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terça-feira, 30 de outubro de 2012

SEM IMAGEM

(Google Imagens)

Estou há um mês sem assistir TV. Deixei a divulgação para após este prazo, esperando amadurecer a façanha. Tudo começou com Uma reclamação simples, que um produto igual ao meu, na televisão, era melhor. Após longa discussão com um amigo, concluímos que 
tudo na telinha é lindo e que a imagem virtual é mais exuberante que a real. Saquei então que isto é uma das molas mestras da ilusão que mantém as pessoas magnetizadas. Isto descoberto, tracei o projeto hercúleo de desligar da telinha.
Confesso que inicialmente me senti perdido em casa, fora de órbita. Tive problemas de onde colocar as mãos, focar os olhos e por várias vezes parei frente à TV, controles na mão, olhando a tela escura. Aos poucos desconectei e percebi os quadros tortos deixados pela faxineira após a limpeza. Aprumei-os.  Passada a primeira semana, ganhei novos horários para executar trabalhos caseiros. Passei a ler mais e escrever  se tornou tarefa mais proveitosa, sem interrupção. Assim, lavar a louça diária e estender a roupa de cama exercito com afinco, sobrando tempo para cinema em dias de semana. Em quinze dias, agreguei a arrumação da mesa de trabalho, da estante repleta permanentemente de livros fora de lugar, e ainda sobra para cafuné na nina, a cadela que há tempos reclamava.
Há trinta dias chego cedo às reuniões, no horário na natação, cumpro  compromissos nos trabalhos voluntários, enfim, sem estar aprisionado pela telinha, saio de casa sem atrasos.
Me arrumo melhor, pois nada me distrai daquilo que faço. E descobri a utilidade do aparelho ao lado da TV, há anos invisível. O aparelho de som. Por força do hábito, no inicio esperava imagem, mas logo percebi o engano. Com o rádio, vou ao banheiro, quarto, cozinha sem preocupar em perder algum acontecimento. Ligo ao levantar e ouço enquanto em casa. Já me surpreendi ora cantando, ora assobiando. Parei de me entupir com assuntos irrelevantes. E o importante é que posso desligá-lo a bel prazer, sem a sensação do vazio. Da falsa impressão de perder algo importante.
Desconheço a rotina de seqüestros, de assaltos a banco, de mortes. São todos problemas da Polícia, do Governo ou de quem é pago para isto. Meu nível de stress diminuiu e agora ouço os passarinhos que cantam em sinfonia pela manhã. Cordão umbilical cortado com a TV, as noites melhoraram. Substitui os programas de entrevistas e apresentações que me magnetizavam por horas, provocando insônia crônica, por leitura.  Resultado? Botei fora os remédios para dormir, pois o sono é provocado pelo bem estar de um livro. Ler ao dormir, além de acalmar a mente, prepara o sono, contribuindo até para o sonho leve. Acabaram os pesadelos recorrentes que me assombravam depois dos filmes da madrugada,
E o melhor de tudo é que, sobrando-me tempo, recomecei a procurar amigos. Dedico uma hora diária para falar com eles por telefone, quando tem tempo, claro, pois são muito ocupados vendo TV. Quando ligo, costumo pedir desculpas pois sei que interrompo algum programa policial, telejornal ou novela “imperdível”.
Passei a escutar o silêncio da casa. Quando chego da rua, independente da hora, ligava a TV em qualquer canal e a deixava tagarelar nos meus ouvidos, impedindo-os de ouvir pensamentos que se agitavam atrás da penumbra de propagandas, apresentadores de remédios para emagrecer e demais bombardeios. Às vezes, o apresentador era tão convincente que me impunha culpa da situação de desastre da enchente na China forçando-me a fazer algo para impedir.
Reconheço a competência da mídia que causa necessidade de consumir produtos absolutamente inúteis. Apresenta pessoas extremamente felizes que descobriram a fórmula do bem viver. Novelas exibem a falsa ilusão de uma sociedade consumista fútil com comportamento irreal, mas a ser  seguida para conseguir a felicidade do pobre telespectador.
Imagino famílias conduzindo vidas por esta mídia cruel, hipnotizada pela  magnetização da telinha.  São quatro, cinco pessoas mudas em uma mesma sala. Ávidos de saber onde encontrarão produtos para amenizar dores e sofrimentos. Se alguém fala, tentando sair da robotização, outro pega o controle remoto e aumenta o volume, calando a boca do coitado que se queixa, quem sabe, do resultado do exame de sangue descontrolado feito naquele dia.
Estou curtindo momentos sublimes há um mês. Meu conteúdo como ser humano, melhora a cada minuto. Consigo conduzir conversas reflexivas, entendo melhor a vida e intercorrências. Mantenho a mente livre para pensar sem influências externas.
Até consigo ficar ocioso sem culpa. Sem planos ou projetos de comprar isto ou aquilo, apenas pensar na vida e nas pessoas. Andava desacostumado disto e ainda estranho. Acredito que descobri porque o tempo anda curto para todos.  

6 comentários:

  1. Eu sou do time dos sem TV . INFELIZMENTE a família não compactua.
    Cena rara eu e a TV

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    1. A Tv definitivamente é algo dispensável. Posso viver sem, portanto, vivo.

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  2. Bem, TV aqui em casa acontece, mas não domina.
    Estamos muito envolvidos um com o outro, os dois com o cachorro e os cuidados com a casa, depois, eu com o jardim e o quintal e ele com sua música. Às vezes toca piano, outras ouve o som.
    E os idas vão se sucedendo sem que a monotonia ou o tédio tenham oportunidade de invadir nosso recanto.

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    1. Não se deixar dominar pela telinha já é um grande negócio. Mas coloco a TV no mesmo nível do cigarro: se posso ficar sem fumar, porque fumar um por dia?

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  3. Ótimo texto! Parabéns por ficar um mês sem assistir TV e olha que eu já estou ha quase um ano... hehe. Por isso mesmo, sei de todas as vantagens que vc colocou no texto!

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    1. Então falas com experiência. Passou da fase da abstinência. Ainda tem momentos que me pego com o controle remoto na mão, que logo descarto.

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