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quarta-feira, 20 de junho de 2012

ALTO PREÇO

(Foto Google Imagens)

Diariamente quando chegava a casa, Rodolfo aplicava tremenda surra em Isaura. Destemperado, tratava a todos como raça inferior e descarregava os dissabores da rua contra a mulher. Os filhos evitavam interferir e o provedor perdulário, comprava esta cumplicidade com mimos financeiros. Sem apoio, após a violência recebida a esposa chorava escondida no quarto da filha. Após a violência, esvaziado da tensão, o homem se empanturrava de comida, jogava os cento e dez quilos na cama e roncava até seis da manhã, quando acordava como se nada houvesse acontecido.
A família, moradora de bela mansão em região nobre de Brasília, ostentava o alto poder aquisitivo desfilando roupas de griffe e automóveis novos. Coniventes com os destemperos do pai, os filhos exigiam caras compensações, as quais, uma vez prometidas, Rodolfo cumpria a risca. Para  bancar as exigências, retirava altos ganhos de sua empresa de construção civil. Até Isaura usufruía das benesses. Em compensação, vivia sobrecarregada e submissa, pois o marido queria servidão total a si e aos filhos.
A fortaleza do homem era abalada apenas por uma única fraqueza. A apnéia do sono. Costumava acordar agoniado nas madrugadas, tentando respirar. Para minimizar o problema, que poderia se transformar em tragédia, após exames o médico receitou o uso de aparelho de oxigênio para ser colocado ao dormir. Como o homem deitava alcoolizado, Isaura, ao dormir, colocava a máscara no marido.
Quando a filha mais nova completou dezoito anos, ganhou seu carro novo e, além de ignorar as brigas dos pais, passou também a desmerecer a genitora, já que estudava psicologia e começava a entender a mecânica das relações.
– Mãe, você o conhece muito bem. Pára com estes faniquitos. A relação doentia de vocês me enoja – e, na hora da chegada do pai, saía com amigos.
Um dia Isaura cansou. Revoltou-se, colocou óculos escuros para esconder o olho roxo e correu a Delegacia da Mulher registrar queixa.
A delegada, de seus cinquenta anos, cabelo preso num rabo de cavalo, olhou-a por cima dos óculos, chamou a escrivã e as duas ouviram a mulher que falava sem parar. Isaura chorou e falou por duas horas, até que, exausta, resumiu sua dor.
– Sim, todos os dias há vinte anos. Agora cansei – a delegada ouvia pacientemente e a escrivã lavrava o Boletim de Ocorrência, séria e solidária. Mas logo o ar policial se transformaria em espanto. Ao consultar os arquivos pelo CPF da reclamante, a delegada verificou que constavam oito queixas por agressão do marido nos últimos cinco anos. Em todas desistira da ação.
Em casa o martírio continuou por mais uma semana, quando, sete horas da manhã do sexto dia, a campainha tocou e a empregada atendeu.
– Poderia chamar o senhor Rodolfo? – pergunta a visitante.
A mulher chama o patrão que chega se arrastando com cara de poucos amigos por ser incomodado tão cedo na segunda-feira.
– Sou oficial de justiça – anuncia, apontando a linha pontilhada para assinatura – intimação para audiência na delegacia da Mulher.
Na sala, Isaura esperava apreensiva, avisada pela serviçal. O homem ao passar colocou o dedo em riste em seu nariz.
– Bem, vou te esclarecer. Ta vendo a chave da Mercedes que te dei de aniversário? Vou levar e saiba que está no nome do meu irmão. Esta casa é de meu pai e a fazenda, de Clarinha. – e o marido desfiou todos os bens e os nomes dos “laranjas”, da própria família. – Mas tudo bem, irei a Delegacia na data marcada. Pode arrumar minhas malas – E saiu porta afora. À noite, o motorista pegou a bagagem do patrão e levou ao apartamento da asa sul, que estava vazio.
Não se viram até a audiência, quando Rodolfo chegou na hora marcada.
– Senhor Rodolfo, sua esposa retirou a queixa. O senhor está isento de prestar depoimento, mais uma  vez. Fique avisado que dona Isaura sempre terá a lei do lado – no íntimo, a delegada demonstrava indignação com a ex-reclamante.
A saída, Isaura esperava encostada na BMW do marido.
– Rodolfo, você ganhou, cadê a chave da Mercedes? – e estendeu a mão enquanto o homem entrava no carro.
– Está embaixo do tapete da sala. – gritou à mulher – agora vou trabalhar. Prepara janta leve para mim, volto para casa hoje – E ordenou ao motorista que arrancasse com o carro.
A delegada afastou a persiana e espiou Isaura andando decidida ao ponto de ônibus, com óculos escuros, sapatos baixos e roupas simples. Diferente da mulher plena de jóias e roupas caras quando registrou queixa.
– Mais uma desistência de ação – Comentou com a escrivã que rasgou o documento e jogou na lixeira, balançando a cabeça.
Isaura chegou cedo a casa preparou a janta e sentou-se a espera de Rodolfo. Logo ouviu o carro que entrava na garagem e avaliou o estado da embriaguês pelo ruído do motor. Esperou-o na porta da garagem com suco de caju.
Preparou janta a base de saladas e logo após, sem banho nem escovação de dentes, Rodolfo a chamou para o amor obtendo plena participação da mulher com direito a gritinhos e suspiros.
Após amor intenso, Isaura retirou-se ao banheiro. Ligou o aparelho de som e, enquanto esperava a banheira encher, dançava sensualmente ao som de Zizi Possi. Colocou sais aromatizantes e iniciou o banho relaxante.
Absorta pelo som, saciada pelo êxtase da noite e aquecida pela água morna, a mulher não escutou o marido desesperado acometido por crise de apnéia no quarto.

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