro-oeste, provenientes de  cidades baianas, mineiras, capixabas e cariocas. Narram  experiências com o Santo Daime, chá alucinógeno com o qual acontecia festival em Alto Paraiso. Provaram em local afastado, ele a dose dupla e ela a única. O rapaz, na segunda dose, ficou em estado de torpor. Teve que ser atendido pelos frequentadores mais antigos, conhecedores dos efeitos sobre os novatos. Instruíram que respirasse fundo e seguidamente para amenizar o efeito. Não lembra, mas a companheira afirmou que vomitou muito. “Encheu um balde”. Mais comedida, a dose mínima da gaúcha a deixou apenas com formigamento nos braços, controlados por respiração cadenciada. Mesmo assim, o paranaense pretendia repetir a experiência. Consultaram o relógio e disseram querer conhecer as termais. Nem a resposta de um motorista de ônibus que “havia grande atoleiro por lá com o caminhão enganchado”, assustou a moça. O casal pediu licença, ligou o carro e pegou a estrada. Ficou bem marcante o equilíbrio desta relação. Quando um se aventurava em extravagâncias, o outro limitava e vice-versa.
O dia terminou na pousada com jantar delicioso, acompanhado de seleção musical impecável e boa leitura. Dia seguinte sairia do povoado rumo a Alto Paraíso.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

AVENTURA 4 X 4 – Parte I de III

Pousada em São Jorge - Arquivo pessoal)

Retornar a Alto Paraíso após 29 anos deu-me a oportunidade de  perceber a evolução que o tempo exerce sobre cidades do interior, principalmente as místicas, como é o caso. A cidade mudou muito e eu também e o olhar maduro fez a diferença entre o passado e o momento atual. Estive por lá em 1984 e recordo a viagem difícil, principalmente nos trechos de terra. Na parte asfaltada, buraqueira. Desta vez, a viagem aconteceu mais tranquila. Atenção maior nos trechos de barro, perto do Povoado São Jorge ou acesso as cachoeiras. No total, foram cerca de quatro horas e meia de casa a cidade, incluindo o tempo do almoço. Cortar percurso pelo Paranoá e Planaltina mostrou ser atalho ineficaz. Entrei em ruelas que atrasaram a viagem. Como há vinte anos, alguns trechos só  transitando no acostamento. 
(Restaurante vegetariano - Alto Paraíso - arquivo pessoal)

O almoço em Alto Paraíso foi as treze horas, em restaurante vegetariano, onde almoçava Constanza, colombiana miúda com cerca de metro e meio, com quem dividi a enorme mesa única de madeira e foi possível treinar o espanhol. A moça bebericava uma espécie de chá até o almoço ser servido. Quando o prato chegou, já ouvira boa parte da história desta primeira personagem que falava com desenvoltura. Disse residir em Alto Paraíso há três anos. Antes passara pela Espanha, onde permaneceu por 15 anos, representando mentores do chá de ayahuasca, interrompidos pela derrocada econômica da comunidade européia. Pensou em retornar a Colômbia e desistiu pela real possibilidade de atentados terroristas em cada esquina. A cidade goiana propiciou a qualidade de vida dos sonhos. Tem como atividade a montagem de documentários sobre grupos ameaçados de extinção, como os índios. Sobre seus conhecimentos do chá, publicou no Youtube o vídeo “Ayahuasca Medicinal Ancestral”, com esclarecimentos sobre a doutrina. Ao final do almoço, a chuva recomeçava e precisava chegar de dia no povoado São Jorge, onde hospedaria. A chegada do companheiro da colombiana, um brasileiro de aproximadamente 30 anos, precipitou a saída. Precisavam levar um amigo a rodoviária, onde partiria ao longínquo estado do Acre.
(Sacerdote sorvendo a Ayahuasca - quadro em exposição - Arquivo
pessoal) 


Percebi que os novos moradores da cidade, são levados pela escolha de vida alternativa e contam histórias de mudanças e autoconhecimento. Queria ouvir as histórias e decidi reservar dois dias para Alto Paraíso na volta de São Jorge.
No meio da tarde, quando leve neblina caía sobre a cidade, iniciou-se a viagem ao Povoado. Trinta e seis quilômetros de estrada, sendo treze de lama e buracos. Nesta época chove constantemente e a estrada de terra recebe trânsito de caminhões e ônibus e necessita constante manutenção. Em alguns momentos a viagem esteve comprometida, contornados pelo forte gosto da aventura. Logo avistei a placa do povoado e localizei a pousada, oásis no meio do deserto, com sua exuberante vegetação natural, e, como contarei adiante, saborosos pratos e vinhos. Eram seis da tarde, agradeci a caipirinha recebida na chegada. A cama deliciosa e duas horas de sono, aperitivaram o jantar regado a vinho chileno e deliciosa bacalhoada. Após a ceia, a caminhada pela noite de São Jorge, que dormia profundamente como seus seiscentos moradores. Soube na pousada de cachoeiras fechadas ao público pelo risco de trombas d’água. 
(Cuidado nunca é demais - Arquivo pessoal)

Insólito foi testemunhar o cuidado da senhora com o cão atropelado. Sem recursos para levar o animal a clínica, enfaixou cuidadosamente o quadril junto com a pata quebrada. Torço pela pronta recuperação do animalzinho.
Recolhi ao quarto, abri o livro de Albert Camus, A Peste e li até dormir. O dia seguinte prometia ser movimentado